Publicidade
Publicidade
Publicidade
Mais
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Exclusivo com Francisco Neto: "Toda a gente quer saber qual é o segredo de Portugal"

Rodrigo Coimbra
Francisco Neto quer conduzir Portugal ao Euro-2025
Francisco Neto quer conduzir Portugal ao Euro-2025Jose Breton / NurPhoto / NurPhoto via AFP, Flashscore
Portugal está a quatro jogos de conseguir o apuramento para o Campeonato da Europa de 2025, a realizar na Suíça. O Azerbaijão é o adversário do primeiro play-off a duas mãos e, caso seja ultrapassado, a equipa das quinas defronta a Bielorrússia ou a Chéquia no play-off seguinte.

Acompanhe o Azerbaijão-Portugal no Flashscore

Há 10 anos era tudo um sonho. Hoje é a mais doce das realidades. A Seleção Nacional Feminina cresceu na última década ao ponto de se exigir a si própria o desígnio de ser presença assídua em fases finais de Campeonatos da Europa e/ou Mundiais.

Um trabalho "fantástico" de vários agentes - Federação Portuguesa de Futebol (FPF), clubes, associações distritais e demais entidades -, com um rosto bem vísivel: Francisco Neto, o selecionador responsável por este salto qualitativo (e quantitativo, em termos de números de participantes na modalidade em Portugal).

Natural de Mortágua, distrito de Viseu, o treinador português abraçou o desafio em 2014 de coração aberto e não esconde o orgulho por ver o respeito que Portugal conquistou entre os pares durante os últimos anos. Em vésperas do início de mais um capítulo importante da história da Seleção, Francisco Neto recebeu o Flashscore para uma entrevista exclusiva, sobre o passado, presente e futuro da equipa nacional.

Francisco Neto conta com 10 anos à frente da Seleção
Francisco Neto conta com 10 anos à frente da SeleçãoDomenic Aquilina / NurPhoto / NurPhoto via AFP

"O talento em Portugal é enorme"

- Assume o comando técnido da Seleção Nacional Feminina a 21 de fevereiro de 2014, assumindo que era um desafio "ambicioso". O contexto era bem diferente do que temos hoje. Orgulhoso do que foi feito nos últimos 10 anos?

- Sim, acho que "orgulho" é uma boa palavra, mas, acima de tudo, sinto satisfação por termos conseguido. E digo "nós" porque é um trabalho que envolveu muita gente, muitas instituições – não só a federação, mas também as associações, clubes, jogadoras, treinadores e staff. Aquilo que sinto é que tem sido um crescimento conjunto, e os resultados – a capacidade de competir da jogadora portuguesa, dos clubes portugueses e das seleções, tanto a nível interno como internacional – estão à vista. Quando me cruzo com pessoas e vou a conferências da UEFA e da FIFA, toda a gente quer saber qual é o segredo de Portugal, porque há poucos casos como este, de um país que tenha crescido tanto.

- Ainda não vimos o resultado final, pois será sempre um produto inacabado, mas começamos a ver os primeiros frutos dessa transformação. Mas para quem apanhou o comboio a meio, quais foram os primeiros desafios para organizar a casa numa vertente que não estava tão desenvolvida?

- Um dos grandes objetivos que definimos foi aumentar a nossa capacidade de competir contra equipas de topo e determinar como iríamos alcançar esse patamar. Esse é, atualmente, o maior lado visível da evolução do futebol feminino: a capacidade que tem de competir contra as melhores. Para chegar até aqui precisámos de aumentar o número de praticantes e melhorar a qualidade das mesmas. Foi necessário transformar os quadros competitivos, melhorando os contextos em que a jogadora portuguesa estava inserida, e dar-lhe a oportunidade de competir em contextos diferenciados, com o aumento do número de competições e Seleções ao nível da formação, o que permite realizar mais jogos internacionais. 

Grosso modo, era isso que pretendíamos fazer para melhorar a qualidade. Quanto à quantidade, implementámos inúmeros programas, começando na base, com o aumento das competições de base, o apoio à criação de novos clubes e a alteração de regulamentos, para que, em todo o país, haja uma oferta desportiva para qualquer menina. São pequenas medidas e vê-se, pelos números, que o crescimento do número de praticantes é maravilhoso.

Francisco Neto destaca crescimento de Portugal
Francisco Neto destaca crescimento de PortugalFPF/Opta by Stats Perform

- Hoje em dia qualquer menina, de qualquer associação, consegue sonhar em chegar ao alto nível?

- Sim, acho que, acima de tudo, as meninas podem agora olhar para o futebol feminino e ver nele uma carreira. Isso é algo que me deixa satisfeito. Obviamente, ainda é um produto inacabado; temos muito por melhorar e precisamos de crescer bastante no que toca ao profissionalismo no seu todo, para que essa carreira possa ser inteiramente feita no feminino. Mas, atualmente, penso que já existem boas condições, tanto a nível interno como no estrangeiro, com o crescente reconhecimento da jogadora portuguesa.

- As jogadoras mais jovens já conseguem ter um percurso nas seleções de base, ao passo que jogadoras como Ana Borges e Dolores Silva não tiveram essa sorte. Com isto, pergunto se as jogadoras chegam hoje à Seleção com 18/19 anos de uma forma muito diferente daquela que chegaram a Ana e a Dolores?

- É diferente, não digo que seja melhor. O caso da Ana e da Dolores, por exemplo: talvez tenham tido de amadurecer mais cedo, adquirindo uma maturidade que, aos 18-19 anos, era muito superior à de muitas das jogadoras que temos hoje. Isso também tem o seu lado positivo, mas claro que não é a ordem natural das coisas. Não devemos queimar etapas. Elas foram algumas das pioneiras, com a coragem de ir para o estrangeiro e de chegar muito cedo à Seleção. Queimaram etapas na formação futebolística, mas, graças à sua inteligência e competência, conseguiram compensar. Hoje em dia, temos jogadoras que chegam à seleção A vindas das sub-23, fazendo o percurso completo – sub-15, sub-16, sub-17, sub-18, sub-19 e sub-23 – e chegam com mais de 50 internacionalizações. Isso é muito importante, pois traz uma grande experiência internacional e faz com que estejam mais preparadas.

- Sente que o perfil da jogadora portuguesa é hoje diferente? Ou sempre teve este talento e faltava apenas o espaço e quem o orientasse?

- Sempre tivemos talento, mas o talento também precisa de um contexto para se poder mostrar e desenvolver. Acho que agora temos contextos diferentes que conseguem potenciar mais esse talento. Houve uma altura em que os nossos talentos, para se afirmarem a nível internacional, tiveram de procurar espaço no estrangeiro. Hoje, acredito que já conseguem afirmar-se dentro de Portugal e, depois, acabam por ir para o estrangeiro devido à sua afirmação internacional alcançada no próprio país. O percurso está ligeiramente diferente, mas o talento em Portugal continua a ser enorme.

Carolina Mendes marcou o primeiro golo de sempre de Portugal numa fase final de um Euro
Carolina Mendes marcou o primeiro golo de sempre de Portugal numa fase final de um EuroTOBIAS SCHWARZ / AFP

"2017 foi o momento de perceber que valia a pena investir"

- Já se falou muito que 2017 (ano da qualificação para a fase final do Campeonato da Europa) tenha sido o ponto de viragem. Sente que esse  momento foi fulcral para o que aconteceu depois?

- Acho que 2017 foi um marco, mas, talvez menos visível, 2012, com o apuramento das sub-19, e depois 2013, com as sub-17, também foram momentos muito importantes. Foi aí que se pensou: "Se calhar, há aqui algo que pode acontecer com esta geração". As de 2012 trouxeram um mindset diferente, aliado ao talento e à experiência que existia, o que nos levou ao Europeu de 2017. Juntámos essas duas coisas – a experiência, maturidade e talento das jogadoras com a ousadia e atrevimento de quem já tinha alcançado feitos – e formou-se um grupo onde o mindset foi alterado. Conseguimos fazer uma qualificação e um Campeonato da Europa muito competitivos.

- Foi também um sinal para os outros de que Portugal estava a crescer?

- Não acho que tenha sido um sinal para os outros, foi mais para nós mesmos. Foi um sinal interno, embora, felizmente, não dentro da federação, porque houve uma aposta forte desta direção, tanto por parte do presidente, Dr. Fernando Gomes, como da nossa diretora, professora Mónica Jorge. Mas para muita gente à volta do futebol feminino, que não acreditava tanto, foi o momento de perceber que valia a pena investir, que valia a pena estar neste barco das "navegadoras", e olhar para o futebol feminino de forma diferente. Conseguimos demonstrar que há muita capacidade para competir ao mais alto nível, que há talento, e que estava na hora de oferecer boas condições para que as jogadoras possam fazer o que mais gostam.

- O respeito das outras seleções foi uma das grandes conquistas deste trabalho de 10 anos?

- Acho que, ao nível das seleções, há esse respeito, e também ao nível dos clubes. Vê-se claramente na Liga dos Campeões: quando as equipas jogam contra equipas portuguesas, não fazem grandes rotações, não deixam de usar as suas melhores jogadoras. O mesmo acontece contra a Seleção portuguesa, e isso é um sinal de respeito. No entanto, o maior respeito que temos é a afirmação da jogadora portuguesa a nível internacional. Há uns anos, a maior parte da nossa exportação era para ligas menos competitivas; felizmente, já tínhamos algumas jogadoras em boas ligas, mas não muitas no top 5. Exportávamos mais para clubes que, com poucas exceções, não lutavam por títulos. Hoje, a afirmação da jogadora portuguesa faz com que ela entre em clubes que disputam as grandes ligas e a Liga dos Campeões. Essa afirmação internacional foi conquistada pelo excelente trabalho que realizam nos seus clubes e pela sua presença na Seleção Nacional.

A forma recente da Seleção Nacional
A forma recente da Seleção NacionalFlashscore

- Temos visto essa afirmação lá fora, como no caso de várias jogadoras em Espanha: Tatiana Pinto (Atlético Madrid), Inês Pereira (Deportivo), Andreia Jacinto (Real Sociedad), Kika (Barcelona), Diana Gomes (Sevilla), Sofia Silva (Valência)… Ana Seiça (Tigres), Ana Dias (Tigres) e Stephanie Ribeiro (Pumas) no México e Jéssica Silva (Gotham) nos EUA. Ainda Bruna Lourenço (Celtic) e Joana Marchão campeã no Servette… É impressionante ver tantas jogadoras com impacto muito grande no estrangeiro.

- É realmente marcante. Neste momento, elas estão a ingressar em clubes que lutam por títulos. No México, o Tigres é um dos sérios candidatos; o Gotham é o atual campeão da NWSL; o Barcelona ganhou tudo o que havia para ganhar, e o Atlético está a lutar para ficar no top 3 da Liga F. Na Suíça, a Joana Marchão foi campeã com a Inês no ano passado. A Inês no Deportivo está em transição para o campeonato inglês. Poderíamos estar a falar de muitos casos, mas não gosto de particularizar, porque posso esquecer-me alguém e ser incorreto com elas. No entanto, é o sinal da afirmação da jogadora portuguesa, tanto nos clubes como na seleção.

Quem está atento a este fenómeno percebe que a jogadora portuguesa tem talento. Temos uma grande capacidade de adaptação a qualquer país e estilo de jogo, que é uma das nossas características. Trazemos sempre coisas positivas ao jogo, como resiliência, capacidade de sofrimento e de trabalho. Tenho a certeza de que, nos próximos anos, veremos mais jogadoras a ingressar em grandes clubes. Já estamos a exportar também na formação, como por exemplo para a Roma, como a Cintia Martins, a Iara Lobo (Barcelona) e a Alice Reto (Atlético)… Mas não quero focar apenas na exportação, porque internamente também temos ótimas condições. Não quero dar a entender que o foco é levar as jogadoras para fora, porque não é. Cada jogadora deve encontrar o seu contexto, onde sinta que pode crescer, e em Portugal temos ótimos contextos. Há jogadoras que nunca saíram do país, mas que têm um nível altíssimo e nos ajudam muito.

Francisco Neto conta com um vasto leque de jogadoras à sua disposição
Francisco Neto conta com um vasto leque de jogadoras à sua disposiçãoFPF

"Ao lançar a convocatória, crias ilusões em muitas e desilusões em outras"

- Perante tanta qualidade e tantos nomes que podem integrar a Seleção, pergunto se se dorme bem no dia anterior à divulgação da convocatória? É difícil escolher só 25?

- É mais complicado do que era antes, mas faz parte do nosso caminho. Nas semanas anteriores, custa mais reunir informação, porque estamos a ver jogos até às tantas, seja in loco ou pela TV. A equipa técnica observa todos os jogos onde há jogadoras portuguesas. Preferimos ver os jogos ao vivo ou em direto, mesmo os jogos nos EUA e no México. Ontem, por exemplo, estávamos a ver jogos da CONCACAF. Depois, com critérios internos muito bem definidos, todas as jogadoras são vistas várias vezes por diferentes elementos da equipa técnica, e cruzamos os dados qualitativos, o que torna mais fácil a tomada de decisão.

Agora, enquanto selecionador, sabes que a alegria de umas é a tristeza de outras. Esse é o lado que nos custa, o lado pessoal, mas tens de conseguir afastar-te dele. Sabes que, ao lançar a convocatória, crias ilusões em muitas e desilusões em outras. No entanto, nunca é pelas pessoas, mas pelo rendimento. É difícil. Por trás da jogadora, está a pessoa. Sabes que elas querem e trabalham muito, pois vais acompanhando o seu esforço, mas não é fácil, porque não há espaço para todas. Os critérios têm de ser muito claros e lógicos, e as decisões têm de ser tomadas.

- Mas é difícil entrar neste grupo?

- Sim, é um grupo com muita experiência, com uma base sólida que, apesar de ter muitas internacionalizações, não é um grupo com muita idade. Algumas jogadoras estão na Seleção há muito tempo e apresentam nível e constância ao longo do tempo. O que procuramos fazer é abrir espaços para trazer jogadoras novas. Temos conseguido, paulatinamente, lançar e integrar essas jogadoras. O espaço das sub-23 também é muito importante para crescermos nesse aspeto. Estamos conscientes de que não é fácil entrar no grupo, mas quem entra vem para ajudar.

Francisco Neto sobre a dificuldade de fazer uma convocatória
Francisco Neto sobre a dificuldade de fazer uma convocatóriaFPF/Opta by Stats Perform

"Mudar a mentalidade de um país não é fácil"

- Já teve a oportunidade de assumir que o futuro iria ser brilhante e que ainda há espaço para crescer e melhorar. Mas o que lhe pergunto é se, mais do que o trabalho da Federação e das Associações, a bola está do lado da sociedade? Falava há uns dias em entrevista com a Mafalda Barbóz sobre a questão da mentalidade. As pessoas precisam também de querer que o feminino cresça, não?

- É uma pergunta politicamente mais difícil, mas posso falar da minha realidade e da realidade da FPF. Temos as melhores condições: onde dormimos, treinamos… temos igualdade de condições e não nos falta nada para desempenhar a nossa função. Sei que em muitos clubes é assim, noutros ainda não, mas há vontade de mudar. A FPF tem apoiado os clubes nesse processo.

Agora, é um processo longo, que demora. Mudar a mentalidade de um país não é fácil e pode levar tempo, mas não tenho dúvidas de que a nova geração de pais está a mudar isso. Tenho cinco afilhadas, e duas delas jogam futebol. O pai tem imenso orgulho nisso e acompanha-as para todo o lado. O que quero dizer é que, se antes havia muitos pais relutantes em aceitar a prática desportiva feminina, hoje em dia, vemos pelas sub-10 e sub-11, já não há esse problema. É cada vez mais normal ver uma menina com uma bola debaixo do braço.

Sinto que isso tornou-se uma normalidade; se não fosse assim, não teríamos 30 mil pessoas no Dragão ou tanta gente a apoiar a Seleção, mesmo num dérbi (Benfica-Sporting) com 20 mil pessoas. Há muitas pessoas a usar camisolas de jogadoras, e as jogadoras estão a ser reconhecidas por pais e filhas. É um percurso que estamos a fazer.

Se gostaria que tudo estivesse a acontecer a uma velocidade diferente? Claro. Mas é como uma criança a crescer: até começar a andar e a correr, leva o seu tempo. Ela vai cair algumas vezes, levantar-se e continuar a tentar. Temos de continuar a fazer o que acreditamos, e a Federação e os clubes têm feito bem isso. As mentalidades só mudam se as coisas acontecerem de forma natural, não podem ser impostas. Esse é o grande segredo do futebol feminino: as mudanças não estão a ser impostas, estão a acontecer de forma gradual e estão a ser aceites.

- Há 10 anos conseguia ver este presente. Pergunto, então, se, hoje, consegue ver que daqui a 10 anos iremos estar ao nível de seleções como EUA, Alemanha, Inglaterra ou Suécia?

- Sonho com isso e acredito na nossa capacidade. Acredito que, daqui a 10 anos, seremos muito consistentes nas fases finais, a lutar por objetivos diferentes, com essa capacidade. Mas é bom lembrar que nem as melhores do mundo conseguem ter boas prestações todos os anos, mas acredito que Portugal terá matéria-prima para o fazer e que, a nível de clubes, teremos uma liga forte, com equipas na Liga dos Campeões a lutar por boas posições.

É importante mantermos os pés assentes na terra. Estamos a crescer, mas não podemos esquecer que os outros também estão a crescer. Seria espetacular que os outros fizessem uma pausa e que nós conseguíssemos alcançá-los. Ou seja, a nossa velocidade de crescimento tem de ser ligeiramente maior do que a deles. Há países a trabalhar muito bem nesse sentido. É nesta corrida que estamos; no nosso caso, no mar, onde somos as navegadoras, e temos de ter as velas bem alinhadas ao vento para tomar boas decisões e garantir que a nossa velocidade seja maior do que a dos nossos adversários.

Adeptos portugueses apoiam a Seleção
Adeptos portugueses apoiam a SeleçãoFPF

Evolução da Liga: "Não estamos onde queremos estar, mas estamos muito melhor"

- Como tem visto a evolução da Liga Feminina?

- É um processo normal. Sabemos que não estamos onde queremos estar, mas estamos muito melhores do que estávamos há 10 anos. Quando se constrói uma competição, o processo não é linear; há anos melhores e outros nem tanto. Temos uma equipa que está a potenciar a Liga, e isso é uma grande valia da FPF, que não tem medo de olhar para a Liga e ajustar-se em função do contexto e das necessidades.

Às vezes, há decisões que nos fazem andar para a frente, outras que nos fazem avançar mais devagar. Podemos não estar a alcançar a velocidade que esperávamos, mas não entramos em pânico por causa disso e não queremos mudar tudo de um dia para o outro. As coisas têm sido bem feitas, paulatinamente. O reconhecimento da Liga está a aparecer, e temos cada vez mais jogadoras de renome internacional a querer vir para a nossa Liga, além de vermos várias jogadoras a serem exportadas para outras ligas.

Estamos a afirmar-nos no panorama internacional como uma Liga que queremos que seja cada vez mais competitiva, e acredito que essa evolução que teremos nos próximos anos vai beneficiar toda a gente: clubes e Seleção.

Francisco Neto acompanhado pelo jornalista do Flashscore
Francisco Neto acompanhado pelo jornalista do FlashscoreFlashscore

- O que lhe diz a imagem das 30 mil pessoas no Estádio do Dragão para a apresentação da equipa feminina do FC Porto?

- O reconhecimento, especialmente naquele caso muito específico, mostra que as pessoas estavam sedentas e queriam estar ligadas ao futebol feminino. Esse reconhecimento é parte da evolução normal. Os adeptos têm um papel fundamental, e sabemos que o FC Porto tem nos seus adeptos uma grande parte da sua força. O que me deixa feliz é ver um estádio cheio, independentemente do clube, com os adeptos a apoiar as suas jogadoras.

Também fico contente quando vou ao Sporting e vejo meninas mais novas com a camisola da Ana Borges, ou quando vou ao Benfica e vejo meninas a pedir autógrafos à Lúcia Alves. Da mesma forma, quando vamos a Albergaria, Vila Verde ou a Gaia, vemos sócios com camisolas e cachecóis dos próprios clubes. Acho que há uma forte identificação das pessoas com a equipa, especialmente no feminino, e isso é gratificante. Depois, há clubes que conseguem atrair mais público e outros menos, mas a identificação do adepto com a equipa, seja de que género for, é algo que se nota que tem vindo a crescer.

Selecionador passa mensagem de confiança
Selecionador passa mensagem de confiançaFPF

"É nossa responsabilidade estar no Euro-2025"

- Centremos atenção no play-off para o Euro-2025. Depois de Euro-2017, Euro-2022 e Mundial-2023, sente que ficou obrigatório marcar presença em todas as fases finais? Sente peso nos ombros para o Euro-2025?

- É imposto por nós internamente, não é imposto por mais ninguém. A partir do momento em que já estivemos lá (no Euro), sabemos como apurámos, temos um caminho bem definido e sabemos o que temos de fazer. Não podemos dizer que competimos com os EUA e que conseguimos competir com a Áustria, Noruega, França… E afirmar depois que esse não é o nosso caminho. A palavra "obrigatório" não sei o que pode significar se não conseguirmos, mas, na nossa cabeça, é o que queremos, e para isso vamos trabalhar. Se quiserem chamar obrigatório, podem colocá-lo nesse ponto.

Colocamo-nos como responsáveis. É nossa responsabilidade estar no Euro. Sabemos que temos competência para lá estar, mas respeitamos muito os adversários, que também têm competência e estão a fazer o crescimento que Portugal já fez. São equipas com as velas bem apontadas e o vento a soprar forte. Temos de estar muito atentos e agir com humildade. Estou sempre a bater nesta tecla: no primeiro apuramento, Portugal era pote 4 e foi a primeira a apurar-se. Já não há impossíveis. Temos de respeitar ao máximo todos os adversários.

Os próximos compromissos de Portugal
Os próximos compromissos de PortugalFlashscore

- O que se pode esperar do Azerbaijão

- O Azerbaijão, desde dezembro de 2021, tem tido um crescimento muito grande no ranking. É uma equipa que ainda se está a encontrar nesse sentido, mas que foi capaz de empatar com a Hungria. Embora tenham perdido depois 0-5 em casa, mostraram o seu melhor jogo na capacidade de competir, mantendo a posse de bola e com jogadoras evoluídas tecnicamente e muito rigorosas. No entanto, sofrem 2-3 golos de bola parada que desequilibram a equipa. Mesmo contra a Suíça, conseguiram criar alguns problemas e competir.

É uma equipa que se ajusta ao adversário, jogando em 4-3-3, 4-4-2 ou 3-5-2, o que é um sinal da inteligência das suas jogadoras, mantendo os mesmos princípios de jogo. É uma equipa em crescimento, com jogadoras em campeonatos competitivos, como duas no Galatasaray a competir na Liga dos Campeões, no campeonato turco e no campeonato russo. Ou seja, em ligas com um bom nível competitivo.

Por isso, será um jogo em que temos de ser, acima de tudo, humildes e focar no objetivo, que é atingir o play-off 2.

- É muito importante a segunda mão ser em casa, neste caso em Vizela?

- É importante termos o segundo jogo em casa. Sentimo-nos confortáveis com os adeptos portugueses, que nos apoiam muito, e isso ajuda-nos sempre a crescer. Mas a verdade é que, mais uma vez, temos de ser competentes nos dois jogos. Não podemos esperar ir a Baku sem querer fazer as coisas bem, pensando que em Portugal vamos resolver tudo.

Chegamos com um uma boa série de jogos sem perder, a competir e a marcar, e é isso que queremos continuar. Eram 10 finais, já ultrapassámos seis, e faltam quatro. Temos de ir jogo a jogo.

Francisco Neto aponta ao Euro-2025
Francisco Neto aponta ao Euro-2025FPF/Opta by Stats Perform

- Qual vai ser a principal preocupação na preparação deste play-off

- Andamos muitos anos a competir num contexto contra as melhores do ranking, e isso fazia com que quiséssemos assumir o jogo, que acabava por ser repartido. Mas dificilmente uma equipa do top 10 baixa linhas ou fica muito recuada durante muito tempo, abdica de ter a bola, quebra o ritmo, usa uma linha de cinco cerrada e atrasa as reposições. Andámos muito tempo nesse tipo de jogo, depois passámos para a Liga B da Liga das Nações, que tinha um contexto diferente, e tivemos alguma dificuldade (de adaptação).

Apesar dos resultados, acho que as exibições não foram sempre as melhores, porque o espaço, o padrão, a forma, a decisão e a função deste novo contexto eram diferentes. Havia um lado mais anárquico, que aliado à ansiedade em fazer as coisas bem, não deixou que tivéssemos discernimento em alguns momentos. Portanto, temos de trabalhar durante estes dias para perceber, dentro do caos que elas (Azerbaijão) podem criar no jogo, como ajudar as nossas jogadoras a tomar boas decisões e a criar situações que as façam voltar a estar confiantes e a atingir os objetivos.

Estes dias vão servir para estimular as jogadoras na tomada de decisão num contexto ligeiramente mais caótico. O Azerbaijão tem um rigor defensivo grande, mas, às vezes, transforma o jogo em algo mais emotivo, e quando há mais emoção, as jogadoras têm de usar menos o coração e mais a cabeça. Se formos demasiado ansiosos, as coisas não vão correr bem.

Francisco Neto conversa com Kika Nazareth
Francisco Neto conversa com Kika NazarethSaeed KHAN / AFP

"Tenho o privilégio de trabalhar com os melhores"

- Como descreve o ambiente na Seleção? Sente que também tem sido importante ara o sucesso?

- É uma alegria; felizmente, temos um contexto positivo. O mais importante é o respeito que existe dentro da Seleção. Se, no meio de tudo, houver um valor de respeito, tudo corre bem, e há vontade de estar e um sentido de família. Temos de cuidar uns dos outros, mesmo que nos dêmos mais com uns do que com outros. A verdade é que lidamos com emoções e pessoas; nem sempre todos estão bem dispostos ou no seu melhor emocionalmente. Mas, se as jogadoras sentirem que o ambiente é bom, ficam muito mais confortáveis. É muito bonito ver a ligação e a alegria que eles têm em estar juntas.

- De um ponto de vista mais pessoal, sente que os objetivos são muito diferentes de há 10 anos?

- Os objetivos e o que desassossega são diferentes, claro. Mas estar ao serviço do país durante 11 anos é motivo de orgulho. Não olho para a minha função como única; sou mais uma peça no puzzle. Sou a parte mais visível, mas, com toda a honestidade, quando estou naquele grupo, sinto que tenho a mesma importância que qualquer colega do staff. As percentagens podem ser diferentes, mas, no final, tudo somado faz a diferença. Infelizmente, não têm tanta visibilidade como merecem, mas tenho o privilégio de trabalhar com os melhores.

- Por fim: Como espera ser lembrado no dia em que sair do comando técnico da Seleção?

- Uma boa pessoa... Mais do que um treinador, quero ser lembrado como alguém que passou e deixou bons valores, tanto a quem trabalhou comigo como à instituição.

Entrevista de Rodrigo Coimbra, editor Flashscore Portugal
Entrevista de Rodrigo Coimbra, editor Flashscore PortugalFlashscore