Entrevista Flashscore a Hugo Seco: "Impossível imaginar a cidade de Coimbra sem a Académica"
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Dúvidas, certezas, lágrimas, sorrisos, sonhos e pesadelos. A ligação de Hugo Seco à Académica dava um livro. Aos 35 anos, o capitão dos estudantes viveu numa autêntica montanha-russa de emoções. Desde a primeira vez que foi a um treino da Académica, em que só pedia ao pai para ir embora, até ao dia em que recebeu a camisola comemorativa dos 100 jogos ao serviço do seu grande amor no mundo do futebol.
Nesse sábado, dia 9 de dezembro, em pleno relvado do Estádio Cidade de Coimbra, com familiares e amigos na bancada, Hugo entrou por breves instantes na máquina do tempo e teve um flash com tudo aquilo que viveu ao serviço da Briosa. As coisas boas, as coisas más, de tudo um pouco. Uma história de desafios e superação, do ponto de vista individual e coletivo, com vários capítulos.
I - A primeira memória
Os primeiros anos da vida de Hugo foram passados em Coimbra e houve um dia em que o pai decidiu levar o menino "tímido" a um treino da Académica e foram precisos apenas cinco minutos para voltar ao encontro do progenitor com um pedido: "quero ir embora!". O sr. Jorge Seco ainda insistiu nas semanas seguintes para ele voltar, mas nada feito. Ainda assim, foi a partir daí que começou esta história de amor: "Foi quando comecei a apoiar a Académica e a ver os jogos. Ainda fui ver um ou dois jogos ao estádio antigo".
Aos nove anos, mudou-se com a família para a Lousã e começou a jogar futsal no Clube Futebol Santa Clara. "Andava todo contente", mas como era muito novinho e os colegas tinham medo de o aleijar nos treinos acharam por bem que o melhor era encontrar outra solução. Acabou por ir para as Gândaras, dois anos antes de surgir a oportunidade de mudar-se para a... Académica.
"A oportunidade surgiu através de um professor de Educação Física que era de Coimbra e me abordou na escola. Não mostrei muita vontade, pois, na altura, tinha algum receio de novas aventuras, e para mim estava tudo bem, porque jogava com os meus amigos. Ele insistiu, acabou por falar com o meu pai e lá acabei por ir treinar. Não gostei muito nos primeiros dois/três dias, mas depois fizemos um jogo amigável que correu muito bem e sinto que isso mudou a minha perspetiva. Acabei por fazer tudo a formação na Académica e sentia que tinha dado o passo certo", recorda Hugo Seco, em entrevista ao Flashscore.
II - O (difícil) concretizar do sonho
O momento de transição de júnior para sénior é dos mais complicados na vida de um (potencial) jogador de futebol profissional. Hugo teve a oportunidade de uma vida, mas por força das circunstâncias teve de seguir por um caminho diferente daquele que tinha imaginado.
"A transição dos juniores para os seniores foi uma fase muito complicada na minha vida, não só do ponto desportivo como familiar, em que a minha mãe teve um problema de saúde e esteve internada alguns meses. Além disso, o meu pai teve de mudar de emprego por necessidades do ponto de vista financeiro, então só vinha a casa de 15 em 15 dias. Senti-me desamparado e perdido nessa fase. Senti que fugi um bocadinho do caminho...", conta.
"Recordo-me que, no meu segundo ano de júnior, tive tudo acertado para ir para o FC Porto e cheguei mesmo a ter o contrato à minha frente numa reunião a que fui com o meu empresário da altura no estádio do Dragão. Mas esse tal empresário dizia-me que o FC Porto não podia pagar nada à Académica e que eu tinha de começar a faltar aos treinos e aos jogos para que eles rescindissem comigo por justa causa. Era impossível eu fazer isso à Académica", prossegue.
A Académica acabou por descobrir a história e propôs ao Hugo que assinasse contrato de formação, com a promessa de que no ano seguinte teria a sua oportunidade junto da equipa principal. Teve algumas lesões no último ano de júnior e o passo seguinte seria ir rodar uma época para o Tourizense, que tinha um protocolo com a Briosa, mas a interferência do tal empresário fez com que fosse para o Anadia. Um erro.
O jogador passa o ano quase parado e fica sem contrato na Académica. O empresário sossega-o e garante-lhe que tem duas possibilidades, uma num clube da Liga e outra num da Liga 2. Pura ilusão. "O tempo passou, ele deixou de me atender as chamadas e depois acabou por dizer ao meu pai que estava muito magoado comigo por não ido para o FC Porto e que, afinal, já não tinha nada para mim. Eu ouvi aquilo e fiquei em lágrimas, completamente perdido". Acabou no Nelas, na antiga segunda divisão B, e os quatro anos seguintes são dignos de filme.
Um empresário levou-o até à Turquia e deixou-o por lá abandonado, entregue à sua sorte durante quatro dias, depois ainda andou a ligar a treinadores e presidentes dos clubes da zona centro e todos convergiam na resposta: "não". "Ia para deixar de jogar quando me aparece o BC Branco". Sobe de divisão nos albicastrenses, renova e surge o Covilhã, na Liga 2. Problema? Eram rivais!
O presidente do BC Branco recusa deixar sair Hugo Seco para os serranos e Hugo recusa ficar em Castelo Branco. Segue para o Fátima e passa oito meses sem receber. "Aí eu pensei que o futebol tinha acabado para mim". Não acabou. O extremo volta ao BC Branco, "apenas para desfrutar", e, ironia do destino, protagoniza a melhor época da carreira e aparece a... Académica.
"Já tinha atirado a toalha ao chão. Tinha dito mesmo aos meus familiares que ia ser um ano para me divertir e que no ano seguinte ia regressar a casa, arranjar um trabalho e jogar numa equipa da zona. O sonho do futebol profissional tinha acabado para mim. E no final dessa época, o meu atual empresário (Nuno Patrão) liga-me a dizer que tinha a Académica. Como assim? Uma possibilidade na Liga e logo no clube do meu coração. Melhor era impossível!", descreve.
Com tudo acordado, no entanto, no último jogo que faz pelo BC Branco, Hugo Seco fratura um dedo do pé e, nessa mesma semana, Sérgio Conceição, então treinador da Académica, ruma a Braga e chega Paulo Sérgio à cidade dos estudantes. "Apresento-me com gesso no pé e o treinador que me tinha ido buscar foi embora. O pensamento foi: que mais me vai acontecer?".
O treinador Paulo Sérgio tem uma conversa séria com ele, transmitiu-lhe segurança e chegou mesmo a impedir a sua saída no mercado de inverno para o Tondela (Liga 2). "Foram três meses a trabalhar no duro para ter uma oportunidade". A OPORTUNIDADE. 10 de janeiro de 2015, data da estreia na Liga ao serviço do clube do coração. Aos 25 anos, depois de tudo. Fantástico.
III - Descida, regresso e nova descida
Do sonho ao pesadelo. Não há outra forma de descrever aquilo que viria a acontecer na segunda época. 2015/16: Académica é despromovida à Liga 2.
"A equipa estava mal, mas nunca imaginei que fôssemos descer de divisão. Tínhamos um plantel mais do que suficiente para a manutenção. Quando se confirma a descida, estive 3-4 noites sem dormir. A vergonha era tanta que andei uns dias sem sair de casa e quando comecei a sair andava sempre cabisbaixo e não enfrentava as pessoas", lembra Hugo Seco.
As partes seguiram caminhos distintos e Hugo acaba por regressar ao clube, cinco anos mais tarde, com o objetivo de ajudar a Académica a subir ao escalão principal. O regresso não é visto com bons olhos por parte de alguns adeptos e o pesadelo continua: nova descida, desta feita à Liga 3.
"Aconteceu de tudo nesse ano. Alguns colegas não compreendem como é possível que alguns adeptos me assobiem e odeiem, mas eu percebo porque em parte a culpa é minha. Eu vinha marcado pela primeira descida e houve duas ou três vezes nesse ano em que fomos confrontados pelos adeptos e eu tive um comportamento que não devia ter. Errei", confessa.
"Lembro-me que me chamavam de chulo, que eu devia ter vergonha na cara por ir descer a Académica novamente e isso deixava-me completamente revoltado. Quando descemos da Liga, eu termino contrato e o clube tinha alguns valores para acertar comigo, entre salários e prémios, e eu abdiquei disso tudo, porque não tinha coragem de pedir nada. Depois tinha adeptos a chamarem-me de chulo e a dizer que eu estava a aproveitar-me do clube. Não tenho vergonha em dizer que só não recorri a acompanhamento psicológico porque essa fase coincidiu com o nascimento do meu segundo filho e agarrei-me a isso", acrescenta.
"Tinha recebido uma proposta para ir para um clube que acabou por subir de divisão nesse ano e assim que me ligaram da Académica nem pensei em mais nada. Vinha mesmo convicto de que íamos voltar à Liga e acabamos por descer. Nem imaginava a Académica na Liga 3... Cheguei ao final dessa época completamente destroçado e a pensar em deixar de jogar...", remata.
IV - O renascer da Briosa
Depois de algumas dúvidas, fica ou não fica, Hugo Seco acaba por acompanhar os estudantes na Liga 3. Após uma época "mais ou menos tranquila" em 2022/23, a Académica apresenta-se na nova temporada de cara lavada e chega a meio de dezembro como líder da Série B, após quatro vitórias consecutivas, curiosamente sempre com o capitão no onze.
"Tem de se dar mérito ao que a Académica está a fazer, não só aos jogadores, mas é de louvar o trabalho que as pessoas do clube estão a fazer para que os jogadores tenham o essencial. Sabemos que a Académica tem condições que muitas equipas profissionais não têm - uma academia e um estádio muito bom -, mas isso implica muito trabalho de manutenção", enaltece o jogador.
"A Liga 3 é muito competitiva e também é preciso dar mérito a quem formou este plantel, que é um plantel muito completo e equilibrado, em que podemos trocar qualquer jogador e o onze não fica nada inferior. Tenho de destacar também o lado humano destas pessoas. Temos um grupo excecional e está tudo alinhado para que o clube tenha sucesso e que seja um ano em grande", sustenta.
Passo a passo e longe dos fantasmas do passado, a crença começa a aumentar nas gentes de Coimbra. Estaremos perante o renascer da Académica? "Não podemos afirmar que a Académica vai lutar para subir, porque é difícil subir nesta divisão, em que há muito equilíbrio, tal como disse, mas o nosso objetivo é ficar entre os quatro primeiros e sinto que temos capacidade para isso".
Homenageado por ter atingido recentemente os 100 jogos ao serviço da Académica, Hugo Seco não esconde que o passado lhe coloca uma "pressão" diferente sobre os ombros: "Não sei o que o futuro me reserva, mas na minha cabeça sinto que tenho a obrigação de, pelo menos, meter a Académica num patamar acima do que está. Sinto essa necessidade. O objetivo do clube é, para já, ficar entre os quatro primeiros, mas eu tenho essa ambição. O meu maior sonho é colocar a Académica nos patamares onde já esteve".
"É impossível para qualquer academista ou pessoa de Coimbra imaginar a cidade sem a Académica. Não passa pela cabeça de ninguém que a Académica não consiga reerguer-se novamente. Um clube com esta grandeza e estes adeptos, impossível não dar a volta. A Académica não vai acabar e vai voltar aos patamares onde já esteve!", anota.
Nesse processo, os adeptos, na opinião de Hugo Seco, têm um papel importante. Do ponto de vista pessoal, o extremo admite que "algumas feridas ainda podem estar abertas", por todo o passado, mas sente que, em termos coletivos, a equipa "não podia pedir mais apoio" nesta fase.
"Existe uma onda muito positiva entre adeptos e jogadores. Estamos todos no mesmo barco e eu só posso pedir que continuem a acreditar. No que depender de nós, jogadores, tudo faremos para honrar o clube e dar o máximo de alegrias aos adeptos", completa.