Reportagem Flashscore: Guia para conviver entre adeptos portugueses no Euro-2024
O que há assim de tão especial num Portugal-República Checa? O que leva os portugueses a gastarem tanto dinheiro para apoiar a seleção? Será que vale assim tanto a pena? Spoiler alert: Sim. E desengane-se quem acha que o torneio é para apenas aqueles que gostam de futebol.
O Flashscore esteve presente no jogo inaugural da seleção das quinas em Leipzig, onde recolheu relatos dos quatro cantos do mundo e imagens fenomenais de uma festa ímpar, quer na celebração, quer na entreajuda. Já tudo foi dito sobre o jogo e aquele mágico minuto 90+2 de Francisco Conceição, mas perdurará para sempre a memória de uma bancada inteira aos saltos... e o cheiro da cerveja pelo ar.
Estar cá dentro, lá fora
Para contextualizar, importa referir que fiz esta viagem com alguém que não é propriamente fã ou seguidor acérrimo de futebol e só precisei de um argumento para convencer: "Gostando ou não, ir a um Euro ou a um Mundial é algo que toda a gente deveria fazer". Infelizmente, é algo que não é acessível para todas as carteiras e foi preciso alguma ginástica, financeira e logística, para conseguir tirar o máximo partido da visita.
Mas já dizia Fernando Pessoa que tudo vale a pena se a alma não é pequena e a dos nossos adeptos é gigante. Chegados a Leipzig depois de uns contratempos, na véspera do encontro, deparamo-nos com os primeiros portugueses que prontamente encetaram conversa e nos deram informações e conselhos, nomeadamente onde e como acompanhar o mar tuga antes do jogo.
A trabalhar ali ao lado, nos Países Baixos, estavam mais que rotinados nestas andanças e cometeram a loucura de fazer a viagem de carro, trabalhar no dia de jogo e voltar a casa logo após o mesmo, antes de voltarem à Alemanha para continuar a apoiar a seleção. Esta é a rotina dos muitos fanáticos das quinas que acompanham a seleção no estrangeiro, como poderá ler mais à frente.
Para já, fique com o essencial. O grupo Seleção Supporters Germany é como um canal não oficial de informações dos adeptos, já que grande parte deles está inserida no grupo do Whatsapp ou no Instagram, através dos quais partilham toda a informação: onde é a fan zone, a que horas é para lá estar, quando começa a romaria até ao estádio, conselhos para comer, beber, estacionar, dormir e muito, muito mais. Na dúvida, pergunte, terá sempre mais do que um par de mãos disposto a ajudar... até porque, não tem sido propriamente uma edição tranquila.
Os problemas do Euro
Infelizmente, este Euro não tem corrido propriamente bem a nível de organização e logística. Já aqui falamos sobre a eficiência alemã ou falta dela (comboios cancelados ou atrasados), os exorbitantes preços de bebidas ou até o excesso de zelo de alguns locais que acaba por complicar mais do que facilitar. Ainda assim, há formas de contornar possíveis dissabores.
Quanto aos transportes, tente organizar as viagens com longos intervalos de tempo para não chegar a nenhum lado em cima da hora. Caso o seu comboio esteja atrasado mais de 20 minutos, poderá entrar noutro com o mesmo destino. Assim, em caso de algum atraso, terá sempre alternativa. É que, comparado com o português, o sistema de transportes alemão pode ter os seus problemas, mas pelo menos funciona e chega a quase todo o lado.
O preço da cerveja é mesmo exorbitante, mas apenas na fan zone e no estádio, onde é 10 vezes mais cara do que no supermercado. Pelo mesmo meio litro de cerveja, pode gastar 70 cêntimos numa superfície comercial ou 7€ nas zonas da UEFA. Mas isso são pormenores ou pormaiores que não causam grande preocupação em dia de jogo.
Em Leipzig, por exemplo, em que o estádio não é muito distante do centro e há uma paragem de metro junto ao mesmo, a festa começou logo de manhã e fora das fan zones oficiais, que impedem entrada com comida e bebida, até mesmo de água. Ridículo, principalmente quando a zona destinada aos adeptos portugueses era um parque de estacionamento ao ar livre sem sombras. Daí que, os primeiros sinais de festa se tenham sentido em toda a cidade, principalmente nas zonas de restauração.
A festa da Diáspora
Passemos ao que interessa. Então, o que é isto de ir a uma grande competição de futebol num país ou melhor, numa região (Europa Central), com centenas de milhares de emigrantes? À medida que o jogo se aproximava, a festa aumentava, os rostos tornavam-se mais claros e os olhos começavam a brilhar. Foi através desses olhares e sorrisos emocionados que começamos a descobrir as estórias dentro da história.
Para já, há que fazer um disclaimer: ao longo dos dias na Alemanha, a maioria dos adeptos emigrantes que fomos conhecendo contava ir a todos os jogos de Portugal. O nível é mesmo esse: sempre e para todo o lado, independentemente se é perto, longe, faça chuva ou faça sol. E não tenho a mínima dúvida que, mal acabe este Europeu, o grupo dedicado comece a planear o Mundial-2026. Paixão assim é difícil de superar.
Edite Antunes nasceu em Mainz, a 500 quilómetros de distância da Red Bull Arena, mas os pais pombalenses podem ficar orgulhosos da língua que sempre falaram em casa e que agora carrega consigo sem qualquer sinal de sotaque.
"Quando soube que o Euro vinha para cá, tentei logo arranjar bilhetes, consegui e senti muita alegria. Vir aqui desfrutar desta comunidade, estarmos todos juntos. É muito bom sentir um pouco de Portugal aqui na Alemanha. Mesmo que seja emigrante, sou portuguesa na mesma, ver a seleção, ver o Ronaldo… Tenho acompanhado a seleção por muitos países, adoro estar com os portugueses e festejar. É incrível, gosto muito dos jogadores, é um pedacinho de casa", contou-nos.
Ao seu lado estava o amigo Hélder Monteiro, também ele nascido em Mainz, há 49 anos, filho de pais pombalenses e com um português impecável. Já com muita experiências nestas andanças, Hélder acompanha a seleção desde o Euro-2000 (Bélgica e Países Baixos), por isso esteve também na última grande competição de futebol realizada na Alemanha, no Mundial-2006. A principal diferença? O apoio à seleção.
"Estive no Catar, Sochi, Lviv… Também estive no Mundial-2006, agora somos mais portugueses, mais pessoal jovem a vir, é fantástico, pessoal com entusiasmo e motivação. A diferença é que antes eram mais emigrantes, agora há muita gente a vir e jovens espalhados pela Europa. Há pouco falei com um rapaz que não sabia como isto era. Claro, tem um sabor a casa, é um pouco como voltar. Somos tugas e o tuga fica para sempre", começou por nos dizer.
"O pessoal já bebeu uma cerveja ou outra, mas estamos todos unidos, com motivação. Independentemente se és emigrante ou vens de Portugal, aqui somos todos iguais, é isto que nos une. Vim com os meus dois filhos, são uma terceira geração de alemães… Para mim era indiferente ser em Leipzig ou outro sítio, esta manhã trabalhei a partir de casa, viemos a correr para aqui, mas se fosse noutro lado também lá estávamos. Estive com o Márcio em Marselha no jogo contra a Polónia (no Euro-2016), são coisas que ficam para sempre, nunca me vou esquecer”, continuou.
E quem é Márcio? É o seu filho, também ele nascido na Alemanha e também ele com um português perfeito depois de muito tempo passado com os avós em Portugal.
"Vir aos jogos da seleção para mim... tenho muito orgulho por estar aqui. Sinto-me mais português que alemão, o meu coração bate em português. Obviamente que agradeço tudo o que a Alemanha fez por mim e pela minha família, mas o meu coração é português, não há nada a fazer", vincou.
Confessou também que o efeito Ronaldo ajudou (mais sobre isso em breve), mas as raízes que o ligam ao jardim à beira mar plantado têm mais força.
E se o Márcio se sente assim, então o que dizer de António Nogueira, emigrado em França há mais de 50 anos? Envolto numa bandeira do Desportivo de Chaves, parecia uma estátua serena atravessada por um mar vermelho e verde.
"Vim para França em 1971... Até vim como turista, com o meu pai, fui-me embora, casei em 1973 e voltei para cá. Fui obrigado a fazer serviço militar, fi-lo em Vila Real e por lá fiquei até 1976. Depois de cumprido, levei a minha mulher e o meu filho (para França)", recordou. Então e a bandeira do Chaves? "Sou natural de Chaves, o orgulho transmontano está aqui", sublinhou.
Em 2016, assistiu na capital francesa à glória catapultada pelo remate de Éder. "O que senti? Ui pá, foi tudo nosso. Há poucos países no mundo com emigrantes que gostem tanto do seu país", garantiu. Olhou para o lado, onde estava Baptiste, o seu filho, e recordou.
"Este meu rapaz, a mãe dele é francesa, mas ele por Portugal dá tudo. Tem muito orgulho do nosso país, foi ele que comprou o bilhete, tratou de tudo. Penso que vamos ser campeões este ano, não pode ser de outra maneira", atirou.
"Não interessa se nasci ou não em Portugal"
Baptiste, de 23 anos, não teve dúvidas para descrever o que vivia ali a escassos minutos do apito inicial do jogo inaugural do Euro-2024 para a seleção portuguesa: "Sendo honesto, sinto que é um dos momentos mais especiais da minha vida".
"Vir aqui com o meu pai ver Portugal ganhar... tenho estado à espera disto e a pensar neste jogo há cinco anos, todos os dias. Estamos a uma hora de começar e mal posso esperar. Ganhar em França (o Euro-2016) foi algo especial, também um pouco estranho, porque estava a torcer por Portugal, mas não éramos vistos com bons olhos. Na televisão, nas ruas, odiavam-nos, mas ganhar à França em França foi o melhor momento da minha vida. Foi uma chapada de luva branca", mesmo à Éder, confessou.
"Não interessa se nasci ou não em Portugal, o meu pai nasceu lá, ensinou-me o que é ser português e não sinto qualquer diferença. Este vai ser um momento que nunca vou esquecer na minha vida e nem uma possível derrota vai tirar isto. Vou a Portugal quase todos os anos, já visitei Lisboa, Porto, Braga, Chaves, a terra do meu pai… Claro que tenho orgulho transmontano, estamos um pouco desiludidos com a descida este ano, mas para o próximo ano vai ser melhor", afiançou.
"Bom tempo, muito boa gente, tudo certo"
Portanto, se tiver a oportunidade de ir ver um jogo de Portugal nesta fase a eliminar, não perca a oportunidade de apoiar a seleção junto dos seus. Solte as amarras, conviva com a diáspora e conheça quem está à sua volta. Porém, não são todos portugueses, há uma vasta comunidade internacional com uma dose igual de loucura a apoiar a Seleção.
Mas mais sobre isso quando abordarmos o efeito Ronaldo, para já fique apenas com o testemunho de um jovem alemão que encontramos algo estarrecido e com um sorriso na cara ao ver a festa que se fazia junto ao estádio do Leipzig.
"Vim hoje porque era um sonho meu poder ver o Cristiano Ronaldo jogar ao vivo e o Portugal-República Checa é um grande jogo, arranjei bilhetes e disse ao meu irmão para virmos. O ambiente? É uma loucura! Os adeptos são malucos, estou a adorar, muito bom. Bom tempo, muito boa gente, tudo certo", disse o germânico que envergava uma camisola do campeão português Sporting.
Entretanto, Portugal já está nos oitavos de final e os bilhetes voaram. De facto, tudo certo.