Entrevista Flashscore a Martin Škrtel: "Já me conformei, a vida de futebolista chegou ao fim"
Martin Škrtel é um homem de palavra. Prometeu jogar na sua amada Trnava no final da sua carreira e cumpriu. Chegou mesmo a levar a equipa ao triunfo na Taça da Eslováquia. Também prometeu jogar com a camisola da sua aldeia natal - Ráztočno. Claro que, mais uma vez, não foram apenas palavras. Martin Škrtel já cumpriu uma temporada no futebol amador eslovaco.
"Quando entrei nisto, contava que fosse sobre futebol e especialmente sobre promoção. Que as pessoas iriam apreciar e gostar que eu entrasse em aldeias onde nunca tinha estado antes. Estou habituado a isso ao longo da minha carreira, por isso não tive qualquer problema", disse Martin Škrtel, ao Flashscore, quando questionado se já estava cansado dos sorrisos para a fotografia e dos autógrafos a cada fim de semana.
A verdade é que Martin Škrtel, que pela seleção da Eslováquia somou 104 internacionalizações, não foi para o futebol amador apenas para a fotografia. Passou de defesa a avançado e fechou a temporada com 13 golos.
"Especialmente com o treinador do Trnava, Michal Gasparik, brincava muitas vezes com ele, dizendo que se ele soubesse como eu rematava de pé direito, ele ainda me colocava a avançado. Claro, tudo com a mente aberta. O nível da oitava divisão da Eslováquia é completamente diferente. Um jogador como eu pode fazer nome nela. Fico feliz por esses golos. Muitas vezes, prefiro passar a bola e deixar que outro companheiro marque. O número 13 é bom, mas podiam ter sido mais", assume Martin Škrtel, que aos 38 anos ainda tem fome por melhorar. Ráztoční terminou a época no segundo lugar e, ao Flashscore, o antigo internacional eslovaco confirma que vai continuar no ativo.
"Sim, vou continuar. Enquanto a minha saúde me servir ao ponto de poder jogar ao nível que quero. Continuo a gostar. De certa forma, é bom para me manter em forma. Não sei quantos jogos vão ser, porque tenho muitas atividades exteriores. Sempre que posso, gosto de participar", acrescentou o ex-jogador de Liverpool, Zenit, Fenerbahçe e Basaksehir.
- O que o levou a terminar a carreira como profissional? Como está a sua saúde, atualmente?
- De alguma forma, estou a aguentar-me. Não é o ideal. Se seguir os conselhos dos médicos, dos fisioterapeutas e fizer exercício físico, é possível viver regularmente com a doença. Isso é o mais importante para mim. O futebol não ajuda, claro. Enquanto for como agora, em que dois dias depois de um jogo ainda me sinto maltratado, cansado e dorido, mas com exercício físico vou recuperando gradualmente, posso viver com isso.
- Se as estatísticas não mentem, só viu três cartões amarelos e nunca foi expulso. A sua intransigência já não é a mesma, ou a experiência fez com que se tornasse menos físico?
- Tive de encarar o futebol de forma um pouco diferente. É um estilo diferente. Joguei numa posição diferente. Na prática, entro num jogo não com a intenção de cortar jogadas, mas sobretudo para não me magoar. Para correr bem, suar e beber uma cerveja depois do jogo (sorrisos). Não quero dizer que não tenha havido cartões amarelos, mas o estilo do meu futebol mudou drasticamente na oitava divisão.
- O adepto eslovaco é exigente. Depois de ter sido campeão na Turquia e de ter vencido a Taça de Inglaterra, o que sente quando houve críticas vindas da bancada?
- Para ser sincero, já ouvi muita coisa. Por vezes, a minha cabeça quase pára por causa disso. Vim para a village league a pensar que queria praticar desporto, para me divertir, para promover o futebol da aldeia. Depois, chego a um sítio onde nos chamam nomes, mesmo vulgares, e depois do jogo querem tirar uma fotografia connosco... Dá para uma pessoa pensar duas vezes. Na Eslováquia, devemos respeitar, não me refiro a mim, mas no geral, as pessoas que alcançam algo, que significam algo no mundo. É triste quando descobrimos que, algures no mundo, nos respeitam mais do que na Eslováquia.
- Qual foi a crítica que mais lhe ficou na memória?
- Foram muitas. Vulgar, menos vulgar. Algumas eram engraçadas. A melhor foi quando um senhor, um pouco acima do peso, numa bicicleta, gritou e perguntou porque é que eu estava a rematar se nem sabia chutar uma bola. Acabei por bater o livre e saiu por cima da barra. Ri-me quando vi o estado dele.
"Houve momentos em que quis voltar"
- O Trnava convidou-o para integrar a estrutura do clube após o final da sua carreira. Qual é a sua posição atual?
- É difícil nomear o cargo. Recebi uma proposta do Trnava, mas ainda não respondi. Ainda não me juntei ao clube. Por outro lado, falo muitas vees com o treinador e com o presidente. Não tenho um cargo oficial no clube. Preocupo-me com o Spartak, para que a equipa possa ter bons resultados. Falo com eles quando o treinador quer o meu conselho e a minha opinião. Tenho sempre todo o gosto em falar com ele. Quer lhe chamemos consultor, embaixador... Sempre que posso, tenho todo o gosto em ajudar o clube.
- Tem também estado a trabalhar para ser treinador. Como está esse processo?
- Tenho já a licença A da UEFA. Expirou, mas estou contente por ter conseguido renová-la quando estive a estagiar no Dunajská Streda e no Spartak. Houve um seminário online. Atualmente, tenho uma licença "A" válida. Veremos. Não estou a dizer que quero ser treinador, mas se a oportunidade surgir, quero estar preparado.
- Os jogadores preferem jogar em vez de estudar. Não o desmotivou o facto de ter de voltar aos seus primórdios através de diferentes teorias?
- Percebi que a posição de treinador é completamente diferente da posição de jogador. O maior teste virá quando me candidatar à licença UEFA PRO. De momento, não estou a pensar nisso. Se fosse treinador, poderia ser adjunto ou treinador numa liga inferior ou possivelmente na formação. Veremos o que o futuro nos reserva.
- Do ponto de vista de um árbitro ou de um treinador, o futebol é diferente do que quando se é jogador. Já se conformou com o fim da sua carreira?
- Já me conformei. Claro, há momentos em que sinto imensas saudades do futebol. Admito que, não é que me arrependa, mas houve momentos em que me perguntei se de alguma forma voltaria ao futebol. Infelizmente, a minha saúde já não me permite fazer isso. Estou conformado com isso. A vida de futebolista de topo chegou ao fim. Estou apenas a olhar em frente para ver que direção vou tomar a seguir.
- Já visitou locais onde viveu muitos momentos fantásticos. O filme sobre a sua carreira, que chegará em breve aos cinemas, ajudou-o a afastar os pensamentos negativos?
- Em parte, sim. Especialmente durante as filmagens, estou contente por ter regressado aos locais onde trabalhei. Tive a oportunidade de rever muitas pessoas, colegas de equipa... Foi uma boa experiência. Estou contente por ter feito o filme. Os dias de filmagem que já passaram foram ótimos.
"A escola é a prioridade"
- A família pode desfrutar muito mais de si neste momento. O seu filho escolheu uma adrenalina ligeiramente diferente - os karts. Ainda tentou que ele escolhesse o futebol?
- Exatamente. Finalmente tenho espaço para estar com a minha família, a minha mulher e o meu filho. Perdi muito tempo longe deles ao longo da minha carreira. Estou a tentar compensar isso. O pequeno escolheu o desporto que escolheu. Apoiamo-lo totalmente, como sempre. Começou no futebol, ainda jogou ténis. Agora joga golfe e conduz karts. Tudo depende dele. Nós encorajamo-lo, sobretudo, a estudar. Além disso, ele pode ter o desporto como hobby. Veremos no futuro em que direção evoluirá a sua eventual carreira desportiva. Para nós, a escola é a prioridade. Tudo o resto é um passatempo.
- Praticamente todos os melhores pilotos de F1 começaram no karting - Hamilton, Verstappen, Leclerc... Partilha dessa mesma visão para o seu filho?
- A Fórmula 1 é muito popular entre os miúdos, eles admiram os pilotos. Têm a oportunidade de os ver na televisão ou na Internet. É um grande boom no mundo. Nós não olhamos tanto para isso. O meu filho está a correr há um ano e meio. Nota-se que está a ir bem. Neste momento, penso que está em quarto lugar na classificação da Eslováquia. Terminou em décimo sexto no Campeonato do Mundo, o que é um bom resultado. Veremos como correm as coisas a partir daqui. O karting na Eslováquia não está tão difundido como no resto do mundo. Até agora, ele está a ir bem e está a gostar.
"Klopp é o treinador certo no lugar certo"
- Recentemente, participou num jogo de lendas do Liverpool. Os adeptos vão gostar de o ver numa posição semelhante mais do que uma vez?
- Fiz dois jogos. Gostei muito. Veremos se me convidam de novo. A ideia é fazer com que o maior número possível de ex-futebolistas do Liverpool passe por lá. Se for convidado e se for possível ir, adorava repetir.
- O Liverpool teve uma temporada turbulenta. No final, por pouco não conseguiu uma vaga na Liga dos Campeões. Depois dos sucessos anteriores, esperava um ano assim?
- Quando observamos todos os clubes do mundo, todos passam por um período de menor sucesso. O Liverpool esteve no topo durante várias épocas consecutivas. Não diria que era de esperar. Mas uma coisa destas pode sempre acontecer a qualquer clube. Os jogadores e o treinador estiveram juntos durante muito tempo. De certa forma, o declínio poderia ter acontecido. E aconteceu. É por isso que acredito que, com base nas mudanças que estão a acontecer no clube, o Liverpool vai voltar ao seu lugar.
- Jürgen Klopp resistiu a todas as pressões. Qual a importância da sua presença para a continuação do sucesso do clube?
- A permanência de Jürgen é um passo lógico. Ele é o treinador certo no lugar certo. Conquistou tudo com o clube. Também é evidente que passou por épocas menos bem sucedidas. Acredito que, depois das mudanças que foram feitas e dos novos jogadores que chegaram, o clube vai melhorar. A sua posição neste processo é muito importante. Ele já provou muitas vezes, seja no Liverpool, no Mainz ou no Dortmund, que é capaz de dar a volta a uma equipa. Espero que ele possa fazer isso novamente.
"Críticas à seleção são legítimas"
- Por fim, não podemos deixar de falar da seleção, que tem sido criticada nos últimos jogos. Concorda com o que tem sido dito?
- As críticas foram, para ser sincero, muito acertadas. Exceto contra a Bósnia, as exibições não foram o que deveriam ter sido. Por outro lado, a seleção fez pontos suficientes e ficou muito mais perto da promoção. No fim de contas, a equipa está a jogar principalmente por pontos e pela promoção. Qualquer jogador dir-lhe-á que prefere ter mais pontos e jogar pior do que o contrário. A seleção da Eslováquia ainda se encontra numa fase de transição. Os resultados alcançados vão refletir-se na sua autoestima. Acredito que vão terminar a qualificação, que começaram bem, e os desempenhos também vão subir.
- As duas vitórias nos dois últimos jogos colocaram a Eslováquia numa posição decente para lutar pelo apuramento. Os próximos duelos serão sem Marek Hamsik. Conseguirá a equipa manter o nível sem ele?
- Acredito firmemente que sim. É claro que Marek é uma personalidade, não só do nosso futebol, mas também do futebol mundial. A sua presença em campo faz-se sentir. Já o disse muitas vezes e vou repetir-me. Temos de começar a olhar para a equipa sem Hamšík, Kucka, Pekarik. Sem jogadores experientes. Precisamos de outros como Lobotka, Škriniar, Duda ou Haraslín para assumir a responsabilidade. Eles têm a qualidade para se tornarem líderes da seleção. Têm de o provar também na personalidade. Espero que sejam bem sucedidos e que o futuro da seleção nacional seja brilhante.