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José Pedro, treinador do Vitória FC: "Temos a responsabilidade de estar na Liga 3 no próximo ano"

Rodrigo Coimbra
Zé Pedro, treinador do Vitória Futebol Clube
Zé Pedro, treinador do Vitória Futebol ClubeVitória FC
72 participações no principal escalão do futebol português, a última das quais em 2019/20, e desde então uma autêntica descida ao inferno. Da Liga ao Campeonato de Portugal (CP), do CP à Liga 3 e o desejo de subir à Liga 2 a terminar com a queda ao quarto escalão. O histórico Vitória Futebol Clube, da cidade de Setúbal, está na luta por subir um degrau numa escadaria ainda longa até ao topo.

Muitos certamente recordam o Zé Pedro do Belenenses e do Vitória FC, aquele pé esquerdo fenomenal que abrilhantou e fez as delícias dos adeptos nos principais relvados portugueses durante vários anos.

O Zé Pedro, que terminou a carreira no Alcochetense, em 2013/14, continua hoje ligado ao futebol, mas com um papel diferente, o de treinador. Primeiro como principal, depois como adjunto e, agora, de volta ao papel principal, com a missão de devolver o Vitória Futebol Clube à Liga 3.

Nesta viagem pelo passado e presente em entrevista ao Flashscore, houve tempo para falar de Jorge Jesus, Rúben Amorim, Silas, Sporting e, claro, do histórico Vitória sadino.

A reflexão de Zé Pedro, treinador do Vitória FC
A reflexão de Zé Pedro, treinador do Vitória FCVitória FC/Opta by Stats Perform

"Tínhamos de assumir a responsabilidade"

- 16 vitórias, cinco empates e cinco derrotas. Que balanço faz da fase regular do Vitória FC? Satisfeito com os resultados e o rendimento da equipa?

- Muito positivo. Cumprimos o primeiro objetivo de acabar em primeiro lugar na nossa série, e isso foi conseguido a três jornadas do término desta primeira fase. Nestes três últimos jogos fizemos uma gestão que eu assumi perante o grupo que iria fazer, para ter um plantel melhor e mais disponivel para a fase de subida. Gerimos assim e estamos de consciência tranquila. Portanto, muito feliz, principalmente com o objetivo cumprido de passar em primeiro. Tínhamos de assumir essa responsabilidade.

- Sentiu que a responsabilidade era maior por estar a defender os interesses de um clube histórico?

- Sabia que ia ser difícil. Apesar de o Vitória FC ser uma das melhores equipas do campeonato, a verdade é que não era a única equipa que tinha apostado para poder lutar por esta presença na fase de subida. Eu olhei para isto da seguinte forma: tinha sido aqui jogador durante quatro anos, na Liga 2 e Liga, e ver o Vitória na Liga 3 ou no Campeonato de Portugal quase que me incomodava. E como disse, sabia da dificuldade, mas mostrei logo muita vontade em querer dar uma resposta à essência do que é representar este clube. Penso que isso tem sido bem conseguido por equipa técnica, estrutura e jogadores.

Os últimos resultados do Vitória FC
Os últimos resultados do Vitória FCFlashscore

- Notou diferenças no comportamento dos adversários nos jogos contra o Vitória FC?

- Sem dúvida. Sentíamos que isso podia acontecer e aconteceu. Mediante as análises que fomos fazendo aos nossos adversários, percebemos que os comportamentos não eram os mesmos quando jogavam contra nós. Transmiti isso ao grupo de trabalho e também por isso o campeonato foi difícil na sua generalidade. Permitiu que a equipa se preparasse bem para esta fase de subida.

- O passado ligado ao clube tornou tudo muito mais emocional?

- O lado emocional por ter vivido aqui 10 anos na minha infância, mas imperou mais o lado racional. Só assim poderíamos passar em primeiro. Lidero um grupo de homens e tenho de motivá-los de forma racional. Acho que a mensagem foi bem passada, porque o grupo deu uma boa resposta.

- O Vitória FC está longe das divisões que o Zé Pedro experienciou quando passou por cá enquanto jogador. O facto de poder ajudar o clube a reentrar nesse caminho teve algum peso na decisão de aceitar o desafio?

- O facto de ter representado o Vitória FC, de ter vivido aqui, de ter subido como jogador, da Liga 2 para a Liga, depois os três anos na primeira divisão, tudo isso pesou na minha decisão. Depois foi enquadrar o contexto em que estava o Vitória FC atualmente e as perspetivas que eu tinha para a minha carreira. No ano passado tinha descido pela B SAD, apesar dos poucos jogos, portanto era importante agarrar um projeto que fosse viável e que pudesse resultar em sucesso. Sempre identifiquei isto como uma maratona e agora vamos para o sprint final. Acho que estamos no bom caminho.

Vitória FC caiu de divisão na temporada passada
Vitória FC caiu de divisão na temporada passadaVitória FC

"Quem me dera que o contexto fosse um Vitória FC de primeira"

- São públicas as dificuldades que o Vitória FC tem atravessado nos últimos anos, mas gostava de lhe perguntar que Vitória FC é que encontra mesmo quando chega?

- As dificuldades são as que todos conhecem. Já em 2013, portanto há 11 anos, quando cá estive como jogador, existiam dificuldades. Mas sentimos que, com a reestruturação da direção, desde diretor desportivo a diretor geral, tem sido feito um esforço imenso para que as coisas nos corram da melhor maneira possível. Estas quedas naturalmente criam dificuldades na gestão de um clube desta dimensão, mas a direção tem respondido da melhor forma possível.

- O Zé Pedro passou por vários grupos de trabalho. Como descreve o plantel que tem à disposição no Vitória FC?

- Temos muitos jogadores com passagens por ligas superiores, por isso digo que temos a responsabilidade de para o próximo ano estarmos na Liga 3. Essa é a nossa grande ambição e é isso que nos motiva. Encontro aqui um grupo homógeneo, entre formação, com muitos meninos que aproveitamos e lançamos numa sequência de mais de 10 jogos, com jogadores experientes. Tentamos ser a melhor equipa possível e fomos.

Vitória FC terminou fase regular como líder da Série D do Campeonato de Portugal
Vitória FC terminou fase regular como líder da Série D do Campeonato de PortugalFlashscore

- Moncarapachense, União de Santarém e Lusitânia dos Açores. Como está a ser preparada a fase de subida?

- Fomos a melhor equipa da nossa série, apesar de não termos vencido os últimos três jogos. Agora vão defrontar-se as quatro melhores equipas e nós temos a responsabilidade do primeiro dia. Vamos disputar este sprint final na máxima força.

- Tudo o que não seja a subida de divisão será frustrante?

- Não penso de forma negativa. Se não subirmos não conseguimos o objetivo que assumimos desde a primeira hora que chegamos, mas não penso nisso. Acho que seremos nós e mais outra equipa qualquer a subir de divisão. Mas sabemos que vamos passar dificuldades, como os outros, mas queremos ser os mais fortes e garantir o quanto antes a subida. 

- Como lidou com a exigência constante por parte dos adeptos do Vitória FC, que certamente gostariam de estar na Liga ou Liga 2?

- Eu sou o treinador principal e gosto de assumir essa responsabilidade, principalmente quando as coisas não correm tão bem. Temos todos de ter a consciência que este é um Vitória FC histórico, mas um Vitória FC que está no Campeonato de Portugal, com uma descida do ano passado para este ano. Quem me dera que o contexto fosse um Vitória FC de primeira, mas é este o contexto que temos. Com a responsabilidade que temos de representar o histórico Vitória FC, vamos fazer tudo o que estiver ao alcance para daqui a dois meses estarmos a festejar a subida à Liga 3.

Zé Pedro recorda início de carreira
Zé Pedro recorda início de carreiraVitória FC

Do Alcochetense ao caos no Sporting: "Era irrecusável"

- O que não pode faltar a uma equipa do Zé Pedro?

- Ambição, coragem e pensamento positivo. Mediante o contexto, gosto que as minhas equipas sejam determinadas e que joguem também para o espetáculo. Quero muito subir de divisão com um futebol positivo. Daí também termos 46 golos marcados e 21 sofridos.

- Como é que se desenrola a sua carreira?

- Eu estava a tirar o segundo nível (de treinador) e houve a oportunidade de iniciar o meu percurso como treinador principal. Estive dois anos no Alcochetense, mas, entretanto, a direção muda e eu acabo por sair. Como fui muitos anos companheiro de quarto do Silas no Belenenses e sempre falámos na possibilidade de trabalharmos juntos mais tarde, acabo por aceitar o convite dele para irmos para o Belenenses. Não faltei à minha palavra e aceito a opção de ser adjunto depois de já ter sido principal, embora me lembre perfeitamente das palavras do Silas, a dizer que não havia principal ou adjunto. Era certo que no papel era ele o principal e eu o adjunto, mas éramos os dois os treinadores e eu tive muito voto na matéria, sobretudo nas questões defensivas. Crescemos juntos e depois fui vendo outras coisas e tomei a decisão de ser treinador principal, até porque com o 4.º nível posso trabalhar em qualquer contexto, até mesmo como selecionador nacional.

Zé Pedro trabalhou com Silas no Sporting
Zé Pedro trabalhou com Silas no SportingNurPhoto via AFP

- Como recorda as passagens por Belenenses e Sporting?

- Em relação ao Belenenses, um bocado como o Vitória FC, foi entrar numa casa, estádio e pessoas conhecidas, passando de uma realidade de uma primeira distrital para a Liga, com um bom plantel que na altura tinha o Belenenses. Depois acontece o tal desmanchar do Belenenses para B SAD, com condições totalmente diferentes. Serviu-nos também de experiência por isso, porque passamos de trabalhar em condições excelentes para condições quase lamentáveis. Acabamos por sair e ter a oportunidade de entrar num contexto de Sporting, que estava um caos, depois do ataque à Academia...

- Era irrecusável?

- Era irrecusável para qualquer treinador dizer não a um grande do nosso futebol. Foi mais uma experiência, a de viver num caos num "grande". Poucos treinadores viveram isso. E quando sentimos que não seríamos os treinadores para a próxima temporada, o Silas toma a decisão de sair e nós saímos.

Seguiu-se o Famalicão no fecho de mercado, uma experiência que serviu de exemplo do que é a luta para não descer, mas em que estivemos pouco tempo. Após uma paragem um pouco longa tivemos ainda a experiência em Chipre, num clube com o qual o Silas estava identificado, e que não correu da melhor forma, pois viemos embora à segunda jornada. Continuo sem perceber o porquê, sinceramente.

- Ficou tudo bem com o Silas?

- Sim, sim. Deixei passar o Natal e o Ano Novo para todos estarem em condições e no início do ano tivemos uma conversa cara a cara e expliquei o que queria. Já estivemos juntos noutras ocasiões, inclusive num jantar entre nós os dois e as nossas mulheres.  A situação ficou resolvida entre dois homens.

Zé Pedro regressou aos sadinos com um novo papel
Zé Pedro regressou aos sadinos com um novo papelVitória FC

"É mais fácil ser jogador"

- Que importância teve o seu passado como jogador para a carreira de treinador?

- Fundamental ter feito a minha carreira e ter-me cruzado com vários treinadores, com quem tive boas experiências e outras nem tanto. Bebi muito de todos, desde o (José) Rachão no Barreirense até ao Quim no Alcochetense. Foram todas experiências válidas para mim. Depois foi juntar isso tudo com a forma como penso o jogo e a forma como me mantenho atento às evoluções que existem no futebol..

- É mais fácil ser treinador ou jogador?

- Acho que é mais fácil ser jogador (risos).  

Zé Pedro passou vários anos no Belenenses
Zé Pedro passou vários anos no BelenensesAFP

- Porquê? 

- Porque acaba o treino e está tudo bem, e o treinador não... (risos). Se as coisas não correrem bem, é o treinador principal que assume a responsabilidade. Como jogador posso falhar um penálti amanhã, e até pode ser decisivo, mas vou ter mercado a seguir. Já o treinador vive do resultado, numa exigência enorme. Por exemplo, o campeonato parou e já estou a pensar no jogo com o União de Santarém. O jogador não... Bebe uma água depois do treino e vai aproveitar a praia, que agora até tem estado sol. Se pudesse era jogador neste momento (mais risos).

- Ainda se imagina na posição dos jogadores quando dá uma palestra?

- Muito do que digo é aquilo que eu gostaria que os meus treinadores me dissessem quando eu estava no lugar deles. Tento que a minha mensagem seja o mais clara possível e depois de fazer um resumo sobre os momentos ofensivos, defensivos e bola parada pergunto-lhes se tudo foi claro. Se foi claro, perfeito. Procuro ter essa ligação.

- E é difícil fazer a gestão com os jogadores? Como adjunto acredito que houvesse mais proximidade, mas agora...

- Para os titulares é muito fácil, não perdemos muito tempo. Mas para os suplentes e para os não convocados é mais difícil. Temos de ter essa capacidade. Mais do que um treino bonito, tenho de ter a capacidade para gerir o meu grupo de trabalho.

Vitória FC tem andado afastado dos grandes palcos
Vitória FC tem andado afastado dos grandes palcosVitória FC

Para quando um Vitória FC de regresso à Liga? "Tem de mudar muita coisa"

- Qual a mensagem que gostaria de deixar aos adeptos para esta fase decisiva da temporada?

- Acredito que vão estar connosco. São exigentes e nós gostamos dessa exigência e não fugimos a isso. O que podemos prometer é que vamos lutar até ao último segundo para garantir a subida de divisão. Esse foi o objetivo falado aquando da minha contratação e na contratação de cada jogador. Eles têm sido muito importantes nesta caminhada.

- É possível imaginar o regresso do Vitória FC à Liga?

- Tem de mudar muita coisa. Acreditamos que estamos no bom caminho, mas neste momento o Vitória FC é um clube de Campeonato de Portugal e para chegar a esse patamar terá de mudar muita coisa em muitas áreas. Não sei se serei o treinador durante todo esse processo, mas sou eu agora o treinador e estou a aproveitar ao máximo esta oportunidade para subir de divisão e colocar o Vitória FC na Liga 3. Agora para chegar à Liga ou Liga 2, até porque já lá estive, é preciso ir passo a passo. E precisamos deste passo, que é o mais importante, que é subir à Liga 3.

- O exemplo do ano passado é muito isso: falava-se em subir à Liga 2 e o clube acaba por descer ao Campeonato de Portugal...

- Esse é o melhor exemplo. Eu não estava cá, mas preparou-se a equipa a pensar na Liga 2 e não se ficou nem na Liga 3. Estamos a falar de uma diferença de duas divisões. Foi uma quebra muito dura para quem esteve cá no ano passado, por isso vamos encarar isto tudo dando um passo de cada vez.

Rúben Amorim partilhou balneário com Zé Pedro no Belenenses
Rúben Amorim partilhou balneário com Zé Pedro no BelenensesAFP

"O Rúben Amorim era brilhante no balneário"

- Entre os vários treinadores que apanhou na sua carreira, o Zé Pedro cruzou-se com o Jorge Jesus. Apanhou alguma coisa dele?

- Muito. Para mim, o (Carlos) Carvalhal e o Jorge Jesus foram são as duas maiores referências. Tive essa sorte. Do Jorge Jesus, apanhei principalmente o processo defensivo e as bolas paradas. Muitas coisas que trabalhava na altura, e que para mim faziam muito sentido, nunca tinha ouvido falar mais nenhum treinador sobre o assunto.

A forma recente do Al Hilal de Jorge Jesus
A forma recente do Al Hilal de Jorge JesusFlashscore

- Consegue perceber porque é que tem tido sucesso em vários contextos?

- Porque é muito claro e isso traz sucesso. Por isso é que está numa série de 30 e tal jogos a ganhar. Podem falar no contexto, mas a verdade é que há outras equipas boas e ele continua a ganhar. Ele consegue fazer com que os jogadores acreditem na ideia e as coisas funcionam. É o mesmo que acontece com o Guardiola. Há muita informação, mas ele é muito claro, e todos os jogadores que passam por ele dizem que ele é o melhor do mundo. Acho que o mister Jorge está dentro disso.

- Outro nome que está muito na moda é: Rúben Amorim. Ele foi seu companheiro no Belenenses, por isso o que lhe pergunto é se fica surpreendido com o nível que ele atingiu? E o que faz dele tão especial?

- Sim, o Rúben é engraçado. O Rúben era brilhante no balneário. Em termos de grupo, é daqueles jogadores que nós precisamos, pois era aquele tipo engraçado e que criava um grande ambiente no balneário. Acho que ele controla o balneário e tem o grupo com ele, e deve ser um ambiente muito bom. Depois é 3-4-3, 3-4-3 e 3-4-3. O processo é este, não há cá mudanças. Trabalha sobre o padrão, vai ganhando jogos e o jogador acredita. Deixou-me surpreendido porque não estava a ver o Rúben a assumir a área do treino, pela personalidade dele. Mas as coisas vão mudando. 

Sporting de Amorim é líder isolado da Liga
Sporting de Amorim é líder isolado da LigaFlashscore

- Acredita que ele tem a capacidade para chegar a patamares ainda mais altos?

- O Rúben tem as portas abertas para qualquer situação. O trajeto dele, desde o Casa Pia e o SC Braga, tem sido muito bom.

"Eu vou estar sempre onde quiserem que eu esteja"

- O que o Zé Pedro espera que esta experiência lhe dê em termos de carreira? Está mais convicto das suas ideias?

- A minha entradada na B SAD não foi positiva porque fui um dos quatro treinadores que desceu de divisão, mas foi positiva em termos de números. Já ninguém acreditava e ainda conseguimos ir ao play-off, com condições ainda piores do que naquela época com o Silas. Depois o Vitória acreditou em mim e foi muito positivo por isso, até pelos objetivos. Em relação ao futuro, eu quero estar onde as pessoas quiserem que eu esteja. Hoje sou melhor treinador do que no ano passado e no próximo ano será igual.

O grupo do Vitória FC na fase de subida
O grupo do Vitória FC na fase de subidaFlashscore

- Sente que a profissão de treinador se está a tornar muito competitiva?

- Sim, sim. Há muitos treinadores para poucos clubes, mas eu não estou a pensar no outro não ter sucesso para eu entrar. Olho para mim, acredito muito na minha capacidade. Não é ser vaidoso, porque se não acreditar não valia a pena ser treinador principal e continuava como adjunto. Acredito nas minhas valências e é com isso que me vou guiar.