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Lars Elstrup, o herói dinamarquês que recusou jogar a final do Euro-1992

Jacob Hansen
O herói do Euro 1992, Lars Elstrup, em 2024
O herói do Euro 1992, Lars Elstrup, em 2024Jacob Hansen
Imagine que é um jogador importante e que é a razão pela qual a sua equipa chega à final do Campeonato da Europa. E depois não quer jogar para ganhar o título. Não por estar lesionado, mas porque tem medo. Foi exatamente assim que um dos heróis dinamarqueses se sentiu quando ganhou o Campeonato da Europa em 1992. Lars Elstrup passou por um período difícil na sua vida, mas hoje está novamente cheio de otimismo e até visitou o local onde foi amado.

Foi uma das histórias menos credíveis da história do Campeonato da Europa. Os campeões foram jogadores de um país que, para começar, nunca deveria ter participado no torneio.

Os dinamarqueses venceram a Alemanha por 2-0 na final, mas Lars Elstrup passou todo o jogo no banco de suplentes e esperava continuar lá. Marcou o golo da vitória no último jogo da fase de grupos contra a França e, sem esse golo, a sua equipa não teria jogado a meia-final, na qual a Dinamarca derrotou os neerlandeses nos penáltis. Um desses penáltis foi marcado por ele...

Uma nuvem negra na alma

"Começou talvez dois dias antes da final. Até lá, eu queria mesmo jogar tudo. Mas depois aconteceu algo na minha cabeça e não queria jogar a final de forma alguma", diz Lars Elstrup numa entrevista à Tribal Football.

A antiga estrela do Luton, de Inglaterra, aceitou o convite para ser entrevistada e aprofundou os seus pensamentos na sua autobiografia "Unlucky Hero".

"Tinha medo de falhar. E se eu perdesse esta grande oportunidade e não ganhássemos", foram os pensamengos antes de um dia maravilhoso na Dinamarca, do qual ainda não tem recordações agradáveis. Na verdade, nem sequer se lembra da festa que se seguiu ao sensacional triunfo. Pelo menos, recorda o golo contra a França com uma sensação de alegria.

"Quando se ganha um jogo de futebol, quer se tenha 12 ou 29 anos, e se marca o golo decisivo, é uma sensação incrível. Aquele golo acabou por ser importante no final e, de repente, tivemos o apoio de toda a nação", diz sobre a sua última participação no torneio, ao qual a Dinamarca só chegou porque rebentou a guerra na Jugoslávia.

A pressão como inimigo

Há rumores de que a equipa não estava composta de forma ideal e que muitos dos jogadores chegaram ao Europeu diretamente da praia, de férias. John Jensen, antigo médio do Arsenal, considerou esta história um disparate, mas Elstrup discorda: "O facto é que não estávamos preparados. Fomos convocados à última hora e certamente não tínhamos a condição física que deveríamos ter e até hoje duvido da preparação mental."

Por isso, quase ninguém levou a sério a participação dinamarquesa no torneio. Não havia expectativas, mas isso convinha perfeitamente a Elstrup. "Acho que isso é verdade para a maioria das pessoas. Quanto menor for a pressão sobre nós, melhor será o nosso desempenho. A nossa mente está relaxada, jogamos de forma desinibida, intuitiva, e temos mais probabilidades de ser bem sucedidos", considera.

O dia da final do Euro-1992 recordou-lhe uma história da sua juventude, quando ele e o irmão concorriam ao título de Talento do Ano do Randers FC: "Esperava que escolhessem o meu irmão, porque assim não teria de fazer discursos".

Assim, enquanto John Jensen, Brian Laudrup, Peter Schmeichel e o resto da equipa estavam embriagados de alegria com medalhas de ouro ao pescoço, ele lutava com a sua psique.

A carreira no Odense ou no Luton, onde passou dois anos maravilhosos aos olhos dos adeptos, foi mais ou menos semelhante. Mas ele não se divertiu muito.

"Era absolutamente emocionante estar em Kenilworth Road e ver toda a obsessão e religião que a comunidade tinha. Eu sempre pensava: E se eles me reconhecerem e falarem comigo? E se forem hostis ou se forem simpáticos para mim, como é que eu respondo?" Recorda os dois anos que passou na cidade inglesa obcecada pelo futebol. Só que diz que preferia fazer a viagem de 15 minutos de carro entre a sua casa e o estádio e evitar as pessoas.

No entanto, os adeptos do Luton continuam a considerar Elstrup um herói até aos dias de hoje. Na segunda época, marcou 15 golos, ainda hoje o maior número de um jogador dinamarquês na primeira divisão inglesa. O campeão Leeds chegou mesmo a tentar integrar o jogador dinamarquês na equipa, mas Elstrup, que tinha 28 anos na altura, recusou o desafio, regressou a casa e reformou-se em 1993, após duas épocas no Odense, o seu clube natal.

O campeão europeu de 1992, Lars Elstrup, ultrapassou uma fase difícil da sua vida
O campeão europeu de 1992, Lars Elstrup, ultrapassou uma fase difícil da sua vidaJacob Hansen

Uma escuridão de 15 anos

Muito se tem escrito sobre a vida de Elstrup depois do futebol, especialmente na Dinamarca, e a sua história está registada no seu livro. Juntou-se a uma comunidade espiritual, mudou o seu nome para Darando (que significa "rio que corre para o mar") e encontrou um guru indiano. Foi também detido em Odense e em Trafalgar Square, onde os agentes da autoridade consideraram que ele se tinha despido. Em 2016, correu nu para o relvado durante um jogo da Superliga dinamarquesa entre o Randers e o Slikeborg.

Também passou cerca de 15 anos na cama, porque sofria de uma depressão que o impedia de tomar banho. "A certa altura, o ralo do meu chuveiro deixou crescer erva", ri-se hoje.

Tem estado bem desde 1 de janeiro de 2022, mas, ao mesmo tempo, mantém-se atento ao seu estado mental para evitar qualquer contratempo. "Hoje estou mais forte do que nunca. Divido a minha vida em etapas e a última durou mais de dois anos. Olho para o passado e comparo o meu crescimento mental durante esse tempo", diz.

Uma receção calorosa em Luton

Aproveitouo último período em que se sentia bem para fazer uma viagem a Luton para, como diz, "fazer tudo o que não fazia na altura": "Foi absolutamente perfeito. Andei pela rua, sentei-me num café, falei com o diretor do estádio e até com Mick Harford, meu antigo colega de equipa. Também conheci o atual presidente do Luton, Gary Sweet. Quando joguei lá, ele era um jovem adepto. Hoje é o patrão. Cheguei sem avisar, mas quando me viu interrompeu a reunião para me dar um abraço tão forte quanto possível. Quando soube onde tencionava ficar, arranjou-me imediatamente um hotel fantástico. Foi realmente muito emocionante", diz Elstrup. Elstrup disse que não esperava ser tão bem recordado pelos adeptos do Luton Town.

"Mas é isso que acontece quando nos abrimos e aceitamos o calor que vem de estranhos. Foi uma surpresa muito agradável e acho que mostra que deixei algo para trás", sorri hoje.

"O meu treinador na altura, Richard Møller Nielsen, disse uma vez que 'a única coisa má no Lars é que ele não sabe o quão bom é'. Acho que ele tinha razão", diz Elstrup sobre o homem que levou a Dinamarca ao título de campeã europeia em 1992.