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Volta: Artem Nych, o russo que fugiu da guerra e revolucionou a Volta

LUSA
Artem Nych conquistou a Volta a Portugal
Artem Nych conquistou a Volta a PortugalPodium Events
Artem Nych, o gigante russo que fugiu da guerra com uma mochila às costas, encontrou em Portugal o seu porto de abrigo e retribuiu o acolhimento com um triunfo na Volta a Portugal em bicicleta.

O russo de 29 anos operou uma verdadeira reviravolta na classificação geral da prova rainha do calendário velocipédico nacional nos últimos dias, sabendo esperar pela oportunidade depois de perder tempo na primeira etapa, beneficiou da desistência do líder da Sabgal-Anicolor, o uruguaio Mauricio Moreira, e rematou com autoridade, ao vencer o 'crono' final, depois de já ter erguido os braços na sexta tirada, em Boticas.

Este ano já vinha a ameaçar um resultado assim, com um segundo lugar no Grande Prémio O Jogo seguido da vitória no Grande Prémio Beiras e Serra da Estrela e no GP Abimota - foi somando pódios por onde passou, incluindo no Troféu Joaquim Agostinho, mostrando toda a frieza, capacidade de atacar a liderança e também a leitura de corrida - nesta Volta, chegou a estar a quase quatro minutos da amarela, mas soube esperar, soube vencer em Boticas, brilhar na Senhora da Graça, e confirmar o triunfo defendendo-se no crono.

Em 2023, quando foi contratado, chegou, viu e venceu. Na sua primeira época no pelotão nacional - muito à semelhança do que aconteceu com Mauricio Moreira -, exibiu-se ao mais alto nível, conquistando o GP Beiras e Serra da Estrela, em que 'bisou' em 2024, e foi segundo no Troféu Joaquim Agostinho, somando também top 10 na maioria das provas em que participou.

Campeão russo de fundo em 2021, Nych foi ‘resgatado’ pela Glassdrive-Q8-Anicolor ao desemprego a que foi condenado com o desaparecimento da Gazprom-RusVelo, devido à invasão da Rússia à Ucrânia, e demonstrou estar à altura da confiança na primeira participação na Volta, embora, na montanha, tenha dado sinais de debilidade, nomeadamente na Senhora da Graça, onde foi ‘rebocado’ por Frederico Figueiredo, acabando no quarto lugar final.

Essa parceria voltou a repetir-se este ano, na nona etapa, que acabou no alto da Senhora da Graça, desta vez com um resultado muito mais frutífero, dias depois de a equipa ter dado a Volta como perdida quando Mauri abandonou, com problemas físicos.

Para chegar aqui, o portentoso gigante de 1,95 metros e sorriso rasgado fugiu da Rússia com uma mochila às costas, numa viagem com paragem na Bielorrússia, Cazaquistão, Turquia, Itália e, finalmente, Santa Maria da Feira, a cidade onde vive, tal como Moreira.

De relações cortadas com o pai, apoiante de Vladimir Putin e defensor de uma guerra na qual esperava que o filho participasse, Nych aprendeu português em tempo recorde e, hoje, consegue já expressar-se ainda que com algumas limitações – não esperem dele declarações elaboradas ou análises profundas, apenas o vocabulário essencial.

Vindo da Sibéria, mais concretamente da cidade de Kemerovo, onde nasceu em 21 de março de 1995, cumpriu todo o percurso profissional em equipas russas, iniciando-se na Russian Helicopters (2014) antes de mudar-se para a Gazprom-Rusvelo.

“Se eu vos contasse a história do Artem, ele virava o ciclista do povo português. Pegou numa mochila, sem nada, e veio ter comigo com o contrato assinado. Passámos mesmo muito”, contou aos jornalistas o diretor desportivo, Rúben Pereira, depois do brilharete na Senhora da Graça.

Depois de ter dito ser praticamente impossível ganhar a Volta, geriu o esforço do russo, contou com Frederico Figueiredo ao trabalho de novo, sobretudo na decisiva nona etapa, e Nych devolveu à estrutura um triunfo que ‘fugiu’ em 2023.

Sinto-me muito feliz por ter feito isto com o Artem, que significa muito para mim. É como se fosse o meu terceiro filho”, disse Pereira, que fica visivelmente emocionado sempre que fala do homem de Kemerovo, integrado na equipa apesar do parco português.

Foi na formação nacional – contam-se pelos dedos das mãos os estrangeiros que por lá passaram – que Nych conseguiu os melhores resultados, a começar pelo título russo de fundo de sub-23 em 2015, ano em que se estreou a correr em Portugal, ao alinhar na Volta ao Algarve.

Duas vezes 12.º classificado na Volta a França do Futuro, em 2016 e 2017 – nessa época, sagrou-se vice-campeão nacional de fundo de elites -, alcançou alguns top 10 em provas um pouco por toda a Europa, mas viu a sua carreira condicionada também pelo calendário limitado da Gazprom-Rusvelo.

Ciclicamente convocado para a seleção russa, representou a sua nação nos Jogos Europeus e também no Campeonato da Europa, sem nunca conseguir dar o salto além-fronteiras, já que os seus melhores resultados foram registados nos Nacionais: a juntar ao título de 2021, ainda foi vice-campeão de fundo no ano seguinte e medalha de bronze no ‘crono’ em 2019.

A extinção da Gazprom-Rusvelo deixou-o desamparado, como tantos dos seus antigos colegas, até que Rúben Pereira o descobriu e lhe ofereceu um contrato – e uma vida – em Portugal.

Frio na estrada, Nych é afável fora dela, impressionando pela cortesia e pela boa vontade com que tenta entender o que lhe dizem, num exercício de perseverança, a mesma que hoje o ajudou a ganhar a 85.ª edição da Volta a Portugal.