Destaques do dia 3 do Euro-2024: Domingo sangrento, a Fénix dinamarquesa e o pseudo-candidato
Sunday bloody sunday
Não há outra forma de começar este texto, até porque o dia começou em sobressalto. Já tínhamos referido que a segurança era uma prioridade da organização alemã do torneio, mas não há como impedir certos episódios.
Ao início do dia, um homem foi abatido pela polícia em Hamburgo depois de ameaçar os agentes com uma picareta e um engenho explosivo. A resposta foi imediata, as forças policiais rapidamente restabeleceram a ordem e comunicaram o que se tinha passado. Segundo a imprensa alemã, trata-se de um homem alemão de 39 anos, que está no hospital e não corre perigo de vida.
Mais tarde, a sudoeste, em Gelsenkirchen, foi a vez de adeptos albaneses, ingleses e sérvios se envolverem em violentos confrontos. Nem a cerveja vendida com um volume alcóolico mais baixo ajudou. Tal como em todas as outras ocasiões, fica-se sem perceber qual é o objetivo destas batalhas campais que em nada ajudam as equipas envolvidas, muito menos a imagem dos respetivos países. E nem o álcool serve de desculpa.
Além dos acima mencionados, houve ainda 50 adeptos italianos detidos por posse de arma e outros três adeptos escoceses detidos por atacarem uma mulher. Se é para isto, mais vale ficar em casa.
Terramoto Laranja
Há quem beba e não saiba o que faz, há quem olhe em frente e não olhe para trás, já cantavam os Prana, e é isso mesmo que vamos fazer. Apesar do sucedido em Hamburgo, junto da zona dos adeptos neerlandeses, a Laranja Mecânica invadiu a cidade antes do confronto com a Polónia.
Curiosamente, a distância da fronteira dos Países Baixos até Hamburgo é praticamente a mesma da fronteira da Polónia. Mas polacos, nem vê-los, tal foi o mar laranja que invadiu a cidade alemã e provocou um mini-terramoto.
O jogo também acabou por correr bem apesar do desperdício da turma de Ronald Koeman, que garantiu o triunfo graças a um remate oportunista de Wout Weghorst, aos 83 minutos (leia aqui a crónica). Só que em vez de chamar a atenção pela arma secreta que lançou a partir do banco, o treinador neerlandês ficou na história do jogo - e do Euro - por motivos, digamos, insólitos.
Apresentou a melhor candidatura para suceder a Joachim Low como seleccionador que coloca as mãos onde não deve quando as câmaras estão a filmar.
Digamos que não é nada de novo para quem já nos habituou a momentos fora da caixa como treinador e jogador.
Fénix dinamarquesa
Em maio de 2021, milhões de espetadores sustiveram a respiração quando Christian Eriksen caiu ao minuto 42 do jogo inaugural dos dinamarqueses desse Europeu contra a vizinha Finlândia, em Copenhaga. O médio sofreu um ataque cardíaco e teve mesmo de ser reanimado no relvado, passando por uma longa recuperação e obrigado a intervenção cirúrgica para colocar um cardiodesfibrilhador no peito.
O improvável regresso ao futebol foi feito aos poucos, pela porta do Brentford, na Premier League, antes de ser recrutado pelos gigantes do Manchester United. Voltou também à seleção dinamarquesa, com uma receção apoteótica. Este domingo, exatamente 1.100 dias depois, voltou ao Campeonato Europeu como figura-maior da Dinamarca e logo com um golo, aos 17 minutos.
Infelizmente para o conto de fadas, não foi o suficiente para garantir os três pontos (leia aqui a crónica).
Para quem, como eu, assistiu ao que aconteceu em Parken há três anos e 4 meses com um nó na garganta, este é sem dúvida um dos melhores momentos deste Euro-2024. A história de Eriksen é uma chapada de luva branca (saudades Éder) para quem diz que "o futebol é so um jogo".
Política entra em cena
Não há nada mais errado do que tentar separar desporto da política, ambos estão intimamente ligados e enraizados no panorama sociocultural, apesar das muitas tentativas dos papagaios das redes sociais tentarem silenciar opiniões contrárias. Basta recordar o Doutor Sócrates, Kareem Abdul-Jabbar, Muhammad Ali e tantos, tantos outros.
Ora, em França, a situação subiu de tom com o anúncio das eleições legislativas antecipadas depois da vitória da extrema direita nas europeias. No sábado, Marcus Thuram foi questionado sobre o assunto em conferência de imprensa e foi perentório no discurso: "Temos de lutar para que o Reagrupamento Nacional (RN, de extrema direita) não passe". O verniz, claro está, estalou.
A Federação Francesa de Futebol (FFF) reagiu rapidamente com um comunicado a pedir para que fossem evitadas "pressões políticas" e fosse respeitada a "neutralidade" da seleção. Este domingo, o chamado ao palanque foi o capitão Kylian Mbappé e desengane-se quem achava que a estrela vinha preparado com um discurso politicamente correto.
"Partilho os mesmos valores que o Marcus. Estou com ele, não foi longe demais. Ainda estamos num país onde existe liberdade de expressão. Ele deu a sua opinião e eu concordo com ele. Como equipa, pensámos em fazer alguma coisa. Falámos muito sobre a mensagem que poderíamos transmitir", atirou, pedindo aos jovens franceses para que acorressem às urnas.
Tudo certo nas palavras, mas tendo em conta que isto não é um portal de política ou comentário social, ficamos muito curiosos para ver qual será a resposta que o conjunto de Deschamps vai dar dentro das quatro linhas, na segunda-feira, com a Áustria, sabendo que estarão sob atenção redobrada no próprio país e, quer ganhem ou percam, serão sempre alvo de críticas.
Hey Jude, acorda os teus colegas
É isto um candidato? Torço sempre o nariz quando, em conversas com amigos e colegas, ouço que os ingleses são candidatos - e há quem diga favoritos! - a vencer a competição. Não pela falta de qualidade e profundidade de plantel, isso é inegável, embora não ache que seja superior à seleção portuguesa ou francesa.
Mas é uma lenga-lenga que cansa, estar sempre a ouvir que são candidatos, que o futebol vai voltar para casa e que onde vão partem tudo, já dizia aquele senhor da Liga dos Últimos. É muita moral para quem não ganha nada desde 1966. Apesar de reconhecer mérito a Southgate pelo trabalho de oito anos realizado para lançar esta geração, não acredito que seja com este treinador que voltem à rota dos troféus.
A capacidade está lá, mau era para quem tem jogadores como Rice, Saka, Bellingham, Kane e Foden. E os primeiros minutos do jogo contra a Sérvia - privados da figura-maior Dusan Tadic, no banco - provaram isso mesmo, aliás, o domínio foi tal que só ao fim de 5 minutos e 59 segundos é que os sérvios conseguiram fazer um passe.
A primeira parte foi de sentido único, comandados por um Bellingham ao qual já faltam adjetivos para descrever. Com apenas 20 anos, traz a mentalidade vencedora que tanta falta faz à equipa e aos adeptos: no fundo é o "falar menos, jogar mais". Mas, na segunda, lá voltaram os fantasmas de quem não consegue fechar o resultado e o conservadorismo de Southgate, que permitiram à Sérvia subir no campo e ameaçar o empate.
Mesmo com uma equipa muito superior e com o claro domínio na primeira parte, a Inglaterra somou apenas três remates à baliza. Caso para dizer que os Três Leões miaram e só Bellingham rugiu (leia aqui a crónica).