Ligamento Cruzado Anterior: a maldição que assombra o Mundial feminino
A capitã de Inglaterra Leah Williamson, a vencedora da Bota de Ouro do Euro-2022, Beth Mead, e ainda Fran Kirby. Três pilares fundamentais da conquista europeia histórica da seleção inglesa em 2022 que falham o Campeonato do Mundo devido a problemas no ligamento cruzado anterior do joelho.
Além delas, também Janine Beckie (Canadá), Delphine Cascarino e Marie-Antoinette Katoto (França), Vivianne Miedema (Países Baixos), Catarina Macario, Mallory Swanson e Christen Press (Estados Unidos) e ainda Giulia Gwinn e Carolin Simon (Alemanha) não marcam presença no certame pelo mesmo motivo. Uma autêntica maldição!
"Todas nós sabemos que o corpo feminino é muito diferente do masculino. Mas não se trata apenas de um fator. São as instalações, os campos, o número de jogos que estamos a disputar - a quantidade de descanso é absolutamente fundamental. É tudo junto, e todos os elementos têm de estar alinhados se quisermos ter um desempenho ao mais alto nível", alertou Millie Bright, defesa do Chelsea, que vai ter a missão de envergar a braçadeira de capitã no Mundial.
Uma curiosidade é que um terço das jogadoras lesionadas no ligamento cruzado anterior atuam no Arsenal, de Inglaterra, que realizou 39 jogos na última temporada. Para Beckie, canadiana dos Portland Thorns que também padece do mesmo problema, isso seria suficiente para uma investigação.
"Se a mesma coisa acontecesse com a equipa masculina do Arsenal, provavelmente com os seus três melhores jogadores, isso deveria ser suficiente para uma avaliação: 'Porque é que isto está a acontecer? Investiguem isto'. Parece que houve um salto enorme na quantidade de casos que estão a acontecer agora. Não sei qual é a razão, mas alguém precisa de a descobrir", disse a internacional canadiana, em declarações à Reuters.
Várias teorias, mas (ainda) muitas dúvidas
Vários estudos sugerem que as mulheres têm duas a oito vezes mais probabilidades de sofrer lesões do LCA do que os homens no mesmo desporto e 25% menos probabilidades de regressar após a recuperação. Outra teoria aponta para o facto de as mulheres jogarem com botas feitas para homens. Um relatório recente revelou que 82% das jogadoras europeias inquiridas sentem desconforto ao usar chuteiras.
Há ainda estudos que apontam para as diferenças morfológicas das jogadoras e para as alterações hormonais durante os ciclos menstruais. Teorias, mais teorias, mas pouco consenso no meio científico em torno da correlação direta com o problema.
No entanto, Jackie Whittaker, professora da Faculdade de Medicina da Universidade da Colúmbia Britânica, defende que nada está provado relativamente às diferenças fisiológicas: "Não quero que as jovens ouçam a mensagem de que, 'porque estou com o período, vou rasgar o LCA ou porque as minhas ancas são um pouco mais largas, provavelmente não devo praticar o desporto'".
"Antes de começarmos a dizer que o ciclo menstrual ou a largura da anca fazem parte do risco, temos de ter a certeza absoluta de que é mesmo esse o caso", acrescentou a especialista.
Whittaker fez parte de uma equipa de investigação num estudo recente sobre a utilização de contraceptivos e os seus efeitos neste tipo de lesões ligamentares, mas a conclusão foi de que não têm qualquer tipo de influência: "Penso que parte da razão pela qual fizemos aquele estudo sobre a pílula foi porque os pais me disseram: 'Bem, o treinador da minha filha de nove anos que joga futebol pediu-lhe que tomasse a pílula para não rasgar o LCA'".
Calendário mais apertado
O aumento do número de jogos no calendário feminino, de forma a acompanhar o fenómeno no masculino, pode ser uma das causas, até porque o acesso a fisioterapia de topo e a outras técnicas de prevenção de lesões em alta competição não apresentou o mesmo padrão de crescimento no feminino.
Além disso, as raparigas não são normalmente expostas ao mesmo nível de treino de elite tão cedo como os rapazes, pelo que não desenvolveram a mesma base de força.
"Se pensarmos numa jogadora como a Marta ou a Christine Sinclair, ou em algumas jogadoras mais velhas como a Jill Scott, quando começaram, não jogavam com a frequência que jogam agora, não tinham acesso a instalações de força e condicionamento ou a treinadores (de topo). E agora é-lhes exigido que joguem com mais frequência, que façam mais treino de força, que tenham acesso a mais recursos...", anota Whitttaker.
Ainda de acordo com a professora, o financiamento para estudos sobre o desporto de elite, nomeadamente o desporto no feminino, ainda é escasso, por isso é importante que as jogadoras se preocupem com o tema e se manifestem de forma pública.
"É horrível que um número tão elevado de jogadoras de alto nível se tenha lesionado, mas, de certa forma, é uma benção, porque as pessoas que antes não prestavam atenção agora estão a prestar", atirou.