Análise Treinador Flashscore: O fundamental era a vitória
Recorde as incidências da partida
Para criar momentos são importantes as vitórias. Para as vitórias, é fundamental o alinhamento entre todos que compõem a Seleção, em particular os homens que jogam futebol. E foi isso que aconteceu.
Todas as seleções presentes neste Europeu estão a viver um sonho, muitos jogadores a cumprirem sonhos de criança. E no primeiro jogo, todos querem fazer deste o seu Europeu. Num grupo em há seleções com valores próximos, desejosas e com reais possibilidades de passar a fase de grupos, acentuam-se as caraterísticas da competição: quanto mais curta, maior a possibilidade de uma seleção com menor expressão no ranking UEFA poder surpreender.
Leia a crónica da partida
É importante considerar neste tipo de competição uma verdade sobre o nosso jogo: o futebol é o momento. Neste sentido, importa estudar com quem nos vamos encontrar, qual a seleção que vamos defrontar e em que momento vamos jogar podem condicionar o jogo e o desfecho final. Num início de uma competição há pontos que são ponderados com maior ou menor peso por aqueles que a estão a preparar:
- A importância do primeiro jogo. Criação de uma dinâmica de vitória na competição. Vencer. Mas à imagem de 2016, é fundamental querer melhorar a relação dos membros da equipa com base no momento de maior tensão do jogo, aquele que gera o maior elemento de coesão das equipas: a vitória.
- A afirmação de uma Seleção, que integra o melhor jogador do mundo, que alicerçou a sua carreira desportiva através da comprovação. A carreira de Ronaldo sempre foi baseada na comprovação, através de rendimento, golos, assistências, recordes.
- A transição. Uma Seleção recheada de jogadores, com jovens valores a despontar, à espreita de criarem o seu momento, grandes jogadores em grandes momentos desportivos, jogadores de elite mundial em todas as dimensões (humana, técnica, tática, estratégica, volitiva) que querem o sucesso individual pela sua Seleção.
Na preparação deste torneio, é importante a criação da dinâmica de grupo, a coesão para a tarefa, missões táticas de acordo com os nossos jogadores, as suas valências técnicas, colocar as individualidades em concordância, criar um modelo que assente e potencie as caraterísticas individuais de uma Seleção que carece de um conjunto de jogadores que joguem juntos durante a época desportiva (elemento preponderante no sucesso de qualquer equipa e também das seleções). E depois, o adversário, e os ajustes estratégicos necessários para sobrepor num jogo de cooperação e oposição. Mas fundamental, é a criação de uma dinâmica social de grupo. Como em 2016, se ouvirmos e lermos com atenção, o grupo conseguiu ajudar-se para ultrapassar grandes adversidades e o grupo foi maior que a soma das partes.
As equipas e os sistemas
Os sistemas táticos eram iguais, mas as missões, tarefas e as caraterísticas dos executantes deram vidas diferentes.
Portugal iniciou em 1x3x5x2. Diogo Costa na baliza; uma linha de três defesas com Pepe no meio, Rúben Dias à direita e Nuno Mendes como central da esquerda; João Cancelo como defesa-esquerdo, Dalot como defesa-direito; um meio-campo que jogou em 2x1 com bastante variedade posicional, com permutas na profundidade, fundamentalmente entre Bruno Fernandes e Bernardo Silva, e Vitinha a variar entre o corredor central e o corredor lateral; Rafael Leão surgiu muitas vezes na largura no lado esquerdo a criar situações de 1x1 com o lateral adversário, e na frente de ataque Cristiano Ronaldo com missões de apoio e profundidade.
Já a República Checa, jogou com Stanek na baliza; depois uma linha de três com Holes, Hranac e Krejci e com os dois laterais muito encaixados nos três centrais, assim formando uma linha de cinco defesas, sendo Doudera o lateral-esquerdo e Coufal o lateral-direito; no meio-campo três médios: Provod, Soucel e Sulic muitas vezes em linha; na frente de ataque, dois avançados Schick e Kucht, este último sendo a principal referência ofensiva no jogo direto.
Os sistemas com vida com base nas ideias
- Portugal
Na organização ofensiva, Portugal demonstrou consistência e segurança assente no ataque posicional. Na etapa de construção e criação, Portugal transmitiu a ideia de pretender atrair a pressão forçando o adversário a subir para pressionar ou descair para o lado da bola, com a intenção de depois alterar o centro de jogo, acelerando-o com gatilhos claros e bem percetíveis.
Do posicionamento às missões gerais. Na etapa de construção, a equipa saía a jogar desde o guarda-redes para os centrais, com dois médios em apoio frontal e um dos médios a cair no corredor lateral, principalmente no nosso corredor lateral-direito, onde Dalot dava largura e profundidade, empurrando o defesa-esquerdo adversário para a linha de três defesas. Por outro lado, no corredor esquerdo, Rafael Leão dava largura e profundidade criando situações de 1x1 com o lateral adversário. Cancelo aproveitava o espaço médio entre os setores defensivos e do meio-campo. Os três médios exerciam movimentos de permuta, mais regulares entre Bernardo Silva e Bruno Fernandes, com Vitinha a ser o jogador mais equilibrador e com a intenção de potenciar a sua capacidade de jogar de frente para o jogo. Na frente, Cristiano Ronaldo com movimentos de apoio para arrastar a marcação e libertar espaços ou com uma colocação na diagonal contrária da bola para fixar dois defesas centrais e libertar situações de igualdade numérica no centro de jogo.
Graças a este posicionamento, Portugal obteve diversas movimentações táticas na zona de finalização. Alguns exemplos só da 1.ª parte: Diagonais nas costas do central do lado da bola, arrastado pelo movimento de apoio de Ronaldo (rutura de Bernardo e Bruno Fernandes nas costas); remates exteriores (Bruno Fernandes, Nuno Mendes); Criação de situações de 1x1 com Rafael Leão; exploração dos meios espaços no corredor central para servir (Bernardo Silva, Bruno Fernandes); variação posicional de Nuno Mendes a atacar o espaço através de condução da bola; Rúben Dias na área do adversário (remate exterior); João Cancelo no meio espaço a vir para dentro e rematar; Ronaldo em apoio e rutura do médio de construção (Vitinha, Bernando, Bruno Fernandes); diagonais para o corredor central por parte de Rafael Leão… Tudo isto só na primeira parte do jogo e em ataque posicional.
Portugal variou e muito as formas de chegada à baliza adversária. Neste momento de jogo, na primeira parte, Portugal falhou por duas vezes o equilíbrio no momento de finalizar o processo ofensivo. Tirando essas exceções, Portugal realizou uma transição defensiva com movimentos para a frente (pressão alta em bloco).
Quando em organização defensiva, e nos poucos períodos que estiveram nesse momento do jogo, os médios procuravam pressionar no corredor central com grande compromisso e proximidade da linha defensiva, e neste âmbito Bernardo Silva apresentou energia e intensidade a comandar a pressão.
Quando o adversário conseguiu jogar no espaço nas costas dos nossos médios, e conseguiu receber de frente para a nossa linha defensiva ou ganhar a segunda bola, lateralizar, fruto da colação dos jogadores (dadas as limitações naturais que todos os sistemas táticos têm), Portugal teve dificuldade em condicionar o portador da bola e aí evitar os cruzamentos.
Na transição ofensiva havia uma clara procura da baliza adversária, através da variação de missões. Portugal procurou o golo de diferentes formas, tentando através do primeiro passe na profundidade, procurando o homem sozinho e entrada em condução, ou ataque à profundidade nas costas do espaço deixado pelo ponta de lança – tarefas em que se empenharam Rafael Leão ou Bruno Fernandes.
Relativamente às bolas paradas ofensivas, em particular os cantos, só na primeira parte Portugal tentou canto batido para fora da área, canto ao 1.º poste, canto ao 2.º poste, canto curto do lado esquerdo do ataque, canto curto com 3.º homem, canto curto com cruzamento. Houve todo um grau de riqueza, de variedade, de concertação e trabalho que os jogadores da nossa Seleção levaram para dentro do campo.
- República Checa
A República Checa jogou a maior parte do tempo em organização defensiva, com um bloco colocado no setor médio, com uma defesa mista. No setor médio, sobretudo, procuravam forçar os erros da Seleção portuguesa. Os jogadores da linha defensiva jogavam com referências de marcação ao homem, o que fazia com que os laterais estivessem muitas vezes fixos nos nossos jogadores da largura, ou os defesas centrais saíam da sua posição para fechar um jogador em linhas mais altas.
A variedade, intensidade, participação do jogo ofensivo de Portugal e as missões e tarefas defensivas dos jogadores checos, por vezes obrigava a seleção checa a posicionar-se em 1x5x5. Só uma equipa com forte sentido de pertença e solidariedade consegue fazer este jogo de concentração e abnegação, exigindo grande disponibilidade física e combatividade.
Na transição ofensiva, a República Checa conseguiu por duas vezes explorar o meio espaço na frente do defesa central, receber e rodar na frente da linha defensiva de Portugal e procurar o corredor lateral para chegar à baliza através de cruzamentos. Nessa etapa havia a clara intenção do primeiro passe ser realizado na profundidade e os médios disputarem a segunda bola.
Em organização ofensiva a equipa checa procurava sair a jogar curto, com uma saída desde o guarda-redes mais dois centrais, sendo que o terceiro, Hranac subia como médio. Procuravam atrair para descobrir o corredor lateral, ou, na maior parte das vezes, saíam direto para a referência ofensiva, o ponta de laça Kuchta, com a envolvência de um médio a atacar a profundidade e o lateral Coufal a dar largura.
Na etapa de criação e finalização, a equipa procurou chegar à baliza de Portugal através de cruzamentos. O padrão mais evidente foi a saída longa, direcionar a segunda bola para o corredor lateral, ou tirar de pressão no corredor lateral e procurando terminar o processo ofensivo através de cruzamentos.
Na transição defensiva, a República Checa procurou realizar uma pressão alta em bloco. Mas a velocidade com que a Seleção de Portugal tirava a bola da zona de pressão, muitas vezes conseguindo ligar o primeiro passe nas costas da primeira linha de pressão, fazia que a equipa checa tivesse mais que baixar e reorganizar-se do que pressionar e forçar o erro.
O espelho da vida em 45 minutos
A 2.ª parte iniciou com uma colocação mais alta do bloco defensivo da República Checa, o que dificultou durante cerca de dez minutos a primeira etapa de construção de Portugal. Neste período, Portugal jogou de forma mais direta. Por exemplo, em saída longa de Diogo Costa, o que ajudou o adversário a igualar o jogo, não nas oportunidades mas no domínio territorial, fruto das caraterísticas tanto físicas como psicológicas do adversário, promovendo um jogo em que a bola é menos fácil de dominar e jogar.
Ainda assim, Portugal criou situações de remate à baliza com variações ofensivas que ainda não tinha realizado antes. Como o movimento interior de Dalot, ou o movimento de rutura de Bernardo Silva, vindo do corredor lateral para o central, com remate exterior. Passados esses dez primeiros minutos, Portugal voltou a instalar o seu jogo posicional.
Relativamente à organização ofensiva, na segunda parte assistimos a menor variedade de comportamentos na etapa de criação e finalização. Portugal começou a jogar com maior incidência nas ações de cruzamento, com vários jogadores a procurarem assistência através de cruzamento e a audácia de colocar muitos jogadores dentro da área (cinco, seis jogadores da Seleção em zonas de finalização).
O jogo e a vida. Depois de um domínio avassalador de forte capacidade de controlar e dominar, de criar soluções sobre o comportamento adversário, numa situação padronizada da República Checa, com jogo exterior e cruzamento, fruto de um posicionamento compacto e equilibrado, surge o golo dos checos através de um remate exterior. Um golo inglório para Portugal pelo trabalho, organização e qualidade que apresentava, mas era clara a intenção e determinação da República Checa.
Intervenção dos treinadores com alteração dos jogadores, substituições. A República Checa procurou refrescar e evitar uma expulsão, não resultando em alterações muito diferentes na forma de jogar. Portugal procurou dar maior capacidade no último terço com mexidas aos 62 minutos. Contudo Portugal, a espaços, teve alguma dificuldade na etapa de construção.
Os altos e baixos depois do golo. O momento de maior probabilidade de ocorrência de um golo é nos minutos seguintes a um golo. Portugal durante um período de tempo curto, pelo mérito da República Checa, que voltou a estar mais compacta mais próxima e mais pressionante, dificultando o ataque posicional. Sempre que o jogo era direto, com duelos, Portugal sentiu dificuldades.
Portugal chegou ao golo. Fruto da insistência no jogo exterior e sobrelotação das zonas de finalização, com seis jogadores portugueses na área da República Checa, o autogolo apareceu, mas Ronaldo estava na sobra.
Depois do golo, Portugal voltou a tomar conta do jogo. Apoiado no método de jogo ofensivo/contra-ataque, de forma direta com a primeira bola longa, disputando a segunda bola e cruzamento, principalmente do lado de Nuno Mendes – que depois das substituições passou a jogar como lateral com missões mais ofensivas.
Defensivamente, a República Checa tentou subir novamente o bloco, pressionando mais alto e dificultado a capacidade de construção de Portugal. A título de exemplo, entre o minuto 74 até ao 76, Portugal não conseguiu jogar de forma apoiada, teve de procurar o jogo direto, não conseguindo ligar o primeiro passe, apresentando dificuldades nos duelos. Passado este período, a cadência de ações ofensivas, ainda que com menor variabilidade, levou à marcação de um golo, através de Diogo Jota, vindo novamente de cruzamento com cabeceamento de Cristiano Ronaldo, que estava fora de jogo.
Nova alteração de jogadores. A República Checa procurou refrescar, não resultando em alterações muito diferentes na forma de jogar. Portugal procurou dar maior capacidade no último terço, mas só voltou a mexer em cima do minuto 90, colocando Pedro Neto, Francisco Conceição e Nélson Semedo.
O jogo ganhou história e ganhou vida o futebol. Os jogadores acabados de entrar assumiram a posse de bola, Pedro Neto na lateral esquerda, numa situação de 1x1 trava e dribla o adversário, entra em condução e cruza rasteiro. Na área, Francisco Conceição faz uma permuta com Cristiano Ronaldo e aproveita uma segunda bola que ressalta da tentativa de corte do defesa central. Tocou na bola uma vez e fez golo. Portugal tinha, nesta altura, seis jogadores dentro da área adversária.
Para a história fica o resultado: Portugal, 2 - República Checa, 1
Para nós fica esta certeza: Muito mais do que tático e estratégico, o jogo é movido por pessoas com uma crença enorme. Numa partida em que Portugal teve 70% de posse de bola, utilizou uma variedade alargada de estratégias para chegar ao golo, obteve uma grande disciplina e consistência de todos os jogadores envolvidos.
Portugal jogou com grande qualidade, sofreu um golo num dos dois lances de perigo do adversário, expondo a dificuldade natural num jogo mais direto, finalizado com ações exteriores. Foi necessário acreditar e nunca desistir.
Mas um autogolo e uma escorregadela de um defesa central, do mesmo defesa central, mudaram a história do jogo. Para além da qualidade e organização, da crença e da persistência, do talento e da organização, do trabalho e da determinação, em todos os jogos há lances que mudam o resultado e a história dos vencedores e dos vencidos. Portugal mereceu, mereceu muito, mas teve um ponta de sorte. Aquela sorte que protege os audazes.
Para a história, resumida, fica o que é mais importante: Portugal venceu e convenceu. Mas sofreu. E apareceu um dos próximos grandes valores da nossa Seleção: Francisco Conceição. Teve estrela e muito mérito para decidir um jogo com um toque na bola.