Análise: união e resiliência fazem parte do ADN de Portugal em estreia no Mundial
A seleção portuguesa parte como 'outsider' no Grupo E do Mundial, face ao favoritismo de Estados Unidos e Países Baixos, finalistas da última edição da prova, em 2019. Ou seja, Portugal não tem sobre os seus ombros a responsabilidade de passar a fase de grupos, mas não deixa de olhar para esse cenário como um objetivo exequível, muito por conta da evolução tremenda e das barreiras que tem quebrado nos últimos anos.
A entrada do selecionador Francisco Neto em 2014 marca o início de uma nova era na Seleção. O objetivo era claro: apuramento para uma fase final de uma grande competição. Dois anos volvidos, a 25 de outubro de 2016, Portugal carimbou o passaporte para o Europeu de 2017 e passou uma mensagem muito forte para dentro e para fora de que "é possível".
"Mudou-se nitidamente o ‘mindset’. Fomos competir com os melhores, conseguimos chegar a esse grupo, fomos a primeira equipa da Europa a ser Pote 4 numa qualificação e apurar-se para um Campeonato da Europa. Passámos a perceber todos que somos realmente capazes de fazer os impossíveis acontecer", admitiu o selecionador nacional.
Coerência e (muita) resiliência
A longevididade de Francisco Neto no cargo de selecionador é uma das principais armas da equipa portuguesa. O treinador natural de Mortágua (Viseu) criou um núcleo muito forte ao longo dos anos e só assim foi possível implementar um 'ADN' também ele muito particular. A grande maioria destas jogadoras que hoje marcam presença na convocatória para o Mundial acompanham o selecionador há muitos anos, conhecem-se umas às outras perfeitamente e estão completamente identificadas com as ideias.
As mudanças muito residuais nas convocatórias também se explicam por isto. Além da qualidade inegável, 95% destas jogadoras trabalham juntas em contexto de seleção há muito tempo. E quando assim é o trabalho é mais fluído e profícuo. Ana Seiça (Benfica) e Ana Rute (SC Braga) são a exceção à regra, como há sempre em todos os grupos.
O selecionador beneficia ainda da presença neste grupo de jogadoras de nomes como Fátima Pinto, Andreia Norton, Tatiana Pinto, Jéssica Silva e Diana Silva, presentes na primeira fase final alcançada por uma equipa feminina de Portugal, o Euro sub-19, em 2012, que chegam a este Mundial-2023 na melhor fase das respetivas carreiras.
Tatiana Pinto, pelo conhecimento tático que tem do jogo, e Jéssica Silva, pela imprevisibilidade e irreverência, são, neste momento, as principais referências do jogo de Portugal. A isto junta-se a capacidade física e liderança de Carole Costa, a dinâmica e garra de Ana Borges e Dolores, o fino recorte técnico de Andreia Norton e ainda a magia de Kika Nazareth, esta última a grande promessa desta nova geração.
No entanto, mais do que qualquer referência individual, a equipa das quinas vale pelo seu todo. A união é um dos pontos, se não o ponto mais forte de Portugal, a par da resiliência, numa ligação que vai para lá das quatro linhas. O emprego da palavra família assenta que nem uma luva. Só assim, juntas, conseguiram ultrapassar as 13 'batalhas' (seleção que mais jogos fez na qualificação) na caminhada de muito suor, muitas lágrimas e uma alma enorme rumo ao Campeonato do Mundo da Austrália e Nova Zelândia.
Desenho tático e debilidades
O 4-3-3 é o modelo padronizado no seio da seleção portuguesa. Ora com uma referência mais fixa na frente de ataque (Carolina Mendes ou Telma Encarnação) ou com um elemento mais móvel capaz de ligar os setores (Andreia Norton ou Kika Nazareth). Contudo, nestas últimas semanas de preparação, inclusive no encontro de preparação com a Ucrânia (2-0), foi possível assistirmos a uma mudança no sistema: 3-4-1-2.
A polivalente Ana Borges deixou o corredor e fixou-se no lado direito do eixo defensivo e as laterais, no caso Lúcia Alves na direita e Joana Marchão na esquerda, com total liberdade para explorarem os corredores. Depois, duas médias posicionais, outra com maior liberdade criativa e duas setas na frente (Diana Silva e Jéssica).
A polivalência de várias jogadoras também é um dos pontos mais fortes deste grupo liderado por Francisco Neto, que confere ao selecionador um manancial de opções, mesmo no decorrer dos jogos.
Em sentido contrário, nem tudo são virtudes, como é perfeitamente normal e natural. Face também aos adversários que vai apanhar na fase de grupos, nomeadamente os Estados Unidos e os Países Baixos, Portugal não se destaca do ponto de vista físico, não sendo essa uma característica até morfológica típica da mulher/jogadora portuguesa.
Outro momento que tem sido trabalhado, mas que foi um dos grandes problemas da equipa das quinas na mais recente participação na fase final do Euro-2022, em Inglaterra, prende-se com a questão das bolas paradas. É na sequência destes lances que Portugal tem sofrido mais golos.
Em suma, "tem que ser um Portugal extremamente organizado, fresco, com um coletivo muito forte, e ser competentes o suficiente para fazer mais do que três jogos", como defendeu Francisco Neto. É essa mentalidade que pode conseguir tornar o 'impossível' em 'possível'.
Convocatória de Portugal
Guarda-redes: Inês Pereira (1), Patrícia Morais (12) e Rute Costa (22);
Defesas: Catarina Amado (2), Lúcia Alves (3), Sílvia Rebelo (4), Joana Marchão (5), Ana Borges (9), Carole Costa (15), Ana Seiça (17) e Diana Gomes (19);
Médias: Andreia Jacinto (6), Ana Rute (7), Andreia Norton (8), Tatiana Pinto (11), Fátima Pinto (13) e Dolores Silva (14);
Avançadas: Jéssica Silva (10), Diana Silva (16), Carolina Mendes (18), Kika Nazareth (20), Ana Capeta (21) e Telma Encarnação (23).