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Cinco motivos que explicam o fiasco do Brasil desde a queda no Mundial do Catar

Josias Pereira
Seleção Brasileira foi derrotada pelo Paraguai por 1 a 0, em Assunção, no Paraguai
Seleção Brasileira foi derrotada pelo Paraguai por 1 a 0, em Assunção, no Paraguai Rafael Ribeiro/CBF
A seleção brasileira vive um dos piores momentos da história recente. Bem longe do tradicional Jogo Bonito que encantou gerações, a equipe verde e amarela, maior campeã da história do futebol mundial, tenta ajustar-se ao presente que, a cada jogo que passa, torna-se mais desafiador e, por vezes, nebuloso.

Apesar de continuar a formar grandes nomes para as principais ligas do mundo, o futebol brasileiro não tem conseguido um coletivo forte e os números mostram a crise atravessada pela Seleção desde a eliminação no último Campeonato do Mundo para a Croácia, nas grandes penalidades, nos quartos de final. 

Foram 19 jogos desde então, com seis derrotas, seis empates e apenas sete vitórias. Neste período, a Seleção ainda acumulou recordes negativos nunca antes registados, além de uma dura eliminação para o Uruguai nos quartos de final da Copa América.

Nas Eliminatórias, apenas em quinto lugar com 10 pontos, acumulou quatro jogos consecutivos sem vitórias, com três derrotas seguidas. Além disso, voltou a perder uma partida no torneio de qualificação ao fim de 37 jogos, vendo ainda um tabu de 22 anos sobre o Uruguai a ser "estraçalhado" em Montevidéu. 

Neste cenário preocupante, o Flashscore listou abaixo cinco motivos que explicam o fiasco atual da seleção brasileira: 

O conto Ancelotti 

Ednaldo Rodrigues, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), tinha um plano depois de mais uma eliminação em Mundiais e o fim de contrato de Tite. O objetivo era trazer um treinador estrangeiro e Carlo Ancelotti tornou-se a grande ambição do dirigente. Só faltou - literalmente - combinar o mesmo com o multicampeão comandante do Real Madrid

Ancelotti era o sonho de Ednaldo
Ancelotti era o sonho de EdnaldoDENIS DOYLE/GETTY IMAGES EUROPE/Getty Images via AFP

Envolvido por uma falsa promessa de que Ancelotti desembarcaria no país antes da Copa América nos Estados Unidos, respeitando o tempo de contrato com o Real Madrid, Ednaldo propôs que a Seleção tivesse um técnico interino. O escolhido foi Fernando Diniz, campeão da Libertadores com o Fluminense. 

Fernando Diniz não durou um ano na Seleção Brasileira
Fernando Diniz não durou um ano na Seleção BrasileiraWAGNER MEIER/Getty Images South America/Getty Images via AFP

Nas conferências, Ednaldo calava-se sobre Ancelotti, enquanto Diniz afirmava que era o técnico principal, sem tocar no assunto de ser um interino improvisado até que o italiano chegasse. No fim, todos sabem como essa história terminou. Ancelotti, que nunca afirmou ter dito sim ao Brasil, acabou por renovar com o Real Madrid e Diniz foi despedido do cargo para que Dorival Júnior, campeão da Taça do Brasil com o São Paulo, fosse contratado como técnico principal.

Dorival Júnior disse que o Brasil estará na final do Mundial de 2026
Dorival Júnior disse que o Brasil estará na final do Mundial de 2026Rafael Ribeiro/CBF

Um atraso de planeamento que custou caro e reflete-se no processo de procura de identidade de um plantel, que ainda não se tornou uma equipa. É um mero amontoado de talento sem direção.  

Quem é o presidente da CBF? 

No meio de todo esse tumulto, Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, ainda foi afastado do cargo em decisão judicial. Não surpreende o fato de Ancelotti ter "saltado do barco" antes mesmo que isso se tornasse algo sério. 

Aliás, o estado da Confederação Brasileira de Futebol explica muito do baixo rendimento da seleção brasileira e dos sucessivos vexames desde então. Os últimos cinco presidentes deixaram o cargo por suspeitas de irregularidades. 

Ednaldo Rodrigues (dir.) foi deposto da presidência da CBF e voltou por meio de decisão do STF
Ednaldo Rodrigues (dir.) foi deposto da presidência da CBF e voltou por meio de decisão do STFRafael Ribeiro/CBF

Ricardo Teixeira foi banido do futebol após ser acusado do recebimento de mais de 30 milhões de reais (4,8 milhões de euros) em subornos. José Maria Marin foi condenado a quatro anos de prisão após ser denunciado pela justiça dos Estados Unidos por organização criminosa e lavagem de dinheiro. 

Marco Polo del Nero foi banido pela FIFA por receber subornos em troca de acordos comerciais. Rogério Caboclo, o presidente que antecedeu Ednaldo, foi afastado depois de ser acusado de assédio sexual por uma funcionária da CBF. 

Ednaldo Rodrigues, o presidente atual, foi deposto da entidade por ter a sua eleição considerada irregular pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Voltou ao cargo no início do ano por decisão do ministro Gilmar Medes, do Superior Tribunal Federal (STF), e o caso ainda está em aberto. 

A crise também está na formação

É facto que o mercado brasileiro continua a alimentar o futebol internacional, especialmente o europeu. Grandes valores estão surgindo no país, como Endrick e Estêvão. Todavia, as seleções jovens do país estão a patinar, emulando os maus resultados da equipa principal. 

Bicampeão olímpico, o Brasil, mesmo com Endrick, foi incapaz de conquistar a qualificação para os Jogos Olímpicos de Paris. 

No Campeonato do Mundo de sub-20 do ano passado, a seleção brasileira da categoria foi eliminada por Israel nos quartos de final, sendo derrotada por 3-2. O Brasil chegou a ficar duas vezes na frente do marcador, mas não soube segurar a vantagem. 

País do futebol? 

Para os estrangeiros ainda é difícil entender a relação do povo brasileiro com a Seleção. Um relacionamento que só se vem deteriorando ao longo dos anos. Cinco títulos mundiais estão na conta. Mas o último aconteceu há 22 anos e, desde então, o povo brasileiro está muito desgostoso com o que tem visto. 

Existe uma crise de identidade, já que muitos dos talentos deixam o país muito cedo e por valores até inferiores do que foram investidos nos últimos anos. Em 2023, foram pagos 935,3 milhões de dólares por 2.375 brasileiros, 19% a menos do que foi pago pelos 1.753 negociados em 2018, segundo relatórios da FIFA.

Vinicius Junior autografa camisas de adeptos brasileiros em Curitiba
Vinicius Junior autografa camisas de adeptos brasileiros em CuritibaRafael Ribeiro/CBF

Com isso, fica difícil criar um vínculo com os atletas e até mesmo reconhecê-los como potenciais craquesda canarinha. Cada vez mais interessados nas realizações pessoais, muitos desses atletas acabam não dando liga quando se juntam e o brasileiro comum, preocupado com o estado do clube do coração nos torneios nacionais e internacionais, solta até um "graças a Deus" quando o técnico da Seleção resolve não convocar ninguém que esteja atuando no futebol brasileiro. 

É uma dinâmica cruel. Mas que reflete o grande distanciamento entre a paixão do brasileiro pelo futebol e pela Seleção, vista cada vez mais como um empecilho ou então um saudosimo barato. Isso sem contar na conotação política que a equipa acabou por despartar num país extremamente dividido. 

O brasileiro atualmente convive entre o amor e o ódio com a Seleção
O brasileiro atualmente convive entre o amor e o ódio com a SeleçãoRafael Ribeiro/CBF

E o Neymar? 

O principal craque da Seleção Brasileira é o mesmo desde 2011. Neymar responde pelos apelos do futebol brasileiro e por mais que muitos falem do seu comportamento fora do campo, a situação da Seleção sem ele é muito pior. A Neymardependência é real e o Brasil ainda não conseguiu lidar com isso - há mais de uma década. 

Adepta brasileira exibe cartaz com mensagem pedindo a volta de Neymar
Adepta brasileira exibe cartaz com mensagem pedindo a volta de NeymarWAGNER MEIER/Getty Images South America/Getty Images via AFP

Há outros talentos, como Vinicius Junior e Rodrygo, outros nomes despontando como Endrick, Estêvão, Savinho, mas nada se compara a importância de Neymar num terreno bem pobre de ideias e que, por muitas vezes, padece pela falta de iniciativa e também de assumir responsabilidades. É um Brasil mecânico, comum, sem brio e vazio. 

Brasileiros com saudades de Neymar
Brasileiros com saudades de NeymarEITAN ABRAMOVICH/AFP

Bónus: Parados no tempo 

O futebol brasileiro acreditou por muito tempo que os grandes craques conseguiriam dar jeito nas mais complicadas situações que a canarinha se colocava. E realmente as coisas eram mais simples com Romário, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Adriano, Kaká e tantos outros.

Mas o futebol mundial não é apenas individualidade, ou o um contra um, a ginga, o toque final imprevisível. Obviamente que tudo isso, em contexto geral, traz ao jogo a magia que lhe faz ser o mais popular do mundo. Mas o futebol também é coletivo e o Brasil parou no tempo neste aspecto técnico e tático. 

Não que o Brasil não seja capaz de derrotar uma seleção europeia - a bem da verdade, os últimos cinco Mundiais mostraram que isso tornou-se uma missão para lá de complicada, com o país a ser derrotado na fase a eliminar em todas as ocasiões - mas se taticamente a postura não for mudada, ficará cada vez mais difícil competir. E isso pode passar pela necessidade de ter um técnico estrangeiro no comando.

O Brasil precisa de evoluir em diversos aspetos e se desvincular de algumas arrogâncias que impedem sair do marasmo. Dorival acredita que a Seleção estará na final do Mundial de 2026. Será mesmo?