O nome de Carolina Mendes está gravado na história da Seleção Nacional. Foi dela o primeiro golo de Portugal na fase final de um Campeonato da Europa, ajudando à primeira vitória na estreia da equipa das quinas na fase final da competição.

Com 115 internacionalizações, a avançada faz parte de uma geração que teve de descobrir o Mundo para fazer do futebol vida. Passou por Espanha, Itália, Rússia, Suécia e Islândia, antes de regressar a Portugal em 2018 para consolidar a sua posição como referência para as mais novas.

Ainda antes da partida para Auckland, na Nova Zelândia, Carolina Mendes conversou com o Flashscore na Cidade do Futebol, em Lisboa, para falar sobre o "sonho" que virou "realidade" para a seleção portuguesa.

“Sonhava com o Mundial desde pequena”

- Carolina, mais uma fase final, a terceira no geral e a primeira de um Mundial. É a cereja no topo do bolo de uma carreira com muitas aventuras?

- É verdade, é a cereja no topo do bolo. É um sonho de todas as jogadoras. Sonhava com isto desde pequena. Antigamente não passava de um sonho e conseguimos torná-lo realidade. Estou muito feliz por fazer parte deste grupo e estar pela primeira vez num Mundial. Estou muito ansiosa para que comece a competição.

- Apesar de ser presença habitual nas convocatórias da Seleção, como foi ouvir o seu nome?

- Estava em casa com a minha família a ver o Canal 11. Apesar de ser presença habitual e ser chamada consecutivamente, é sempre uma noticia que gostamos de receber. Teve um sabor muito especial.

- O que veio à memória?

- Os bons momentos, e foram muitos que já vivi nesta Seleção, como nós chamamos nesta nossa família, e ouvir o meu nome trouxe recordações de Europeus e de momentos que me vão marcar para o resto da minha vida.

- Mas não foram só bons momentos, também houve fases duras...

- Sim, não foi fácil. Infelizmente, há uns anos o futebol era completamente amador e isto não passava de um sonho. Agora as coisas estão diferentes, o futebol feminino em Portugal também está a crescer e isto acaba por ser reflexo do crescimento e investimento que está a ser feito no futebol feminino. Houve momentos em que tivemos de ser resilientes, mas faz parte do crescimento.

- 13 jogos nesta caminhada rumo ao Mundial. Mostrou que não há impossíveis para Portugal?

- Exatamente. Mostrou a maturidade desta Seleção, apesar de ser uma seleção bastante jovem. Foi uma caminhada muito longa e dura, mas mostrou o acreditar da nossa equipa. Acreditámos sempre, nunca duvidámos de nós próprias. Jogámos bem e merecemos estar no Mundial. Jogamos contra as melhores equipas e estamos entre as melhores do mundo. Nada nos pode deixar mais orgulhosas.

“Temos um futebol diferente de todas as seleções”

- Estão inseridas num grupo com a campeã mundial (Estados Unidos), a vice campeã (Países Baixos) e ainda o Vietname. O que se pode esperar?

- É um grupo bastante difícil. Mas se olharmos para os outros grupos também têm seleções muito fortes. Atingimos este patamar, não havia grupos fáceis, isso não existe no Mundial, e todas as seleções são fortes e competentes. Cabe-nos a nós ser também fortes e competentes. Estamos a fazer uma excelente preparação para o Mundial. 

- O que é que Portugal pode fazer neste grupo?

- Temos um futebol diferente de todas as seleções: mais técnico, menos físico. Temos os nossos pontos fortes, mas também temos as nossas debilidades como todas as outras seleções. Vamos explorar as nossas forças e minimizar os nossos pontos fracos. Vai ser muito difícil e queremos responder e estar à altura.

- O vosso grupo é muito fechado, já se conhecem todas muito bem. Essa é uma vantagem?

- Sim, claramente. Estamos muito tempo longe sem estarmos juntas, e quando estamos juntas todas as coisas saem mais facilmente. Trabalhamos juntas há muito tempo e isso torna as coisas mais fáceis para nós.

- Qual tem sido a mensagem do mister (Francisco Neto)?

- Estamos conscientes da dificuldade que vai ser o Mundial. Temos os pés bem assentes na terra e sabemos que temos de ir o melhor preparadas para fazer algo diferente. A mensagem passa por aproveitarmos o tempo até ao Mundial para estarmos o mais bem preparadas possível. Depois é fazer o que mais gostamos, que é desfrutar do nosso futebol e aproveitar algo único como é o Mundial.

“As pessoas gostam de ver o nosso futebol”

- Em 2017 a Carolina disse que as pessoas mudaram a ideia que tinham de vocês depois da qualificação para o Europeu. Seis anos depois, qual é a ideia que acha que eles têm neste momento?

- Houve claramente uma mudança. As pessoas já nos conhecem, já nos apoiam e já gostam e ver futebol feminino. Isso é muito importante. A jogadora portuguesa também vai aparecendo cada vez mais, em anúncios, por exemplo, e já há quem vá de propósito ao estádio para ver futebol feminino. Além disso, há mais meninas a quererem ser jogadoras de futebol. Acho que esse é o melhor e maior reconhecimento.

- As condições também são claramente melhores.

- A nível de Seleção estamos ao nível dos rapazes, disso não nos podemos queixar. Ao nível de clubes, infelizmente, ainda há clubes amadores. Há 3-4 clubes que dão boas condições, mas temos uma discrepância grande para as outras equipas. É um passo importante que precisa de ser dado para haver mais competitividade.

- Portanto, ainda há muito por fazer?

- Ainda há um longo caminho, é um percurso muito longo. Já abrimos caminho há uns anos, mas é um processo que não está feito. Estamos no bom caminho e esta presença no Mundial é muito importante para isso.

- A exigência também aumenta a responsabilidade, não é verdade?

- É muito bom ter este reconhecimento, mas acresce a responsabilidade. Lutámos por isto, agora cabe-nos dar a melhor resposta possível. Isso passa por praticar um bom futebol, que será muito importante para as pessoas perceberem que a jogadora portuguesa tem valor. É isso que vamos procurar mostrar em campo.

“De vez em quando é preciso dar uns 'carolos'”

- Como chega a este Mundial?

- Sinto-me bem. Trabalhei nas férias para chegar ao estágio bem fisicamente. Sabemos as dificuldades que temos pela frente e é sempre um orgulho muito grande estar aqui. Agora é dar o máximo em todos os treinos para poder crescer, para quando chegar o momento responder à altura.

(Kika Nazareth interrompe em entrevista ao chamar ao longe por Carolina Mendes, o que provoca muitos risos)

- Aproveitando esta dica, como é esta ligação com as mais novas?

- Damo-nos muito bem. De vez em quando têm de levar uns 'carolos' para aprenderem, mas são miúdas que têm muita qualidade e merecem estar aqui. Para nos é bom porque partilhamos a nossa experiência e elas percebem também que isto nem sempre foi um mar de rosas. Elas felizmente têm a vantagem de terem tudo e agora têm de continuar a abrir caminho para as gerações mais novas. Elas sabem que ainda têm um caminho longo para percorrer.

- A Carolina aproveitou uns dias de folga para ir até Estremoz, onde foi homenageada com um torneio com o seu nome. Que importância tem este tipo de reconhecimento?

- É espetacular. Foi organizado pela Câmara e pelo Clube Futebol de Estremoz e é um orgulho chegar lá e ver tantos miúdos a praticarem futebol. Este reconhecimento na minha terra, com pessoas que conheço e gosto, faz parte deste percurso e só posso ficar orgulhosa.

- Que mensagem deixou aos mais novinhos?

- Nunca deixem de sonhar e para irem sempre atrás do que gostam. Sei que e difícil, sobretudo por ser uma região do Interior, onde não há tantas equipas, e os miúdos têm tendência para deixar o futebol.

-Por fim, qual a mensagem para os portugueses?

- Esperamos que eles nos apoiem sempre. Sabemos que há uma grande diferença horária e que não é fácil irem para a Nova Zelândia, mas continuem a apoiar-nos. Contem connosco, pois vamos dar o nosso melhor.