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Análise: O divórcio da seleção mexicana com os adeptos a menos de dois anos do Mundial-2026

Francisco Espinosa García
Javier Aguirre é o selecionador do México
Javier Aguirre é o selecionador do MéxicoPhoto by ULISES RUIZ / AFP
Houve um tempo em que, na semana anterior a cada jogo internacional, o terminal de chegadas internacionais do Aeroporto Internacional Benito Juárez, na Cidade do México, se enchia de jornalista que até montavam guarda no aeroporto para esperar por cada um dos jogadores convocados para a seleção mexicana de futebol.

Foi uma época em que a seleção mexicana de futebol apresentava, em cada um dos seus jogos mais importantes, um onze inicial com jogadores que atuavam em algumas das principais ligas da Europa. E, embora as exibições fossem irregulares e, em várias ocasiões, não conseguissem impor a sua hierarquia no relvado, inspiravam entusiasmo no público.

Por isso, sabendo o que esses legionários geravam, a imprensa desportiva mexicana lutou pela melhor posição no aeroporto para conseguir o ângulo certo da chegada dos jogadores de Espanha, Alemanha, Portugal, Países Baixos e Itália. Ter uma equipa cheia de "europeus" era o orgulho do futebol nacional.

No entanto, esse sentimento patriótico há muito que se tornou uma memória fugaz que, com o peso da má situação atual, transformou-se numa nostalgia feroz e numa terrível falta de interesse pela seleção nacional. A última vez que o México apresentou um plantel com jogadores que competem ao mais alto nível europeu foi em 2017, quando El Tri enfrentou Portugal na Taça das Confederações.

O onze do México contra Portugal
O onze do México contra PortugalFlashscore

E nestes sete anos que passaram, em detrimento da paixão nacional, a seleção mexicana desperdiçou a reputação construída ao longo de 20 anos de ter um projeto sólido, em que os jogadores começaram a sair da sua zona de conforto para tentar a sua sorte no velho continente, enquanto os dirigentes se preocuparam mais em consolidar financeiramente o produto do que com o que acontece em campo. No sábado, apenas cinco dos onze jogadores mexicanos que iniciaram a partida contra a Nova Zelândia em Los Angeles atuam na Europa; nenhum joga em uma das cinco principais ligas do continente (Espanha, Inglaterra, Alemanha, França e Itália).

O último onze do México
O último onze do MéxicoFlashscore

Desconexão entre equipa e povo

Foi neste contexto adverso e desolador que Javier Aguirre, já com uma carreira consolidada em Espanha e conhecedor de todos os males da idiossincrasia do futebol mexicano, quis intervir. A contratação do "Vasco" foi a melhor decisão que a federação mexicana poderia ter tomado, já que precisava urgentemente de um para-raios depois de mais um fracasso na Copa América 2024.

No entanto, embora o estilo descontraído e jocoso de Aguirre tenha começado a encher as redes sociais e a imiprensa desportiva da seleção, a partida do último sábado provou a desconexão que existe entre os fãs fervorosos do desporto e sua seleção.

Apesar de as citações de Aguirre na conferência de imprensa se terem tornado virais no período que antecedeu o jogo, quando falou dos tempos modernos num balneário de futebol e de como vários dos jornalistas que conhece há mais de duas décadas envelheceram ou engordaram, o desprezo do público foi tão evidente quanto doloroso.

O lendário Rose Bowl, que em tantas outras ocasiões parecia lotado, sem um único espaço disponível nos seus 90 mil lugares, graças ao furor causado pela seleção mexicana, independentemente do adversário em jogo, desta vez parecia desolado, com pouco mais de 20 mil adeptos presentes numa tarde de sol californiana. Para completar o quadro deprimente, o México teve mais uma exibição dececionante contra um adversário inoperante. Nem mesmo a vantagem de 3-0 foi suficiente para apaziguar os críticos.

Foi essa desconexão gritante que foi o foco das entrevistas pós-jogo. Jornalistas, jogadores e até o próprio Aguirre falaram sobre o assunto e, pela primeira vez em muito tempo, destacaram o descontentamento dos adeptos. Numa mudança considerável de narrativa, a reclamação de Irving "Chucky" Lozano, que se queixou em rede nacional sobre as vaias dos adeptos no Estádio Azteca após uma atuação desastrosa do El Tri,  ficou para trás.

Foi Orbelín Pineda, autor do primeiro golo e jogador do AEK Atenas, quem admitiu após a partida que havia uma mensagem clara dos adeptos, de que estavam cansados de ser sempre leais, não importa o que acontecesse. O ex-jogador do Guadalajara foi direto ao dizer que a única forma de recuperar a confiança dos adeptos é melhorar e obter resultados.

Mas, sem dúvida, enquanto o furor pela falta de público era a principal notícia desportiva nacional muito antes da vitória, Javier Aguirre foi mais longe na conferência de imprensa e, por um momento, deixou de lado a troca de palavras coloquiais e conversacionais com a imprensa e optou por falar sem rodeios, como já fez tantas vezes antes.

Questionado sobre se havia uma letargia e um bloqueio mental nos jogadores da seleção nacional, depois da resposta furiosa do povo pelos últimos resultados em competições de alto nível, El Vasco não se conteve em rodeios e foi direto. "Não é palpável que este ou aquele jogador esteja num estado de espírito de três numa escala de dez, ou que de repente esteja a arrastar derrotas ou fracassos, ou maus momentos, mas isso é o meu trabalho. O meu trabalho é olhá-los nos olhos, escrutinando, questionando e entrando ali, terei de tirar conclusões, e quem não responder terá de sair".

Depois de um ciclo liderado por Jaime Lozano, em que o futebolista viveu confortavelmente nos campos de treino da Copa América, partilhando um hotel com a família e deixando de lado as exigências que Gerardo Martino impôs durante o seu mandato, Aguirre ergueu a voz da autoridade que lhe é inerente e pôs em marcha o plano de salvação de uma equipa que, em menos de dois anos, será co-anfitriã de um Campeonato do Mundo.

E, para o basco, esse aspeto deve ser suficiente para trazer à tona a autoestima de uma equipa há muito mergulhada na depressão. "O jogador de que preciso é aquele que se compromete com o facto de ser uma grande oportunidade jogar um Campeonato do Mundo em casa. Não há maior satisfação do que um Campeonato do Mundo, e o melhor é jogar em casa. É por isso que preciso de pessoas que estejam limpas daqui (apontando para a cabeça) e limpas daqui (apontando para o coração) para baixo. E estou trabalhando para isso, estou trabalhando para isso", disse Aguirre.

Os adeptos, cansados e exaustos, esperam ansiosamente que o técnico mais importante da história do futebol mexicano faça o seu trabalho.