Análise treinador Flashscore: A Inglaterra que jogava mal está na final e como jogou
Sem necessidade de mexer, uma vez que não tinham castigos ou lesões, os dois selecionadores iniciaram o jogo com as equipas que estariam mais próximas de vencer a partida. Os Países Baixos jogaram num 4x3x3, a Inglaterra jogou em 3x4x3.
Neste jogo contra os Países Baixos, a seleção da Inglaterra, quando em organização defensiva e fundamentalmente no setor médio, jogava com uma defesa à zona pressionante, com grande proximidade da linha defensiva, colocada, em muitos períodos do jogo – principalmente durante a primeira parte – no meio-campo. Apresentando Pickford; na cobertura da profundidade uma linha de três defesas – Walker, Mark Guehi e John Stones – procurava encurtar o espaço à sua frente, em particular o espaço nas costas de Declan Rice e de Kobbie Mainoo, que se aproximavam dos médios adversários de acordo com o lado da bola; juntamente com Harry Kane fechavam as linhas de passe no corredor central, com Bellingham e Phil Foden, vindos do corredor lateral para o corredor central, a forçarem o passe para o corredor central, e sempre que estes dois jogadores subiam, os laterais que jogaram nas suas costas, Saka e Trippier, encurtavam o espaço.
Quando no setor defensivo, a Inglaterra comportava-se como um bloco muito próximo, não deixando mais de 15 metros entre a linha defensiva – que jogou com referências de fora de jogo –, o defesa-central do lado da bola e o seu avançado.
Em organização ofensiva, na etapa de construção, é de realçar o número de vezes que os defesas-centrais da Inglaterra conseguiram passes frontais e ou diagonais, entrado no bloco dos Países Baixos quer no corredor central, quer no corredor lateral.
Os dois médios eram jogadores de apoio e de ligação em particular Declan Rice, fundamentalmente no corredor lateral esquerdo.
No corredor lateral-direito, a variabilidade posicional entre Phil Foden, Saka e ainda Walker criaram inúmeras situações de finalização. Em particular através de Phil Foden.
Nas relações de corredor, no corredor lateral-direito realçamos Bukayo Saka na largura, Phil Foden no meio espaço, e em troca posicional Foden no corredor-central, Saka no meio espaço e Walker na largura; ou ainda Saka no meio espaço e Foden em rotura interlinhas (sobrelotação da zona). Criaram sempre muito perigo, com vários remates bem direcionados.
No corredor lateral-esquerdo, com ligeira maior evidência do ataque à profundidade por Bellingham, notou-se uma maior padronização do comportamento quer de Trippier quer de Luke Shaw na largura (uma vez que eram jogadores de pé aberto).
No corredor central, é de realçar o comportamento de Harry Kane. Serviu muitas vezes de jogador de ligação e de último passe com Foden, Bellingham e Mainoo muito próximos em particular, ou a atacar o espaço deixado por ele. E recorreu à zona frontal e ao espaço deixado, na frente da linha defensiva (baixo fora da área) para chutar à baliza.
De realçar Phil Foden, que ofensivamente esteve em todo o campo, a receber em apoio no corredor central, no corredor direito, a ir na profundidade, a entrar nas costa de Harry Kane.
Na transição defensiva, os dois principais gatilhos na perda de posse de bola foram Bellingham e Foden com Mainoo e todo o bloco próximo com espaço por vezes no corredor central na frente de John Stones.
De salientar, pela negativa, a dificuldade nas bolas paradas defensivas, em concreto nos livres nos corredores laterais e cantos, principalmente na bola aberta (batida para fora). Neste instante de jogo, a Inglaterra comportou-se fundamentalmente com marcação homem a homem e foi pouco eficaz: só na segunda parte conseguiu vencer a primeira bola.
E os Países Baixos, o que procuraram fazer no jogo?
Na sua organização ofensiva, procuraram sair a jogar a quatro, com Van Dijk e De Vrij em zonas centrais; Aké e Dumfries os laterais baixos; médios mais vezes na largura apresentando Reijnders e Schouten e com profundidade e com Xavi Simons no apoio e profundidade.
Nesta etapa de construção, a seleção dos Países Baixos também tentou jogar com os laterais assimétricos e com um médio na construção no corredor lateral-esquerdo, em concreto Aké, primeiro, e Veerman, depois, mais projetados.
Quando no setor médio, os alas Malen e Gakpo, em zonas mais interiores com o ponta-de-lança Depay e depois Weghorst numa posição intermédia a servir de apoio/arrastar espaço nas costas dos defesas adversários.
Gakpo foi o jogador mais influente ofensivamente na equipa. Começando o jogo em zonas interiores, procurando atacar a profundidade. Mas quando começou a jogar em zonas exteriores (no corredor lateral esquerdo) – ou o jogo partia e ele conseguia receber a bola de frente para o seu defesa em situação de um para um, com a bola no seu pé, procurou servir os colegas mais adiantados.
Quando em organização defensiva, os Países Baixos jogavam em 1x4x1x4x1, com uma defesa à zona mista, onde a função do ponta-de-lança era fechar o espaço e linhas de passe, com a restante equipa em basculação e com grande propensão para encurtar espaço para o portador da bola ou a linha de passe seguinte.
A dinâmica do jogo, aspetos que influenciaram o jogo
Com um início de jogo cauteloso, característico de uma fase a eliminar, com duas equipas com elevada qualidade de processos e executantes, a Inglaterra entrou mais dominadora, com um jogo mais ofensivo. Mas no primeiro lance de real perigo, os Países Baixos chegaram ao golo.
Mas a Inglaterra continuou a impor o seu jogo ofensivo e consequentemente a produzir melhores lances de perigo, maior xG (golos esperados), mais posse, mais tentativas de golo, remates à baliza. Controlando e dominando a primeira parte, chegou naturalmente ao golo, através de penálti convertido por Harry Kane (nos últimos dez penáltis, bateu cinco para cada lado).
Ainda durante a primeira parte, Depay é substituído por lesão, entrando Veerman e ao intervalo, o treinador Ronald Koeman faz uma nova substituição com influência no jogo, promovendo a entrada de Weghorst. Este ponta-de-lança conseguiu explorar o espaço nas costas dos médios da Inglaterra, seja no chão, seja no ar, o que permitiu à sua seleção, quer em contra-ataque, quer em ataque posicional, e desde o seu guarda-redes ter uma linha de passe segura e vertical.
Na segunda parte o jogo tornou-se naturalmente mais pausado, com mais equilíbrios do que desequilíbrios. Mas aos 81’, a Inglaterra realizou duas alterações, em particular entrou Ollie Watkins, que ao minuto 90’, depois de um movimento na diagonal e de um primeiro toque que deixou a bola num espaço fechado, mas o mais favorável possível, realizou um remate na diagonal, no chão, ao poste distante.
Sobre o que nos diz a história
Num torneio curto com fases distintas, como é o Europeu, onde as seleções são compostas de muitos jogadores de diferentes formações, a jogarem em clubes e competições de várias latitudes, com ideias, modelos, sistemas tão diferentes, é comum e natural que, por vezes, as equipas não consigam dominar o jogo jogando em ataque posicional.
“Constatamos a existência de diferentes formas de interpretação do jogo e, como tal, de o jogar. A perceção entre o ‘jogar bem ou mal’ relaciona-se diretamente com o resultado obtido?”, escrevi em 2014 no livro “Os Jogos por Trás do Jogo”. Jogar bem é a capacidade que a equipa tem de encadear com fluidez e velocidade, os instantes, os momentos e a fase do seu jogar e por isso consequentemente vencer.
Foi do crescimento ocorrido, especialmente ao longo deste torneio, que a seleção de Inglaterra venceu, e as vitórias ou passagens nas diferentes fases e eliminatórias produziram ligação de confiança, conduzindo a jogar bem e a vencer dominando o adversário.