“Recordo tanta coisa, das coisas bem feitas, das coisas mal feitas, daquilo que se passou antes, daquilo que se passou depois. Acho que foram precisos 20 anos para lá chegar, e isso foi com muitos litros de pingas de suor a percorrer a minha história, porque nada se faz sem trabalho. É preciso ter coragem, ser determinado, abdicar de muita coisa”, enumerou.
Em entrevista à agência Lusa, em Santa Cruz (Torres Vedras), o primeiro campeão olímpico português recordou aquele 12 de agosto de 1984 e as 02:09.21 horas que correu rumo ao ouro e que perduraram, durante 24 anos, mais concretamente até Pequim2008, como recorde dos Jogos.
“Foram dois anos e meio a preparar a maratona. E até à maratona dos Jogos, eu nunca ganhei maratona nenhuma, nem era esse o meu princípio. Porque eu, quando fui para a maratona, ou quando comecei a pensar na maratona, não fui para as maratonas comerciais, mas sim para ser campeão olímpico”, afirmou.
Depois da prata nos 10.000 metros em Montreal-1976 e da ausência em Moscovo-1980, devido a lesão, Carlos Lopes sabia bem o que queria daqueles que seriam os seus últimos Jogos.
“Eu preparei a maratona para ser campeão olímpico, que era o meu sonho. Um sonho que se tornou realidade, com muito trabalho, com muito sacrifício, e como digo, com muitos, muitos pingos de suor, que foram muitos litros de água, ao longo destes dois anos e meio. Mas que, de certa forma, valeram a pena”, confirmou.
Lembrar aquele domingo quente leva o antigo atleta do Sporting, atualmente com 77 anos, a vaguear pela memória, na qual seleciona episódios como o facto de a mulher Teresa não ter bilhete para entrar no estádio, ou de ter ludibriado a organização para aquecer fora do pavilhão destinado para esse efeito.
“A partir daqui, desenrolou-se a prova que toda a gente conhece. Quero dizer que as dificuldades foram poucas, muito poucas mesmo, dentro da competição. (…) Aquele momento de consagração… quando cheguei à meta, disse ‘fogo, esta é minha, ninguém ma tira’. É que eu cheguei ao estádio tranquilo, sozinho, com a liberdade de expulsar aquilo que eu queria. E, portanto, deu para agradecer ao público que estava presente, porque, de facto, é o momento único da vida de qualquer atleta, ainda por cima no país que foi”, relatou.
Recebido como um herói em Portugal, passou “um mês a ser homenageado”, foi convidado pelo presidente norte-americano Ronald Reagan para a Casa Branca e viu-se “obrigado a fugir para começar a treinar e para ter descanso”. “Mesmo assim andei pelos núcleos do Sporting, do Canadá, pelas Américas todas”, acrescenta.
Quatro décadas depois, o antigo atleta, nascido em Vildemoinhos (Viseu) em 18 de fevereiro de 1947, admite que estes foram 40 anos que lhe deram prazer e resultaram de uma enorme vontade de vencer, uma característica inata reforçada pela estreia em Jogos Olímpicos, em Munique-1972.
“Foram uns Jogos de conhecimento e reconhecimento. Conhecimento, porque eu aí aprendi a ser. Reconhecimento pela minha presença e aquilo que eu pensava para o futuro. Aí comecei a conhecer os melhores atletas. Ia para a bancada todos os dias, ia ver os treinos de toda a gente, desde os 100 metros à maratona. Aí foi uma abertura que me deu a perceção do que é que era preciso fazer. Aprendi muito, muito, muito. Foi aí que eu comecei a imaginar um dia ser campeão olímpico”, revelou ainda à Lusa.