Depois de tantas subidas ao Atlas, o Leão quebrou: França está na final do Mundial-2022
Mudanças forçadas
Com um onze cada vez mais estabelecido, Didier Deschamps viu-se obrigado a mexer devido a problemas de saúde. Dayot Upamecano e Adrien Rabiot apresentaram sintomas gripais devido ao ar condicionado e não reuniam as condições físicas necessárias (o médio da Juventus ficou mesmo no hotel) e foram rendidos por Konaté e Fofana no onze de França.
Já Walid Regragui fez uma mudança mais estrutural da equipa. Largou o habitual 4x3x3 de Marrocos e optou por montar uma defesa a três, retirando Amallah do meio-campo e colocando Dari (era para ser Aguerd, mas o central do West Ham teve uma recaída no aquecimento) ao lado de Saiss e El Yamiq. Attiat-Allah também cedeu o lugar no lado esquerdo a Mazraoui, que tinha falhado o jogo com Portugal.
Mexer no que estava bem
Se há coisa que era reconhecida a Marrocos era a solidez defensiva. Com cinco jogos disputados (frente a adversários como Bélgica, Croácia, Portugal ou Espanha), os Leões do Atlas sofrerem apenas um golo e nem sequer foi marcado por um adversário (um autogolo no duelo com o Canadá). Fica por isso por perceber a necessidade de alterar a estrutura defensiva num jogo decisivo e que acabou por ter óbvios maus resultados.
Aos cinco minutos, Varane rompeu linhas com um passe para Griezmann que cruzou para a área. Num primeiro momento, Mbappé viu o remate bloqueado pela defesa marroquina, mas na recarga Theo Hernández fez o golo e confirmou que a tradição ainda é o que era: Quatro dos últimos cinco golos que a França marcou em meias-finais do Mundial foram apontados por defesas – Thuram (bisou em 1998 contra a Croácia), Umtiti (marcou à Bélgica em 2018) e agora o lateral-esquerdo do AC Milan, sendo que a única exceção foi o tento de Zidane a… Portugal (2006).
Em desvantagem pela primeira vez neste Campeonato do Mundo, Marrocos respondeu de forma tímida e o remate de Ounahi (para grande defesa de Lloris aos 10 minutos) foi o único esboço que uma equipa magrebina ainda a encontrar-se conseguiu esboçar. Pelo meio, Giroud (17 minutos) acertou no poste, após erro de Saiss.
Regressar às origens
A lesão de Romain Saiss – saiu aos 26 minutos com queixas na perna esquerda – acabou por ser uma espécie de bênção para Marrocos. Sem mais centrais no banco, Regragui viu-se obrigado a regressar ao habitual 4x3x3, o que permitiu à equipa voltar a reencontrar-se e crescer no jogo, conservar a bola e começar a colocar dificuldades a França.
Ainda assim, sempre que França acelerava, conseguia criar perigo. Aos 36 minutos, Tchouaméni arrancou do meio-campo, isolou Mbappé que viu um defesa cortar a bola que se encaminhava para a baliza. Sempre ligado à jogada, o médio do Real Madrid deu de primeira em Giroud que não conseguiu enquadrar com a baliza e perdeu mais uma boa oportunidade.
O pontapé de bicicleta de El Yamiq (44 minutos), na sequência de um canto, obrigou Lloris a uma grande defesa e empolgou as bancadas, mas o que é certo é que França controlou a partida durante a maior parte do primeiro tempo.
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Excesso de confiança
Em vantagem, França optou por uma estratégia de frente a Portugal e Espanha. Cedeu a bola a Marrocos, uma equipa que estava mais habituada a viver sem ela. Mas se é certo que tudo parece ter funcionado na primeira parte, o regresso do intervalo trouxe um conjunto marroquino diferente.
Com Attia-Allah de novo no flanco esquerdo, os Leões do Atlas mostraram uma agressividade acima da média (que o diga Mbappé), conseguiram colocar Ounahi novamente no jogo e foram empurrando França cada vez mais para trás. E ainda antes do quarto de hora estiveram perto do golo, mas Konaté apareceu quase sempre no caminho da bola.
As arrancadas de Mbappé ainda iam colocando Marrocos em sentido, mas o que é certo é que a França deixou de parecer no controlo e pareceu cada vez mais a tentar sobreviver às sucessivas vagas magrebinas.
A solução foi (mais) velocidade
Griezmann tanto gesticulou para o banco, sinalizando as dificuldades da equipa, que Didier Deschamps viu-se obrigado a mexer. E em vez de tentar consolidar a defesa ou meio-campo, o selecionador gaulês deu mais potência ao ataque. Marcus Thuram rendeu Giroud aos 65 minutos e assumiu o lugar na faixa esquerda do ataque. Além de garantir mais velocidade na frente, conseguiu travar as investidas de Hakimi que Mbappé (agora no centro do ataque) estava a sentir dificuldades para acompanhar.
Foi um tampão na resposta marroquina que, fora um lance de Hamdallah (76 minutos) que o avançado se atrapalhou quando entrou na área, ia sentido dificuldades para voltar a criar perigo perto da baliza de Lloris.
A magia de Mbappé tudo resolve
A estocada final surgiu aos 79 minutos. Novamente equilibrada, França voltou a surgir no elemento natural. Tchouaméni arrancou pelo meio-campo, colocou em Mbappé que combinou com Thuram, entrou na área, tirou dois adversários do caminho e viu a bola sobrar para Kolo Muani marcar ao segundo poste, com o primeiro toque na bola.
Depois de tanto subir ao Atlas (cordilheira em África), o Leão não soube ser mais astuto que o Galo e caiu. Mais madura e cínica, França colocou um ponto final (2-0) numa caminhada absolutamente histórica de Marrocos no Mundial-2022, que se tornou na primeira seleção africana a chegar a uma meia-final, mas agora terá de se contentar, na melhor das hipóteses com um lugar no pódio. Já os franceses continuam a sonhar com os feitos de Itália (1934 e 1938) e Brasil (1958 e 1962) e vão de defender o título diante da Argentina.