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Opinião: Joan Laporta não está a conseguir viver da fama na segunda passagem em Barcelona

François Miguel Boudet (em Barcelona)
Joan Laporta nos festejos após os quatro golos das mulheres do Barça
Joan Laporta nos festejos após os quatro golos das mulheres do BarçaAFP
Joan Laporta regressou ao comando do Barcelona, mais pela força do nome do que por um verdadeiro programa, e viu sair a maior parte da equipa administrativa, enquanto agentes influentes voltaram a gravitar em torno do clube desde que Deco foi nomeado diretor desportivo. O imbróglio com Xavi Hernández, que foi prolongado e depois demitido por comentários que tiveram a infelicidade de ser verdadeiros, testemunha um estilo de gestão que é altamente incerto.

Joan Laporta gosta de treinadores alemães. Ele, o advogado independentista que, durante a época triunfal de Guardiola, mandou hastear uma bandeira para a glória da nação catalã, sempre sonhou em ver Hansi Flick, Julian Nagelsmann ou Thomas Tuchel no banco do Barcelona, em detrimento de Xavi Hernández, o ídolo absoluto do clube. No entanto, o presidente, de volta ao poder após a moção de censura que matou Josep María Bartomeu em 2021, aprovou a manutenção do antigo médio por mais uma época... antes de mudar de ideias.

Na sexta-feira passada, o clube blaugrana empurrou a lenda para fora e, na quarta-feira, deu oficialmente as boas-vindas a Hansi Flick, o homem que infligiu uma derrota histórica de 8-2 ao Barça quando treinou o Bayern na final a oito em Lisboa em 2020. Esta é a mais recente reviravolta na história e mais uma prova de que o mandato de Laporta está a ir em todas as direcções. Xavi teve a grande infelicidade de explicar numa conferência de imprensa o que toda a gente sabe: o Barça não pode competir com o Real Madrid na situação atual.

As palavras de Xavi foram suficientes para reacender uma polémica alimentada pelos seus adversários internos. As fugas de informação são instantâneas e são alimentadas por jogadores externos que estiveram no Barça ou que sonham estar lá, e que são recebidos de braços abertos pelos meios de comunicação catalães. É o caso, por exemplo, de Joan Gaspart, um antigo presidente cuja memória faz estremecer qualquer adepto.

Joan Laporta e Xavi no anúncio da contratação do treinador, no final de abril
Joan Laporta e Xavi no anúncio da contratação do treinador, no final de abrilAFP

A ajuda de Xavi

O regresso de Laporta à liderança do Barça tornou-se absurdo. Durante a sua campanha, troçou de Victor Font, o seu principal rival, que tinha colocado Xavi no centro do seu projeto desportivo, mas que acabou por chamá-lo como último recurso, enquanto Ronald Koeman se afundava no fundo do poço.

O agora ex-treinador deu mostras de uma nobreza rara ao renunciar a uma indemnização por despedimento entre 10 e 12 milhões de euros, prova de que sempre colocou o clube acima de si próprio, ao contrário, por exemplo, do antecessor Koeman, muito mais defendido pela imprensa local do que o natural de Terrassa, apesar do seu péssimo nível de jogo, e que não renunciou ao seu cheque quando foi despedido.

Sem este gesto financeiro, Laporta teria podido despedir Xavi? Provavelmente não. Em suma, para mudar de ideias mais uma vez, o presidente teve de se apoiar... no homem que despediu de forma altamente desrespeitosa.

Laporta não foi eleito pelo seu programa, mas pelo seu passado. Entrou na campanha muito tarde e a nostalgia fez o resto, sobretudo entre os jovens sócios. Mas o Barça de então e o Barça de 2024 não são nada parecidos: há menos dinheiro nos cofres. O ponto forte de Jan, como é conhecido na Catalunha, era o facto de se ter rodeado muito bem. Mas todos os mentores que encontraram as famosas alavancas saíram nos últimos meses, pois a situação está a tornar-se insustentável. O mais recente rumor é o possível regresso de Mateu Alemany, que saiu no final da época passada e foi fundamental no resgate financeiro do clube, juntamente com Ferran Reverter, que se demitirá em janeiro de 2022.

Os lobos regressam

Em suma, Laporta está a navegar à vista e, ao mesmo tempo, os "super-agentes" recuperaram o seu lugar à mesa da presidência. Próximo de Jorge Mendes e apesar da sua falta de experiência, Deco tornou-se diretor desportivo, o que facilitou a chegada de João Cancelo e de um certo João Félix, que continua tão irregular como sempre e que acabou por ser afastado um ano depois de o antigo médio ter trazido de volta Raphinha... como seu agente. Pini Zahavi, o "irmão", como o próprio Laporta foi apelidado aquando da apresentação de Robert Lewandowski, acaba de concretizar a contratação de Flick.

Mais incrível ainda: André Cury voltou à carga para vender Vitor Roque ( 30 milhões de euros + 30 milhões de euros de possíveis bónus), uma transferência que "imita" Vinicius Jr, Rodrygo e Endrick no Real Madrid, mas que Xavi não quis. O historial do internacional português fala por si: responsável pela transferência de Keirrison, por 14 milhões de euros, em 2009, durante a última época do primeiro mandato de Laporta, e figura-chave na chegada de Neymar durante a presidência de Sandro Rosell, Deco foi responsável por uma série de transferências sem sucesso até ao final da era Bartomeu: Emerson Royal, Matheus Pereira, Matheus Fernandes, Igor Gomes, Gustavo Maia, Marlon Santos e Douglas Pereira por cerca de 41 milhões de euros, para não falar dos empréstimos de Robert Gonçalves e Vitinho, e das "dicas" para contratar Yerry Mina, Arthur Melo, Philippe Coutinho e Paulinho.

Esta fotografia tem 20 anos...
Esta fotografia tem 20 anos...AFP

O que se segue?

A finalização do novo Camp Nou, inicialmente com metade da capacidade (cerca de 50.000 pessoas) até novembro próximo (na melhor das hipóteses, mas ainda está muito longe), é essencial se quisermos ganhar dinheiro com as receitas de bilheteira. Para além disso, a loja do clube é aquela em que a Nike cobra mais do mundo e o museu do clube é um dos mais concorridos da cidade, o suficiente para fazer desmaiar o próprio Antoni Gaudi. Será isto suficiente para reanimar o Barça, que tem uma dívida líquida de 553 milhões de euros, de acordo com o cálculo do Financial Fair Play publicado em junho de 2023 (não incluindo o estádio)?

Embora a massa salarial tenha regressado a um nível aceitável, o clube ainda tem dívidas em atraso com Lionel Messi, Sergio Busquets e Jordi Alba. Com o mercado de transferências mais especulativo do que nunca, a presença de Xavi podia ajudar a atrair novos jogadores, como foi o caso de Jules Koundé e Ilkay Gündogan. Será que isso também vai acontecer com Flick? Laporta ainda tem dois anos de mandato e ninguém pode prever o que acontecerá. A moção de desconfiança pode mesmo surgir nas próximas semanas e, embora tenha poucas hipóteses de ser aprovada, as coisas podem mudar muito rapidamente se o novo treinador não conseguir conquistar o título da LaLiga e chegar aos quartos de final da Liga dos Campeões.