Spalletti em entrevista: "Para alguém que sempre viajou à boleia, estar na primeira classe à janela é motivador"
Conselhos para o filho Spalletti: "Eu dir-lhe-ia para se preparar para um mundo em que nada é garantido e em que tudo é possível. Pergunto-me muitas vezes se estaria disposto a voltar a passar pelo trabalho duro da minha vida. A resposta é sim. A beleza da vida está aí, nesse cansaço, nessa teimosia com que se tenta sempre melhorar. Não sozinho, mas com os outros. A qualidade de vida é o contacto com as pessoas e as situações, a mudança, permanecendo sempre nós próprios".
O futebol: "Eu era um miúdo que passava o dia todo no recreio, um daqueles que tinha de o chamar dez vezes quando escurecia para subir para casa, um daqueles que fazia os trabalhos de casa à noite, porque antes de tudo havia a bola. Essa foi sempre a minha prenda preferida em criança. Mesmo que tivesse três ou quatro, queria sempre mais uma, da avó. Tinha medo de ficar sem ela".
As derrotas: "Comecei nos juvenis do Avane, onde perdíamos sempre, depois fui para a Fiorentina, onde ganhámos sempre. E, sinceramente, acho que aprendi mais com a primeira experiência do que com a segunda. Ser derrotado é importante, educa, ensina-nos a melhorar, educa-nos a ganhar. Essa camisola amarela ficou no meu coração".
O consenso: "Bem, não sou um daqueles treinadores que passam o tempo ao telefone com os jornalistas e talvez isso me tenha afastado no passado. Faço o meu trabalho e procuro resultados. Respeito toda a gente e o trabalho de todos. Mas quero que sejam os resultados a falar por mim, não os sorrisos."
Nápoles: "Deixei o meu coração em Nápoles. É inimaginável o afeto, na verdade o amor que troquei com aquela cidade. Deu-me, pela primeira vez na minha história como treinador, a emoção única de me sentir parte de uma comunidade. Em Nápoles, senti-me feliz porque toquei com as minhas próprias mãos a felicidade dos napolitanos e dos meus jogadores. Recebi sentimentos indescritíveis. Foi uma das coisas mais bonitas que me podia acontecer na vida. Foi a minha universidade da vida, penso que é difícil ter mais do que aquilo que tive e nenhuma empresa pode merecer o que os napolitanos me deram. Estou orgulhoso por me tornar um dos seus cidadãos honorários na quinta-feira".
Seleção: "Gostaria que a Nazionale fosse de todos e que todos os italianos a adorassem. Para mim, a camisola da seleção nacional é a coisa mais elevada que pode existir num desporto, mas ao mesmo tempo é também a que está mais próxima do futebol de rua. Quando, em crianças, tínhamos de jogar contra os do jardim ao lado, esperávamos de todo o coração ser selecionados e fazer parte daqueles que, ao ganhar, se tornariam os heróis do bairro. A proposta de Gravina fez de mim um homem feliz e orgulhoso, embora sentisse o enorme peso da responsabilidade de ser a camisola azul de todos os italianos".
Convocatória: "As minhas escolhas serão técnicas e também morais. Vou querer à minha volta pessoas que acreditem, que vivam comigo o peso da responsabilidade, pessoas que conheçam de cor a história desta seleção, que me mostrem que querem fazer parte dessa história, que querem esforçar-se. Serei sempre alimentado pelo bem da nossa seleção e, quem quiser mostrar-me que quer pôr o seu talento ao serviço da seleção, saberá que estarei aos seus pés. Temos de devolver à Itália o bem que ela quer. Fazer com que um país inteiro se regozije, se una e esqueça as filiações que o separam. A camisola da Azzurra deve ser desejada em primeiro lugar e depois honrada como um objeto sagrado".
Nem todos compreendem: "Os rapazes compreenderam-no? Em geral sim, mas sinto que ainda temos de trabalhar nisso, temos de criar em cada um deles, nos seus pensamentos, os hábitos certos, o sentido de responsabilidade e a motivação que nos permitirão ser uma seleção nacional forte, realmente forte. Estou satisfeito com a qualificação. Não só pelo resultado, pois o contrário teria causado dor a todos, mas pela forma como jogámos em todos os jogos. Todos, mas não o tempo todo. Porque jogámos bem durante quarenta e cinco, sessenta ou setenta minutos, nunca um jogo inteiro. No entanto, estamos no bom caminho, num curto espaço de tempo."
Sorteio: "Para alguém como eu, que sempre viajou à boleia, estar na primeira classe à janela foi bom e motivador. Depois, estar no quarto escalão, no sorteio, fez-nos chegar com a humildade de quem sabe que tem muitas equipas à sua frente, mas não nos tira a consciência e o orgulho de sermos Itália e de podermos jogar com todos. Sabíamos que, entre as várias possibilidades, havia a de encontrar todas as equipas fortes e, infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu. A única forma de passar a ronda será jogar todos os jogos a um nível muito elevado. No entanto, a Espanha, a Albânia e a Croácia também não ficarão satisfeitas, uma vez que apanharam a Itália entre as equipas do quarto grupo. Tudo depende de nós, nós somos a Itália. O que eu disse à minha Azzurra antes de uma partida difícil se aplica: 'Há muitas coisas que, de fora, me assustavam e agora, depois de enfrentá-las, entusiasmam. Não me imponho limites, só depende de quanto conseguirmos melhorar, antes de mais nada, dentro de nós mesmos'"
Jovens: "Há muitos jogadores jovens que podem crescer, como Scalvini, Udogie, Scamacca, e na frente temos, com Retegui, Raspadori, Kean, Immobile, muito mais do que se pensa. Raspadori, por exemplo, é um tipo fantástico: não desiste do seu empenho, nem nos treinos, nem na preparação para um dos seus exames universitários. Permitam-me que diga também que Chiesa é um daqueles jogadores que pertencem à rara beleza do futebol ilusionista. Jogadores como ele fazem a sorte dos treinadores, dão-nos soluções que não existem em nenhum dos meus quadros. As qualidades dos jogadores talentosos são superiores às indicações que um treinador pode dar."
Talento: "Não há técnica sem tática, e vice-versa. Demasiadas vezes, as indicações rígidas, no tempo de formação dos jogadores, retiram o gosto pela invenção, pela procura de soluções diferentes das pré-estabelecidas. Nas camadas jovens, há uma tendência para premiar o físico precoce, sem calcular que o talento também pode estar escondido na incompletude física e que deve ser procurado aí. Deixem-nos jogar com a bola, não há necessidade de os treinadores de jovens copiarem e colarem os meus esquemas ou os de outros."
Italianos no estrangeiro: "Posso selecionar jogadores italianos em qualquer parte do mundo, mas o que mais me preocupa é precisamente o facto de haver poucos titulares italianos, em qualquer parte. E, em todo o caso, não procuro desculpas, não treino os meus álibis. O que não é bom, na minha opinião, é o facto de os talentos italianos que surgem na primeira divisão serem depois mandados para as ligas inferiores ou para o banco. Eu aconselharia os clubes a mandá-los experimentar as primeiras ligas estrangeiras e a habituarem-se à pressão, à necessidade de resultados. O mundo está a mudar e a nostalgia não ajuda. O futebol foi afetado pela globalização e os seus efeitos positivos devem ser maximizados".
A despedida de Totti: "Lamento muito os assobios. Tentei sempre fazer o bem à Roma, com quem jogámos bem e obtivemos bons resultados. E também tentei fazer o bem do Totti, que foi um dos maiores jogadores do nosso futebol. Para mim, reencontrá-lo foi como uma libertação."
Donnarumma: "O problema é sempre o mesmo, como te posicionas em relação ao teu papel e à tua carreira. Se pensa que já chegou e não tem nada a aprender.... Ele precisa de se controlar, porque de vez em quando mostra uma falta de continuidade. Só há uma maneira de manter o nível a longo prazo: treinar e disciplinar-se bem a nível mental."