Beijo de Rubiales põe em evidência a revolta espanhola contra o machismo do "velho mundo"
Os procuradores estão a investigar Luis Rubiales por causa do beijo que deu na boca de Hermoso durante a cerimónia de entrega de medalhas, depois de a Espanha ter ganho a final do Campeonato do Mundo de Futebol Feminino na Austrália, a 20 de agosto, mas o presidente, de 46 anos, recusou-se a demitir-se por causa do que defendeu como um "beijinho".
Jenni Hermoso, no entanto, afirmou que "em momento algum" consentiu o beijo, dizendo que a fez "sentir-se vulnerável e vítima de uma agressão".
Ines Alberdi, socióloga espanhola especialista em direitos das mulheres, afirmou que o discurso de Rubiales, no qual se recusou a demitir-se, foi "incrível" e mostrou que "não se apercebe de todo" da gravidade dos seus actos.
"O que ele estava efetivamente a dizer no seu discurso era: 'Olhem, eu não a violei'", disse Alberdi, ex-diretora executiva do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres, à AFP, descrevendo o agora suspenso dirigente do futebol como um "machista da velha guarda".
Centenas de manifestantes reuniram-se em Madrid, na segunda-feira, para exigir a demissão de Rubiales, num escândalo que fez manchetes em todo o mundo, com o The New York Times a dizer que os protestos "vieram encarnar a linha de falha geracional entre uma cultura de machismo e o progressismo mais recente".
Marina Subirats, ex-diretora do Instituto da Mulher de Espanha, que luta pela igualdade entre homens e mulheres, chamou a Rubiales um "típico machista" com o "vocabulário e os gestos que o acompanham".
Rubiales, recordou, também foi alvo de críticas por ter agarrado nas suas virilhas com as duas mãos enquanto celebrava a vitória de Espanha por 1-0 sobre a Inglaterra na final, ao lado da Rainha Letizia.
A reação em Espanha ao comportamento de Rubiales mostra que o escândalo vai definir "um antes e um depois", com o beijo a representar "o velho mundo", disse Aina Lopez, socióloga da Universidade Complutense de Madrid.
Mudança de paradigma
Em 2004, a Espanha aprovou a primeira lei europeia de combate à violência de género, que criou tribunais especiais, ofereceu apoio jurídico gratuito às vítimas e criou uma linha direta que não apareceria nas contas telefónicas dos utilizadores.
E, no ano passado, o governo reformou o código penal para definir todas as relações sexuais não consentidas como violação, em resposta ao clamor nacional e aos protestos de rua em massa provocados por uma horrível violação coletiva em 2016.
A reação ao beijo de Rubiales "obriga a sociedade a questionar-se sobre temas de menor importância que violam a dignidade das mulheres e a perguntar-se 'deve uma mulher aceitar que um homem a beije assim? Sim ou não?", acrescentou Lopez.
Embora a Espanha se tenha tornado uma referência na Europa na luta contra a violência de género, o consenso interpartidário sobre a questão foi quebrado nos últimos anos pela ascensão da extrema-direita Vox, que é abertamente anti-feminista.
"É mais fácil mudar uma lei do que uma cultura", disse à rádio pública Victoria Rosell, a principal responsável do governo pela violência de género.
No entanto, Victoria Rosell afirmou que se registou uma "mudança de paradigma" nos últimos anos no país, com as mulheres a levantarem cada vez mais a voz contra "aqueles que pensam que têm direito ao corpo das mulheres".
Subirats disse que a opinião pública estava "a mudar num país que historicamente tem sido muito machista e que está a dizer pela primeira vez: 'não, isto é inaceitável'".
"É um aviso", afirmou.
O Ministro dos Desportos, Miquel Iceta, disse que o governo estava determinado a eliminar "qualquer obstáculo" que as mulheres enfrentassem no desporto.
"Infelizmente, isto aconteceu devido a um incidente que nunca deveria ter acontecido", acrescentou na terça-feira.