Destaques do dia 12 do Euro-2024: Futebol violino, penáltis com história e muito soninho
Futebol violino
Longe vão os tempos em que a Áustria encantou o mundo do futebol com a sua Wunderteam liderada pelo inigualável Papierene (homem de papel, em tradução livre), Matthias Sindelar, roubado dos relvados pelo regime nazi que o enviou para os campos de concentração quando recusou a jogar pela Alemanha.
Na década de 1930, Hugo Meisl tinha transformado os austríacos numa máquina demolidora assente no ataque e na velocidade, predecessor do Futebol Total neerlandês, antes da tragédia que os deixou apenas com uma Taça Internacional (atual Europeu) no palmarés, em 1932.
Quase um século depois, é justo dizer que Ralf Rangnick se inspirou nos melhores pergaminhos do país quando assumiu o comando técnico ao suceder a Franco Foda (sim, é sugestivo), que caiu no acesso ao Mundial-2022 perante o País de Gales. Apesar de um arranque prometedor com um 0-3 aplicado em casa da Croácia, seguiu-se uma descida ao inferno com quatro derrotas e um empate no Grupo A da Liga das Nações da 2022.
Mas a paciência é uma virtude... Desde então, em 19 jogos disputados (incluindo de preparação) somou 14 vitórias, três empates e duas derrotas, uma com a Bélgica, outra com a França, na jornada inaugural do Euro, graças a um autogolo infeliz de Wober. Apesar da entrada em falso, a orquestra comandada por Rangnick levantou-se dos escombros, pegou no violino e deu espetáculo contra a Polónia (1-3) e os Países Baixos (2-3, leia aqui a crónica) para roubar a liderança do Grupo D.
Com um estilo de jogo que parece recordar a Wunderteam e que nos faz saudade daquilo que nunca se viveu (parafraseando Neymar), esta Áustria vertical e coletiva só surpreende quem estiver desatento e terá uma grande probabilidade de passar aos quartos de final, já que vai defrontar o 2.º classificado do Grupo F, ou seja, do grupo de Portugal. Do que já vi até agora, só a Turquia poderá ter argumentos para travar os 11 violinistas que tocam em memória de Sindelar, o Mozart do futebol.
Maré laranja naufragou o bote de Veerman
É talvez justo dizer que os adeptos neerlandeses estão a vencer a batalha fora das quatro linhas com o espetáculo dado antes dos jogos (em igualdade com os portugueses, vá), já dentro de campo... meh. Longe de a considerar uma candidata ao título, a verdade é que esta Laranja (pouco) Mecânica tem individualidades de grande nível, principalmente na defesa, além dos desconcertantes Xavi Simmons, Depay e Gakpo.
O apoio é de tal forma impactante que certamente deverá causar alguma pressão aos jogadores, só assim se poderá explicar a terrível exibição de Veerman. Depois de andar com a mão onde não devia (assunto já abordado nos destaques do dia 3), Koemann teve mesmo de emendar a mão ao retirar o médio do PSV com apenas 35 minutos jogados.
Leia aqui a análise à exibição de Veerman
É uma péssima sensação para qualquer jogador, mais ainda quando um compatriota e ídolo como o saudoso Rafael van der Vaart diz em direto: "Sinto-me mal pelo Joey Veerman. Fiquei feliz que fosse substituído porque realmente tornou-se muito triste vê-lo a jogar".
Se o jogador já estava no banco a chorar, imagino quando chegar ao balneário e for às redes sociais. Mas, enfim, todos nós temos dias assim, ainda me lembro quando apontei a Dinamarca como possível surpresa do Mundial-2022 e eles caíram com apenas um ponto num grupo com França... Tunísia e Austrália. Olhem, é a Veedan.
Penáltis com história
O França-Polónia apresentava-se como um jogo bem aborrecido perante uma favorita já apurada e uma desilusão já eliminada, mas afinal vai-se a ver e teve muitos motivos de interesse, a começar pela primeira titularidade de Lewandowski na prova e o regresso de Mbappé. Ambos, separados por 10 anos no bilhete de identidade, estão unidos na arte de marcar golos e bater recordes e esta terça-feira, juntos, fizeram história. Mas já lá vamos.
Curiosamente, nenhum dos dois bateu individualmente um recorde no jogo, mas atingiram registos assinaláveis e fizeram-no da mesma forma. Ora, para Mbappé a coisa é mais simples, já que o penálti que converteu aos 56 minutos foi a primeira vez que marcou num Europeu. Insólito que só o tenha feito aos 25 anos.
Por seu lado, o remate custoso, mas certeiro da marca dos 11 metros do polaco, além de ser um justíssimo tributo no - aparente - adeus aos grandes palcos internacionais de um dos melhores avançados deste século, ajudou-o a sustentar esse rótulo. Lewandowski tornou-se apenas no terceiro jogador a marcar em quatro Europeus diferentes.
Quer adivinhar quem foram os outros dois? Um deles está numa categoria própria, já que marcou em cinco edições diferentes (dica: é português e diz SIIIIUUUU). O outro tornou-se na segunda-feira o jogador mais velho a marcar na competição, um tal de Luka Modric que, tal como Lewa, teve uma despedida inglória. Mas quanto a este último recorde, espera aí que o Tininho já te apanha.
Caaaalma que prometi história e não me esqueci! O que tiveram em comum os golos de Mbappé e Lewandowski no empate entre Polónia e França (leia aqui a crónica)? Ora, é que pela primeira vez desde o Euro-1992, o ponto conquistado pelos polacos significa que todas as equipas na competição conseguiram pontuar. Um feito notável, tendo em conta que a edição sueca só contou com 8 equipas na fase final e esta contou com 24 formações.
There's only one Fernando Santos
Já aqui tinha escrito sobre este pseudo-candidato Inglaterra e os motivos que me fazem desconfiar de Southgate como homem de sucesso. Se no final desse primeiro jogo ainda haveria tempo para me fazer mudar de ideias, terminada a fase de grupos estou cada vez mais convencido do que escrevi.
O seleccionador inglês parece estar convencido de que a melhor forma para ganhar este Europeu é imitar o que fez Fernando Santos com Portugal, em 2016, apostando no conservadorismo e na fé. Só que ao contrário do antigo seleccionador português, este não tem qualquer carisma, nem a equipa tem a garra para superar-se em momentos mais apertados.
À entrada para esta última jornada, os Três Leões já tinham garantida a passagem aos oitavos de final, o que poderia dar um espaço de manobra para alterações e corrigir o que quer que fosse que estivesse errado, ao mesmo tempo que poderia dar moral e confiança a jogadores mais que capazes que estavam no banco.
Em vez disso, optou apenas por retirar Trent Alexander-Arnold e colocar Connor Gallagher, como se o problema fosse esse. A opção foi tão boa que Mainoo entrou ao intervalo para o lugar de Gallagher e o nível até melhorou, mas continuava insípido.
Cole Palmer, a revelação e melhor jogador jovem da Premier League, voltou a sentar-se no banco depois de não somar qualquer minuto nos dois primeiros jogos. A prova de confiança que recebeu foram 20 minutinhos para tentar trazer inspiração a quem não gosta de arte. O resultado? Mais um empate (0-0, leia aqui a crónica) bem desinspirado e deu soninho, não só aos adeptos neutros, mas aos próprios ingleses.
Como escreveu o meu colega César, da redação espanhola do Flashscore, vai um longo caminho desde inventar o futebol até desonrá-lo. Caso para dizer que Southgate não tem unhas para tocar esta guitarra portuguesa e no final acabou brindado à boa moda inglesa.
O estranho caso esloveno
Num dia tão caótico e imprevisível como o de hoje - confesso que fiquei à espera por indicações da UEFA para perceber afinal como é que ficariam as contas dos terceiros classificados -, toda esta confusão acabou com pelo menos um beneficiado: a Eslovénia.
A formação de Oblak, Sesko e companhia confirmou a primeira passagem a uma fase final de um grande torneio pela primeira vez na sua história e fê-lo com a estatística curiosa de não ter vencido qualquer jogo.