Análise Treinador Flashscore: O jogo foi ganho a jogar e pelo jogar
O histórico na competição
Ao longo do Europeu, a seleção da Espanha teve um conjunto de comportamentos variáveis na sua produção ofensiva comprovada pelos dados estatísticos. Nos jogos da fase de grupos a seleção espanhola, à exceção do jogo com a Croácia, teve sempre maior XG (probabilidade de ocorrência de golo), maior número de tentativas de golo (exceto no jogo contra a Croácia), mais cantos, mais posse de bola (exceto no jogo contra a Croácia). Contudo, também teve mais defesas do seu guarda-redes (menos no jogo contra a Croácia). Nos jogos a eliminar teve duas caras: Contra a Geórgia dominou em todos os dados, contra a seleção alemã teve novamente menos cruzamentos para golo, menos tentativas de golo, mas mais remates à baliza. Entre todos os jogos realizados, apenas no jogo contra a Alemanha a Espanha cometeu menos faltas do que o adversário.
Por seu lado, a França nos jogos da fase de grupos teve em todos os jogos maior XG, maior número de tentativas de golo, mais posse de bola (exceto no jogo contra a Áustria), também teve menos defesas dos seu guarda-redes e menos faltas realizadas. Nos jogos a eliminar teve duas caras, contra a Bélgica dominou em todos os dados, contra Portugal teve pela única vez na competição menor XG e menor posse de bola. Em todos os jogos realizados apenas nos jogos contra a Seleção portuguesa, a França cometeu mais faltas do que o adversário e apenas no jogo contra a seleção belga o seu guarda-redes fez mais defesas que o guarda-redes da equipa adversária.
Da análise dos dados e da observação e análise dos jogos, conferimos uma seleção da Espanha que demonstrou ter uma equipa que conseguia dar aos jogos diferentes formas de jogar, os seus jogadores percebem o jogo e as suas especificidades, em concreto no momento ofensivo. Por outro lado, uma seleção francesa que procurou jogar da forma similar que considerava servir melhor os jogadores e a equipa.
O jogo e o jogar: Um olhar pelos momentos dinâmicos
Quando a seleção espanhola estava em organização ofensiva na etapa de construção, no setor defensivo e no setor médio, tendencialmente saiu a jogar guarda-redes + 2 + 2, com dois defesas-centrais como referência da construção ofensiva, Nacho e Laporte, com Rodri e Ruiz como ligação curta na saída, os laterais Cucurella e Navas a serem os jogadores da largura, com os alas a jogarem nas meias Williams e Yamal e com Dani Olmo a ser a principal referência na ligação no corredor central com Morata, o ponta-de-lança.
Nesta etapa do jogo, a seleção francesa, que estava em organização defensiva, procurava condicionar o ataque de Espanha para um corredor lateral (inviting pressing) com Kolo Muani a procurar condicionar a saída da bola para um corredor lateral, estando Kanté (ou Rabiot) mais alto a fechar a linha de passe de Rodri, com Dembélé e Mbappé com referência mista ao homem quando a bola estava no seu corredor e à zona quando estava no corredor lateral contrário. Tchouaméni tinha como referência Dani Olmo, Saliba e Upamecano dividiam espaço e homem com Morata e os laterais Hernández e Koundé com referência central em zonas interiores dos alas espanhóis.
Para contrariar a pressão da França, a seleção espanhola utilizou as seguintes estratégias: colocação de Fabián Ruiz no corredor lateral-esquerdo, mas fundamentalmente o movimento de Rodri de afastamento do centro de jogo e a superioridade dos dois defesas-centrais, permitiu que várias vezes a condução de um dos defesas-centrais desbloqueasse a primeira etapa de organização defensiva da França. Na etapa de criação da seleção espanhola, duas variações muito evidentes: no corredor lateral-esquerdo, Cucurella na largura e Williams na zona mais interior, ou Williams na largura e Ruiz no ataque à profundidade. No corredor lateral-direito, Yamal por dentro com Navas na largura e/ou Dani Olmo em diagonais, fundamentalmente no corredor central. Nesta etapa, onde a seleção francesa procurava virar a criação, comportava-se fundamentalmente à zona com duas linhas de quatro jogadores, com Kanté, algumas vezes na linha média, sendo o quinto elemento, e com Kolo Muani como principal referência do jogo ofensivo.
Na transição defensiva, a seleção espanhola teve dificuldades, algumas vezes pela falta de equilíbrio, fruto da mobilidade de Rodri (ainda assim determinante neste momento na pressão, na reorganização defensiva, nas coberturas defensivas, nos duelos e nas recuperações da posse da bola) para libertar espaços, outras vezes pela distância dos defesas-centrais para Kolo Muani (provavelmente propositado) fundamentalmente pela velocidade com que a seleção francesa retirava a bola de pressão, preferencialmente na profundidade, procurando Kolo Muani em apoio e Mbappé nas suas costas, ou retirando a bola do centro de jogo e iniciando de seguida o ataque à profundidade.
Na organização defensiva da seleção espanhola no seu setor ofensivo, procurava condicionar a saída de bola da seleção francesa colocando Morata e Dani Olmo entre os defesas-centrais e o guarda-redes francês, com Ruiz e Rodri a condicionarem Tchouaméni e Rabiot. Nesta etapa de construção, a seleção francesa procurou Tchouaméni, que jogou tendencialmente próximo do defesa central Upamecano, sendo Tchouaméni o principal elemento na construção da seleção francesa, apresentando uma rede de passes muito forte e evidente entre estes três homens, juntamente com o seu guarda-redes.
A seleção francesa, muitas vezes saiu a jogar a quatro, com os laterais baixos e outras vezes a três, com Tchouaméni a entrar na linha dos dois defesas-centrais. Na etapa de criação a seleção francesa suportou muito o seu jogo nas situações de corredor lateral com Mbappé, mas fundamentalmente com Dembélé na criação de situações de finalização do processo ofensivo, depois de uma situação de drible ou condução em velocidade. Na etapa de finalização, a seleção francesa primou por um jogo de corredores laterais, mas com poucos jogadores colocados na área.
Na transição ofensiva, a seleção espanhola variou o método de jogo ofensivo, mas quando podia contra-atacar explorava Nico Williams na profundidade.
O jogo
Neste jogo valia a pena olhar para o histórico na competição. Um início dividido, com a Espanha a ter a primeira situação de perigo, procurando impor um ataque posicional e a França a explorar os contra-ataques sempre vertical. A seleção francesa adiantou-se no marcador com ação de um para um de Mbappé e com um movimento de Kolo Muani nas costas do defesa central distante e sem a cobertura do lateral-esquerdo da Espanha.
Nos minutos seguintes ao golo, e fruto das dificuldades expostas na transição defensiva, a seleção gaulesa esteve mais próxima do segundo golo. Mas fruto do uma situação de contra pressão, num ressalto e não remate fora da área, a Espanha empatou (que golo).
Em quatro minutos a seleção espanhola deu a volta ao jogo (pela segunda vez este europeu). Olhando a estatística, ligando com o jogo na primeira parte, a seleção espanhola controlou e dominou em todos os aspetos. Na segunda parte a seleção francesa foi muito mais objetiva na procura do golo da igualdade aumentado a XG e as tentativas de golo. E a seleção espanhola, através do aumento da posse de bola para 60%, mas uma posse fundamentalmente lateralizada e com uma tentativa de golo durante os 45 minutos finais.
E como jogaram as equipas? A seleção espanhola procurou controlar o jogo, recorrendo a uma etapa de construção onde procurava a superioridade e a segurança no controle do espaço e nas ações sobre a bola. Na etapa de construção, quando saía curto, por vezes Rodri jogava mais baixo próximo dos defesas-centrais (estando mais baixo ajudava a recuperar mais bolas na transição defensiva) e ia em apoio para atrair Kanté para a bola, para de seguida ele ou outro médio receberem a bola nas costas de Kanté e de frente para a linha média da seleção francesa, no corredor central. Ao longo da segunda parte, foi claro o aumento da intervenção do guarda-redes da Espanha, Unai Simon, mais vezes chamado a intervir com os pés e muitas vezes sendo ele o jogador que acelerava o jogo na etapa de construção. Em organização defensiva e no setor médio e defensivo, é de realçar, na seleção espanhola, o grande compromisso defensivo de todos os jogadores, com os 11 a defenderem tendencialmente num quarto de campo.
As substituições
A seleção espanhola alterou jogadores, mas não alterou as missões. A seleção francesa alterou jogadores e comportamentos, principalmente com a saída de Kanté, jogador preponderante nas missões defensivas, na tentativa de forçar o erro na seleção espanhola. Mas em missões ofensivas desacelerou várias vezes, jogando para trás e para o lado, entrando para o jogo Griezmann, a seleção francesa perdeu a capacidade de pressionar com Mbappé e Griezmann no corredor central, aproveitando a Espanha para prolongar a posse de bola. Mas quando tinha a bola, a seleção francesa tornou-se mais vertical e com mais jogadores a chegaram às zonas de finalização. Ao minuto 79 com a entrada de Olivier Giroud, a França alterou o sistema para 1x4x4x2, procurando criar e criando situações de um para um de Mbappé.
Sobre o jogo
A seleção francesa termina a sua participação neste Europeu com o maior índice de XG em todos os jogos… à exceção no jogo contra Portugal. XG é a qualidade de uma oportunidade calculada à probabilidade de ser marcada, usando informações semelhantes de remates no passado. A Espanha viveu no presente, conseguiu ter a força para virar outo resultado negativo, dando ao jogo o que o jogo pedia.