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Exclusivo Flashscore: A história do "novo Maradona" de Inglaterra que nunca existiu

Sonny Pike estava em todo o lado na década de 90
Sonny Pike estava em todo o lado na década de 90Arquivo Sonny Pike
Para quem tem uma certa idade, o nome Sonny Pike evoca as memórias da década de 1990 e de um jovem inglês feliz, com a cabeça cheia de caracóis, que, aos 13 anos, era tão bom no futebol que estava a ser incessantemente cortejado pela imprensa e pelos meios de comunicação ingleses, que lhe atribuíram a alcunha de "o novo Maradona".

Mesmo a escrever a frase agora, alguns 30 anos depois de Sonny ter chegado à consciência coletiva britânica, parece inerentemente errada e sugere o tipo de atenção que ele recebeu de forma quase diária.

Para perceber como é que este jovem com magia nas chuteiras se tornou tão famoso tão rapidamente, é importante compreender o contexto da época. A televisão por satélite estava ainda a dar os primeiros passos. Recuar e gravar programas de televisão e podcasts ainda não exisitam. A informação chegava através dos quatro principais canais ingleses - o Channel 5 só foi para o ar em 1996, da rádio e das revistas.

A capacidade de atenção e concentração era exclusiva desses meios de comunicação e Sonny Pile estava, lieralmente, em todo o lado no início e meados da década de 1990. Talvez estivesse predestinado a ser assim...

"Aos seis anos, fui para a escola primária e um amigo meu da turma gostava de futebol. O Liverpool era a melhor equipa, com o Ian Rush e o John Barnes, e nós imitávamo-los", conta em entrevista exclusiva ao Flashscore.

"Ele chutava uma pedra para o outro lado e eu controlava a pedra e atirava-a entre duas árvores que tinham uma pequena vedação de metal atrás. Muitas vezes, a pedra atravessava a vedação de metal e atingia os carros dos professores. Fazíamos os relatos como se tivéssemos jogado e eu transformei a pedra numa bola de ténis e, eventualmente, numa de futebol".

"Nunca tinha havido uma equipa de futebol na escola e estava cheia de miúdos do quinto ou sexto ano e eu estava no segundo ou terceiro. Eu era o único miúdo da minha turma na equipa. Devia ter sete ou oito anos nessa altura e todos os outros miúdos tinham 10 e 11 anos".

Sonny Pike sobre o facto de ter sido observado por olheiros
Flashscore

"Depois (alguns anos mais tarde) comecei a jogar mais futebol de formação nos campos de Enfield e havia muita gente que vinha, parava e começava a ver-me a jogar sem qualquer motivo. Muitos treinadores queriam falar comigo e, eventualmente, os jornais locais começaram a escrever pequenas coisas. Eu estava a marcar mais de 100 golos por época, enquanto outros miúdos marcavam talvez 30 golos por época".

Numa época muito anterior aos telemóveis e às redes sociais, em que os únicos influenciadores do dia-a-dia eram aqueles que tinham um talento dado por Deus, era inevitável que Sonny acabasse por ser empurrado para a ribalta. Mais ainda quando o seu pai via os sinais das libras a passar-lhe à frente dos olhos.

"Pediram-me para ir ao London Tonight (programa de televisão dos anos 90), para me filmarem, e foi a primeira vez que fui filmado. Tinha o cabelo comprido, umas botas Quasar amarelo-douradas e marquei os quatro golos. Toda a gente me chamava o rapaz das chuteiras douradas e, depois desse jogo, começaram a perguntar-me quais eram os meus jogadores preferidos e eu disse Johan Cruyff, Pelé e Maradona", continuou Sonny.

"Chamou a atenção de muita gente e, passadas umas semanas ou uns meses, o meu pai disse-me: 'Vieram pessoas dos Países Baixos que querem vir filmar-te. Mas não é só isso, há uma hipótese de quererem que vás jogar para o Ajax e para o Feyenoord'".

O jovem Sonny com Ian Wright.
O jovem Sonny com Ian Wright.Arquivo Sonny Pike

Atualmente, nos clubes de futebol de todo o mundo, existe o sistema de formação ou uma variante do mesmo. Os jovens são escolhidos muito cedo e a maioria é posta de parte. Há certamente jovens que foram dispensados e que terão histórias de terror para contar, e por várias razões, mas nenhum deles chegará perto de alcançar o nível de fama que Sonny Pike alcançou.

"Ir para os Países Baixos foi algo em grande. Na verdade, tinha o Trans World Sport a seguir-me até lá e o Blue Peter (programas de televisão). Quando lá cheguei, havia mais duas empresas neerlandesas, como se fossem a versão deles da BBC... por isso, assim que cheguei, havia literalmente câmaras a filmar no avião, a sair do avião e tudo o resto, e assim que regressei (a Inglaterra), tudo explodiu em grande escala", disse.

"Para ser sincero, talvez eu ainda fosse um pouco ingénuo, mas só queria voltar ao futebol. Quando voltei, as coisas passaram a um outro nível, mas eu não estava interessado em aparecer na televisão. Não fazia qualquer diferença para mim, porque nessa altura eu era apenas um miúdo de 12 anos".

"Estava no relvado nas finais da Taça Coca-Cola a fazer os pontapés de saída antes dos jogos, fazia anúncios do McDonald's, mandava o Paul Smith (designer de moda) fazer-me fatos, fui à sua festa de 40 ou 50 anos e comecei a receber prémios da Sky Sports... nessa altura, obviamente, a Premier League e a Sky Sports estavam a dar os primeiros passos".

"Eu era patrocinado pela Mizuno e estava a fazer coisas com o (Gianfranco) Zola e todos esses tipos, mas no início e meados dos anos 90 apenas um ou dois jogadores de uma equipa da Premier League tinham o seu próprio contrato de chuteiras. As pessoas diziam 'quem é este miúdo Sonny, está em todo o lado. É um miúdo, tem contratos, aparece na Hello", e isso estava a incomodar alguns profissionais - mas eu era apenas um miúdo a receber toda esta atenção".

Tão rapidamente como a fama chegou, desapareceu e, embora o pai de Sonny não estivesse muito satisfeito, Sonny estava grato pelas atenções se terem desviado para outro lado. O stress físico, mental e emocional a que tinha estado sujeito durante anos começou a fazer-se sentir e Sonny chegou a pensar em suicidar-se depois de um documentário intitulado "Coaching and Poaching" ter ido para o ar no Channel Four - e que acabou por não ser nada daquilo que Sonny esperava.

"Foi o ponto fulcral para mim, quando as coisas foram literalmente pelo caminho errado. O Greg Dyke, que ironicamente acabou por se tornar no diretor da Federação Inglesa de Futebol, disse-me que o documentário era sobre eu estar bem, mas obviamente que quando foi para o ar era completamente diferente... era sobre eu estar no Leyton Orient e ser contactado pelo Chelsea", acrescentou.

"Depois de ver o documentário, saí do pub (bar) e fiquei no meio da estrada principal em Edmonton, na verdade numa rotunda. Havia carros a passar à minha volta e senti que era assim que a minha cabeça estava a ficar. 'Isto é demasiado, já chega disto'".

"Um mês depois, o meu pai apareceu, e eu não o via há algumas semanas. Assim que se aproximou de mim, a primeira coisa que lhe digo, pela primeira vez, é: 'não quero continuar a fazer isto'. Ele disse-me que tinha mais trabalho para mim, mais coisas para a televisão, e eu estou literalmente prestes a aproximar-me para dizer o contrário. Ele disse: 'se não o fizeres, não tens pai'".

Sonny sobre a sua queda após o documentário
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"Durante cerca de 18 meses, as coisas ficaram muito calmas e não vi o meu pai de todo. Depois, estava a tentar voltar ao futebol, a jogar no Crystal Palace, e há uma página dupla no News of the World. Era o meu pai a falar de todos estes clubes e das coisas que tinham oferecido, e de como a sua família se tinha desmoronado. Isso aconteceu  e depois voltei a mergulhar".

"Foi quando dei por mim a andar de bicicleta e senti que podia dar por mim a saltar de uma ponte, por assim dizer. Estava farto, as minhas ambições de ser jogador de futebol tinham desaparecido por completo. Pensei: 'Sabes que mais, primeiro tenho de me resolver a mim próprio'. E foi isso que fiz".

Apesar de tudo, e daquilo que pensava ser um sonho se ter transformado em pesadelo, Sonny encontrou a força e a coragem dentro de si para lutar e resistir.

Não se ia deixar ser definido por alguns contratempos, ainda que bem fortes. Simplesmente não podia permitir que a sua depressão levasse a melhor e, devagar, mas com passos firmes, começou a recuperar a parte de si que se tinha perdido no turbilhão da "fama".

Demorou muito, muito tempo a enterrar os fantasmas do passado e a ser capaz de falar tão abertamente sobre o que tinha sido uma experiência horrível, mas à medida que cada vez mais jovens saem das academias sem qualquer ideia sobre o que fazer a seguir, Sonny está lá para oferecer um ouvido amigo e algumas palavras sucintas de conselho. Para os jogadores e os seus pais.

"Acabei por dar treinos individuais e a treinar grupos pequenos de miúdos. Na verdade, até construí o meu próprio campo de futebol de cinco e sou mentor de alguns jogadores. Falei com imensos miúdos e tenho muitos alunos em clubes".

"Falo com os pais e tento ajudar o jogador a ultrapassar esse processo, porque é óbvio que me identifico muito com a situação - a atenção e a pressão que recebem - e já passei por isso".

"Há muitos outros miúdos que chegam... um rapaz do norte foi enviado para cá e foi-lhe oferecido um contrato profissional, mas ele não quis assinar. A mãe e o pai mandaram-no vir ter comigo, só para falar comigo. Isso acontece-me muito. E depois, obviamente, todas as coisas técnicas que eu adorava fazer. É isso que ensino aos miúdos aqui, as rotações de Cruyff e todos os tipos de remates...".

"Para os pais, a primeira coisa que digo é que deixem sempre o seu filho ser o condutor e tentem sempre estabelecer objectivos a longo e a curto prazo. Não se entusiasmem demasiado de imediato. Por exemplo, em vez de agarrarem todos os contratos de patrocínio e esse tipo de coisas, entusiasmando-se com alguns pares de chuteiras ou um anúncio ou qualquer outra coisa, pensem a longo prazo e concentrem-se e promovam mais o amor pelo futebol".

Atualmente, a vida de Sonny parece ter concluído um círculo e está tudo bem com isso. Agora é motorista de taxi e até escreveu um livro: "O Melhor Futebolista que Nunca Existiu". Se fosse um romance, seria descartado como pura fantasi, mas cada palavra do livro é verdade.

Pelo menos, o "melhor futebolista que nunca existiu" ainda está entre nós para contar a história e para lançar um aviso a todos os pais que queiram explicar aos seus filhos as armadilhas que os esperam.

A história de Sonny Pike é uma história que vai ter repercussões em muitos e continua a ser tão relevante hoje como foi há 30 anos.