Entrevista Flashscore a João Pereira: "Não quero estar no futebol em modo sobrevivência"
"Objetivo é lutar pela subida de divisão"
- Esta é a segunda época do João como treinador principal na Liga 3. Qual o balanço destes primeiros tempos ao serviço do Alverca?
- O tempo dá-nos a capacidade e a experiência para interpretarmos o contexto. Já somos mais conhecedores da própria divisão. Este é um projeto diferente do que foi o Alverca nos últimos dois anos, com uma equipa mais jovem, mas não deixa de ser ambicioso por isso. O objetivo é lutar pela subida de divisão, num projeto altamente aliciante para nós enquanto equipa técnica. Já conseguimos bater o recorde de pontos do Alverca na 9.ª e 10.ª jornadas na Liga 3.
- Está pelo segundo ano envolvido num projeto de subida. Acaba por ser o reconhecimento do seu trabalho?
- Sim, espero que sim. A mensagem também foi essa: reconhecimento do trabalho que foi feito no ano anterior, daí terem sinalizado o meu nome para abraçar este projeto. Obviamente, não fui o único nome, mas fico muito grato e orgulhoso pela escolha. Mesmo tendo alguns convites de Liga 2, acabei por abraçar este projeto por acreditar nele e ter gostado da forma como foram geridas as reuniões para assinar pelo clube. Acho que é o contexto certo para estar, pois coloca-nos constantemente ligados à ficha e à procura de soluções. Isso faz-nos crescer cada vez mais.
- Pergunto-lhe quais são as exigências desta Liga 3 e se há muitas diferenças para a Liga e Liga 2?
- A velocidade do jogo é diferente. Ou seja, a velocidade de execução e raciocínio dos jogadores. Mas não há muitas diferenças. Na parte estratégica não existe diferença. Já nos deparamos aqui com equipas a terem dois sistemas dutante um jogo, algo que acontece muito na primeira e segunda ligas. Isso obriga-nos a encontrar soluções para os nossos jogadores.
- O João é uma pessoa muito obstinada pelo trabalho e conta com uma equipa muito vasta e disciplinada ao seu redor. É isso que justifica o sucesso?
- Algo que faz parte da nossa identidade: somos muito metódicos e rigorosos. Isso vem da escola do FC Porto onde estive inserido, em que não há outra forma de trabalhar. Vamos ao detalhe do detalhe. Acredito que podes vencer sem ser metódico, mas para chegar a grandes patamares europeus acho que não existe outra forma que não seja a de ter uma equipa técnica metódica. Há cada vez mais informação à disposição e isso traz exigência cada vez maior a nível mental e organizativo.
- Já são dois anos enquanto treinador principal...
- O nosso trajeto deixa-nos orgulhosos, porque na primeira época conseguimos ficar em primeiro lugar, embora a corrida tenha sido perdida no sprint de 100 metros (Amora não alcançou a subida à Liga 2). Mas isso não apaga nada do que fica para trás, nem afeta o nosso ego e consciência. Demos o melhor de nós. Não queremos viver do passado, mas sim do presente e do futuro.
"Tenho de cuidar de mim do ponto de vista físico e mental"
- Como é que o treinador João se prepara no dia-a-dia?
- Acordo às 6:30 e às 7:30 já estou no clube. Existe um trabalho da minha parte que envolve muito a recuperação mental, algo que valorizo bastante. Não quero estar no futebol em modo sobrevivência, quero desfrutar e para isso preciso de ter saúde e para ter saúde tenho de cuidar de mim, do ponto de vista físico e mental. Faço meditação, exercício físico e tenho a minha forma de desligar do futebol para ter outros hobbies ou o simples facto de estar com a família. Depois é trabalhar com um conjunto de pessoas que me permitem ser um treinador cada vez mais forte em várias áreas: imagem, comunicação - é importante comunicar em vários idiomas para estarmos mais próximos e mostrarmos respeito por quem nos rodeia -, novas tecnologias - a inteligência artificial é cada vez mais uma realidade - e nutrição. Exigimos muito dos outros, mas também exigimos de nós próprios.
- Nesta temporada a sua equipa já fez vários golos que demonstram o designado trabalho de laboratório. Para um treinador tem um gozo especial ver que aquilo que trabalha no treino dá frutos no jogo?
- Tem, mas ainda estamos longe do que pretendemos. É importante que o foco esteja no coletivo, em pensar na ideia mediante as caraterísticas dos jogadores. O outro foco é potenciar o individual e fazer com que os jogadores se sintam valorizados. E temos de fazer esse trabalho com todos.
- Segue-se a visita a Coimbra para defrontar um clube que acredito que seja muito especial para si (a Académica). Como é voltar a casa?
- Muito honestamente, só a vitória tem significado. Enquanto treinador principal ainda não consegui vencer a Académica e aqui em Alverca estivemos perto. Foi talvez o nosso melhor jogo, mas acabamos por perder por alguma imaturidade da nossa parte. Queremos agora fazer de forma diferente e ser mais inteligentes, embora exista a consciência de que vamos encontrar uma equipa que está mais forte comparativamente com a 2.ª jornada.
Académica-Alverca no Flashscore
- Qual a avaliação que faz da série em que está inserido o Alverca, nomeadamente em comparação com a da época passada?
- Não tem tantos clubes históricos, nem tantos adeptos como na época passada. Não vai existir uma série como existiu o ano passado, com clubes que mobilizam muitos adeptos, como a UD Leiria, Vitória de Setúbal, Belenenses... Este ano está um pouco diferente, mas do ponto de vista de qualidade está equillibrado: bons treinadores e bons jogadores. A luta vai ser até ao final e quem não entender isso vai ficar de fora do que é a fase de subida.
"31 anos? As pessoas olham para o trabalho"
- Com 31 anos, o João é o treinador mais novo da Liga 3. Alguma vez sentiu o estigma da idade por parte de dirigentes e/ou jogadores?
- Nunca senti isso. Sempre fui o mais novo por onde passei e tudo isso acaba por ser esquecido com a forma como te preparas e o que demonstras diariamente. As pessoas não pensam na idade, mas sim no que fazes, sendo que o sucesso é relativo. Com 31 anos, enquanto treinador, sou muito grato por estar na Liga 3, mas existem outros treinadores no futebol mundial que estão em primeiras ligas com 30/31 anos. Mas confiamos muito no nosso trabalho, acreditando sempre que para este trabalho ser correspondido temos de estar em bons clubes.
- O que pode prometer aos adeptos do Alverca?
- A única coisa que podemos garantir é que vamos lutar para ganhar. Seria arrogante dizer que vamos ganhar todos os jogos, mas vamos lutar por isso. Tentaremos ter sempre uma mentalidade ambiciosa e uma equipa ofensiva que goste de criar oportunidades, fazendo disso a imagem do clube. Queremos encontrar o caminho da consistência e isso passa por vencer a Académica no próximo jogo.
- Convido-o a imaginar-se na bancada a ver um jogo do Alverca. O que está a ver?
- Uma equipa que tem variabilidade tática do ponto de vista ofensivo e defensivo. Uma equipa que sabe atacar e defender de várias formas. Uma equipa que sabe jogar curto e longo, que joga para a frente, com objetivo de procurar a baliza e cada vez mais forte na reação à perda e no encurtamento de espaço. E vejo uma equipa que quer ser mais forte nas bolas paradas.
- Quais são as suas ambições?
- Sou uma pessoa muito intensa e que vive muito o dia-a-dia. Mantenho sempre a premissa de estar preparado para uma oportunidade que possa surgir, em vez de não estar preparado e essa oportunidade surgir. A minha equipa técnica também tem essa consciência e rigor. Queremos chegar à Liga. Se por algum motivo, esse caminho não surgir enquanto treinador principar ou eu próprio decidir nesse sentido, gostava de trabalhar com alguém extremamente competente.
- Apelando ao seu sentido crítico, como olha para o futebol português?
- Penso que existe muito talento no nosso mercado, mas penso que é um mercado que tem de ser respeitado. Não pode ser tão permeável. Não é por acaso que temos treinadores a querer sair de Portugal. Sabemos que o futebol é negócio, mas o dinheiro só existirá se houver estabilidade. Os dirigentes precisam de ser seletivos e saber se aquilo que contratam vai ao encontro das suas ideias e das ideias do clube. Ainda temos de dar um passo nesse sentido em Portugal.