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Exclusivo com Angelo Parisi: "A França permitiu-me realizar o sonho de ser campeão olímpico"

Angelo Parisi (esquerda) com Teddy Riner (direita) em 2007
Angelo Parisi (esquerda) com Teddy Riner (direita) em 2007AFP/Flashscore
Campeão olímpico em Moscovo em 1980, porta-bandeira da França em Los Angeles em 1984, Angelo Parisi nasceu em Itália e cresceu em Inglaterra antes de se tornar francês. Ícone do judo e lenda do desporto francês, o antigo peso-pesado falou ao Flashscore antes da abertura dos Jogos em Paris, onde não faltará à competição que terá início na Arena Champ-de-Mars, no sábado.

- Nasceu em Itália, cresceu em Inglaterra e agora é campeão olímpico pela França. É um passado bastante invulgar!

Sou de Arpino e os meus pais levaram-nos para Inglaterra quando eu tinha 8-9 meses. Quando o meu irmão mais novo nasceu, voltámos para Itália e cresci com o meu avô, os meus tios e as minhas tias durante dois anos e meio.

- Então descobriu os desportos de combate em Inglaterra? 

Tive a sorte de estudar em Inglaterra, porque fazíamos cerca de 15 horas de desporto por semana. Na altura, não tínhamos muitas férias, por isso estávamos na escola praticamente o tempo todo. Fazíamos cerca de uma ou duas horas de estudo no máximo, intercaladas com uma hora de desporto. Tínhamos tudo o que precisávamos, até uma piscina. Na verdade, fui campeão inglês de lançamento de peso e de râguebi.

- Havia uma grande aptidão para o exercício físico.

Olhando para trás, apercebo-me de que uma criança de 5-6 anos perde a concentração após a primeira hora de estudo. A sua capacidade de armazenar informação diminui com o tempo. Eu era bom no desporto e era mais fácil obter boas notas neste sistema escolar. Os ingleses perceberam que uma criança precisa de ser ativa e são muito tradicionais no que diz respeito ao desporto. E não era só desporto, também fazíamos dança e música. Assim, não tínhamos de sofrer durante o horário escolar. E é a brincar que aprendemos a conhecer o nosso corpo e a coordenarmo-nos. Por outro lado, sou contra as competições de judo antes dos 10 anos de idade. No atletismo, é possível correr e saltar, mas no judo, é preciso começar com atividades para aprender a técnica.

De principiante a cinturão negro em... 9 meses!

- Com que idade começou a praticar judo?

Pouco antes de fazer 15 anos. No início do ano letivo, tínhamos uma lista de desportos a praticar. E nesse ano, o judo estava na lista. Comecei em novembro. Assim que comecei a praticar, avancei muito depressa. Em 9 meses, ganhei o meu cinturão negro.

- Isso é fenomenal!

É inédito. Ninguém passa a cinturão preto em 9 meses. Comecei em novembro de 1967 e progredi muito rapidamente. Um mês depois, pediram-me para participar numa seleção para representar as escolas de Londres num campeonato escolar. Ganhei o meu grupo e fui selecionado para os campeonatos nacionais. A partir daí, fui enviado para um clube londrino, o Budokwai, que é o clube de artes marciais mais antigo fora do Japão (foi fundado em 1918). Eu estava a progredir e isso parecia-me normal, mas todos os outros estavam espantados.

No início de fevereiro de 1968, ganhámos o Campeonato das Escolas Inglesas. Eram sub-18, eu tinha apenas 15 anos e ganhei a alguns cinturões negros. Não fiz caso disso, mas é verdade que os venci facilmente (risos). A partir daí, passei a ir ao Budokwai duas vezes por semana, depois três vezes, e depois participei no meu primeiro torneio sénior. Era cinturão castanho em 6-7 meses de judo. Foi na Alemanha e fiquei em terceiro lugar.

No clube, disseram-me que tinha de obter o cinturão negro. Em julho, fiz a minha graduação e, na altura e como acontece no Japão, desde que se ganhasse, ficava no tapete. Fiz 10 combates seguidos, todos vencidos por Ippon e em menos de 12 minutos. Mas, para mim, era tudo natural, não estava a prestar atenção. Em vez de ter uma progressão linear, passando para cinturão negro ao fim de 5-6 anos, subi como um foguetão! No final do ano, participei nos campeonatos britânicos de juniores, que ganhei. Nos sub-18, os pesos pesados tinham mais de 86 kg. Eu tinha 90, por isso puseram-me nas Esperanças. E como não éramos muitos, passámos para os juniores, ou seja, para os sub-21. Ganhei a toda a gente.

No final, fui cinco vezes campeão europeu pela Inglaterra: uma vez na categoria sénior, três vezes na categoria júnior e uma vez na categoria de equipas. Fui selecionado para os Jogos Olímpicos de Munique em todas as categorias. Pesava 95-96kg e lutei contra adversários com mais de 120kg. Fiquei em terceiro lugar, com 19 anos.

- Mas depois dos Jogos Olímpicos de 1972, a tua vida mudou de novo!

Em 1973, fui para Avignon para uma quinzena de treinos. Foi aí que conheci a minha mulher. Um ano depois, casámos e, como ela não gostava de Inglaterra, viemos viver para França. Pedi a naturalização em 1974 e tornei-me francês no ano seguinte. Não pude participar nos Jogos Olímpicos de 1976 em Montreal porque os ingleses não concordaram. Em 1976, pude competir pela primeira vez pela França no Campeonato da Europa, que ganhei em todas as categorias.

- Que tipo de lutador era? 

Para mim, era natural competir. Nunca me senti nervoso ou assustado. No tapete, vinha para fazer o melhor judo possível para ganhar, com as técnicas mais simples. Tinha um leque de técnicas muito alargado. Além disso, trabalhava tanto com a esquerda como com a direita. Vencia os esquerdinos à esquerda e os destros à direita. Logo que comecei a lutar pela França, ganhei 6 títulos de campeão europeu, três individuais e três por equipas. Ao longo da minha carreira, participei em 17 finais europeias e ganhei 11. Com as outras 3 medalhas de bronze, são 20 no total. E isto sem contar com todos os torneios, mas utilizei-os sobretudo para descobrir o meu estado físico. De facto, nunca me preparei para um torneio. Como tinha o judo para compensar a parte física, isso permitia-me ganhar na mesma. Em Inglaterra, as pessoas diziam-me que eu era dotado. Tive uma carreira de 17 anos, o que é enorme. E ganhei 3 medalhas olímpicas pela França: ouro em Moscovo e prata, e prata em Los Angeles em 1984, onde até fui porta-bandeira.

- Como se sentiu em 1980 quando se tornou campeão olímpico pelo seu terceiro país? Nessa altura, não era comum mudar de nacionalidade. 

Não havia dinheiro no judo, por isso, se mudei de nacionalidade, não foi por isso. Fi-lo por amor à minha mulher, que estava a começar a ter um esgotamento nervoso em Inglaterra. Fui falar com a federação francesa e, como era professor de judo em Inglaterra, isso permitiu-me obter o meu diploma francês e fui trabalhador contratado na área da juventude e do desporto antes de me tornar funcionário público dez anos mais tarde. A França permitiu-me realizar o meu sonho de ser campeão olímpico, porque em Inglaterra eu era 100% amador, trabalhava com o meu pai, fazíamos gelados. Ia treinar à noite. Em França, podia treinar quase todos os dias no INSEP. É preciso lembrar que, nessa altura, os países da Europa de Leste eram profissionais. Infelizmente, os soviéticos estavam a dopar-se... mas passei por eles na mesma. Mas quando olho para os meus rivais, muitos deles já estão mortos. Dimitar Zapryanov, que venci em Moscovo, morreu há poucos dias (a 13 de julho, ndr). Era 7 anos mais novo do que eu... O doping não era tão rigorosamente controlado como é agora e permitia-lhes sair do país.

- Esta dopagem para desenvolver as capacidades físicas podia ser contrariada precisamente pelo judo? 

O meu judo era muito espetacular, muito técnico. Tinha uma guarda mista, ou seja, segurava os dois dorsais. Mas também podia fazer o backhand e a manga, consoante o adversário. Segurar os dois dorsais significava que podia ir para a esquerda ou para a direita. Tudo dependia da forma como o outro jogador se movia. Para mim, o mais importante era marcar pontos sem usar demasiada força física. O meu melhor peso para os pesos pesados era 105 kg. Os mais leves tinham no mínimo 130-135 kg! Tinha de mover os meus adversários se quisesse marcar um ippon, porque um corpo em movimento é mais fácil de atirar. Como eu estava sempre em movimento, eles tinham de me seguir. E assim que davam um passo em frente, já estavam em apuros e eu aproveitava para atacar.

- O centro de gravidade também era mais baixo.

Está tudo ligado. Os japoneses, por exemplo, têm um centro de gravidade mais baixo do que nós porque têm pernas mais curtas. Isso favorece-os... mas não me impediu de os vencer na mesma (risos). Se a técnica for correcta, ganha-se. Eu tinha confiança na minha técnica, caso contrário não teria conseguido fazer o que fiz.

"Todo o meu judo é sobre a beleza do gesto"

- Tem dois sucessores: David Douillet e Teddy Riner. Vê algumas semelhanças entre eles?

Cada um tem a sua própria maneira de fazer judo. Eu não era como David Douillet, que é um verdadeiro peso pesado. Com o treino em circuito, ganhei músculo para chegar aos 105 kg, mas era um verdadeiro peso médio. Atualmente, os pesos médios têm menos de 100 kg. No entanto, eu tinha uma facilidade para vencer os pesos pesados que mais ninguém tinha. David tinha 1,96 m de altura e pesava 120-125 kg. Era mais físico do que eu, mas tinha mais judo do que os seus adversários. Teddy Riner, com 2,04 m e 140 kg, é um verdadeiro peso-pesado, e ainda por cima musculado! Ambos se podem dar ao luxo de ser mais físicos. Não se pode compará-los comigo. Mas se tivessem o meu judo, seriam intocáveis!

- Compreende as críticas a Teddy Riner, que por vezes utiliza o seu físico à custa da falta de espetáculo?

Em todo o caso, o Teddy é física e tecnicamente melhor do que os seus adversários! Baseei todo o meu judo na beleza do gesto. Subia ao tapete para mostrar o meu judo. Se não conseguisse um knockdown ou um ippon, não ficava contente. E enfrentava adversários mais pesados e mais físicos do que eu. O mais pesado que venci foi Alexey Tyurin, um lutador soviético (que morreu em 1995, aos 40 anos) com 175 kg. Foi na final do Campeonato da Europa de 1982. Com o movimento do ombro, ele passou por cima da minha cabeça e caiu! Ninguém mais fez isso, exceto os japoneses.

- Pode dizer-se que a grande história do judo francês começou com o seu título olímpico em Moscovo?

O judo francês sempre foi forte. Remonta aos anos 60, quando campeões como Bernard Pariset, Lionel Grossain e Jacques Le Berre competiram nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964 (a sua primeira participação no programa olímpico). Grandes judocas e grandes técnicos. Nessa altura, o judo era mesmo judo.

Mesmo no meu tempo, metade dos combates eram ganhos por atletas que praticavam sambo. De facto, metade das técnicas utilizadas nas competições provêm do sambo, um estilo de luta russo que se assemelha ao judo mas é mais físico. Eu vencia-os na mesma, porque tinha uma técnica de judo que me permitia fazê-lo. Há técnicas de sambo que não devem ser usadas no judo, mas assim que os russos chegaram às competições nos Jogos Olímpicos de 64, usaram o sambo e, em vez de diferenciarem, deixaram passar e as técnicas de sambo receberam ippons. Atualmente, a maioria dos combates é ganha por judocas das antigas repúblicas de Leste que praticam sambo. Só os japoneses conseguem vencê-los com frequência.

- Quando foi porta-bandeira em Los Angeles...

(interrompe) Antes de mais, é preciso ser campeão olímpico, isso é muito importante. O CNOSF sabe como somos na vida e, para ser porta-bandeira, é preciso ser íntegro e representar bem o desporto francês, e foi por isso que fui escolhido. Eu era uma pessoa muito íntegra, nunca fiz batota numa competição e foi por isso que fui escolhido na altura.

- 1984 foi o ano do renascimento dos Jogos Olímpicos e representou a França nessa edição, que deu outra dimensão ao evento. 

Foi um grande espetáculo. Entrar num estádio com 120.000 espectadores é imenso. Quando todos entraram, havia um homem com um jetpack às costas que atravessou toda a pista como o James Bond! Foi grandioso, foi a primeira vez que demos um espetáculo a sério.

Angelo Parisi, porta-bandeira em 1984
Angelo Parisi, porta-bandeira em 1984AFP

- Quando carregava a bandeira francesa, alguma vez pensou que desde Aprino, a 3 de janeiro de 1953, até Los Angeles, a 28 de julho de 1984, tanta coisa aconteceu em apenas 31 anos? É um destino excecional. 

(risos envergonhados) É mesmo. Nasci para fazer judo.

- Quais são as suas previsões para este ano? 

Em França, temos a história mais forte com as raparigas. Em Paris, elas vão sair-se muito bem, ganhar pelo menos três medalhas de ouro, se não mais. Todas elas são capazes de subir ao pódio. Entre os homens, só vejo o Teddy no pódio. Há alguns que o podem imitar, mas o Teddy ou ganha ou sobe ao pódio. Quanto aos outros, não prevejo uma medalha para eles.