Entrevista Flashscore a Luís Pinto: "Ninguém anda nesta profissão se não existir paixão"
A paixão pelo futebol fazia com que Luís Pinto conciliasse o futebol em várias vertentes. Da faculdade ao campo, onde jogava na antiga segunda divisão B e treinava nos escalões de formação no Boavista. No entanto, uma proposta para ser adjunto no Trofense, aos 24 anos, em contexto profissional, fez com que tomasse a decisão de deixar para trás o papel de futebolista para assumir o de treinador a tempo inteiro.
"Adorei ser adjunto", conta. Mas não resistiu ao convite "inesperado" para ser principal aos 29 anos, então ao serviço da UD Leiria: "É verdade que foi cedo e inesperado, mas estava mais do que preparado. Era irrecusável, mas, infelizmente, mostrou-me a parte mais negra do futebol".
"Preferi ser fiel aos meus valores e tomaria a mesma decisão hoje. Considero que um treinador deve ser autónomo nas suas decisões, até porque quando corre bem o mérito é de todos, mas quando corre mal o problema é só do treinador, e mais vale pensarmos pela nossa própria cabeça. Queriam que eu metesse um jogador a jogar, não o meti e fui despedido. Faz parte", recorda Luís Pinto, em entrevista ao Flashscore.
Uma lição para a vida. Seguiram-se passagens por Mirandela, Felgueiras e Real SC antes de viver o "sonho" da Taça no Leça, num clube em que as condições "eram precárias", mas onde a paixão das pessoas permitiu uma época "extraordinária": "Mostrou-me que somos capazes de fazer coisas interessantes se nos focarmos no essencial".
De Lourosa, "provavelmente o pior trabalho até agora", apareceu o desafio para tornar possível o "impossível".
"Acreditava que o caminho seria em linha reta a subir e que as coisas iam acontecer de forma natural na minha carreira, mas, com o passar do tempo, percebi que o caminho podia ser ascendente, mas não ia ser em linha reta, ia ser de altos e baixos", resume.
E o caminho no Fafe tem sido ascendente. Depois de alcançar a manutenção contra todas as perspetivas em 2022/23, Luís Pinto colocou os justiceiros na luta por uma vaga nos quatro primeiros em 2023/24, terminando 2023 com uma percentagem de vitórias de 42,86%, a mais alta de um treinador do Fafe (cinco antecessores) num ano civil desde que o clube compete na Liga 3.
"Poucos acreditavam que seria possível"
- Chegou a Fafe a meio da temporada passada para alcançar o objetivo da manutenção. Qual o balanço?
- As coisas têm corrido bem desde que estamos em Fafe. Conseguimos um objetivo que poucos acreditavam ser possível no ano anterior e este ano estamos a fazer o nosso trajeto como tem de ser.
- O Fafe era dado como condenado à descida ao Campeonato de Portugal. O que permitiu esse "milagre"?
- Quando surgiu a possibilidade de vir para o Fafe, tive gente da minha confiança que me disse para ter algum cuidado. Circulavam notícias sobre ordenados em atraso, mas a verdade é que era um desafio numa divisão acima e queria muito aceitar esta oportunidade. Aliás, sentia que tinha capacidade para abraçar o desafio. O formato era de tal forma difícil, o momento era difícil (seis derrotas e um empate), que era preciso uma força de vontade gigante para fazer acontecer. O segredo foi trabalhar muito e mostrar aos jogadores que era possível. Tínhamos um lema - "fazer com que isto valha a pena" - e fizemos com que valesse a pena para toda a gente. O grupo uniu-se de tal forma que tornou tudo possível. Tivemos grandes homens ali no meio que permitiram ao Fafe preparar o futuro de outra forma. O clube saiu mais forte e os jogadores e a equipa técnica saíram mais valorizados. Valeu a pena.
- Teve a possibilidade de preparar a época 2023/24 desde o início. Como correu esse processo?
- O Fafe passa por um processo novo. A SAD entrou e teve um primeiro trabalho de liquidar contas em atraso e limpar o nome do Fafe nesse aspeto. Mas foi difícil contratar jogadores no início da época. Esse trabalho é hoje muito mais reconhecido do ponto de vista de credibilidade e começa a dar frutos. O clube e a cidade merecem. Isso também faz com que olhe para aquilo que alcançámos na época passada e fique feliz porque conseguimos ajudar o clube a ter um futuro completamente diferente. Se tivessemos descido, as coisas seriam, muito provavelmente, diferentes.
- Teve a possibilidade de escolher jogadores à sua imagem?
- Tive a possibilidade de escolher jogadores ao meu gosto, sempre em consonância com a parte da direção desportiva. É completamente diferente do que chegar a meio, disso não há dúvidas. Só tenho coisas boas a dizer dos meus jogadores, que têm crescido muito ao longo da época.
- A equipa atravessa um bom momento (três vitórias e um empate nos últimos cinco jogos), mas o início foi complicado (uma vitória nos primeiros sete jogos). O que falhou no início?
- Tivemos um início que criou alguma frustração na equipa. Estavamos muito bem do ponto de vista exibicional, mas os resultados não estavam a acompanhar. O golo sofrido em São João da Madeira, frente à AD Sanjoanense (1-1), nos descontos, abalou a equipa e tivemos uma série negra de cinco jogos, com a eliminação na Taça de Portugal pelo meio. Obviamente que tivemos de mudar uma ou outra nuance, nomeadamente a nível de estrutura (de 4-3-3 para uma linha de cinco na defesa), mas creio que o fator decisivo foi o de continuarmos fiéis ao nosso trabalho. Não andavamos ao sabor do vento e isso leva à crença e confiança dos atletas. Assim que conseguimos relativizar a competição, crescemos enquanto equipa.
- Os jogadores aceitaram bem a mudança de sistema?
- Eles perceberam que essa alteração seria importante para a equipa, sobretudo em termos de estabilidade, e aconteceu tudo de forma muito natural.
- Por força dos resultados, a paragem veio em má altura?
- As paragens existem e não vale a pena pensar nisso. Do ponto de vista mais pessoal, eu gostava que houvesse menos paragens, porque gosto de estar sempre a competir, mas a nós compete-nos capitalizar esses períodos em algo bom. A verdade é que os jogadores foram mais satisfeitos para as festas natalícias e conseguiram desfrutar desse período de outra forma. Agora é pés bem assentes no chão para o que aí vem.
- O Fafe ocupa o 3.º lugar, mas tem apenas mais três pontos do que o 9.º e penúltimo classificado. O que isto diz sobre a vossa série?
- Diz muito sobre a sua competitividade. Portanto, quanto mais acharmos que temos de estar focados em objetivos a longo prazo, mais difícil será para os atingir. Temos de manter a nossa forma de estar, desde o início da época, porque se andarmos ao sabor daquilo que são as fases... Já estivemos descidos, já andamos mais ou menos e agora temos de subir de divisão. Isso não existe. Há uma competitividade enorme na Liga 3 e temos de colocar o foco no essencial que é trabalhar no máximo e preparar o próximo jogo. O próximo desafio é dia 5 de janeiro (hoje) contra o Felgueiras e é o único objetivo que nos interessa.
"O objetivo é claramente a manutenção"
- Mas qual é o objetivo do Fafe para esta temporada?
- Manutenção. O objetivo é, claramente, a manutenção. É muito importante que o Fafe consiga a manutenção na Liga 3 e é para isso que estamos a trabalhar.
- Esse é um objetivo que pode ser alcançado já numa fase prematura da época, se terminarem a fase regular nos quatro primeiros lugares. Caso isso aconteça, olhos na subida?
- Aquilo que mais queremos é a manutenção, obviamente que será melhor se conseguirmos mais cedo. Agora o que pode vir a seguir, são coisas que, muito honestamente, nem sequer me passam pela cabeça, neste momento. São muitos "ses".
- O treinador Luís está satisfeito com o plantel que tem à sua disposição?
- Sim, estou muito satisfeito. A capacidade de resiliência, de acreditar nos momentos mais difíceis, de sentir da parte deles que todos continuam com uma crença muito grande, isso deixa-me muito satisfeito. Agora as pessoas sabem que precisamos de reforços, até para aumentar o número de opções. O plantel é curto, fruto de algumas lesões que também temos tido, e precisamos de reforçar em termos de quantidade. E claro que vamos procurar qualidade nessa quantidade. Mas, reforço, estou muito satisfeito com os meus jogadores, sobretudo pela entrega que têm tido a esta causa.
- Quais os principais desafios para os últimos quatro jogos da fase regular?
- O maior desafio será manter a humildade para trabalhar bem e, de preferência, aumentar essa capacidade de trabalho. Nós, enquanto equipa técnica, temos de ter a capacidade de focar toda a gente no presente. Se, por algum motivo, vivermos mais o dia de amanhã do que o dia de hoje, estaremos a dar tiros nos pés. Temos de focar-nos nas oportunidades em termos de crescimento, pois só assim vamos ser mais fortes no futuro.
- Que mensagem tem para os adeptos?
- Os adeptos andam mais felizes, sem dúvida, mas há uma coisa de que não nos podemos queixar: falta de apoio. Sentimos um apoio muito grande da parte deles, mesmo nos jogos fora. Tivemos deslocações a Felgueiras na fase menos positiva e os adeptos foram em massa e estiveram à chuva. Isso reflete muito a forma de estar das pessoas de Fafe e foi muito importante para percebermos que íamos estar sempre acompanhados ao longo da época. Manifestaram algumas vezes o desagrado pelos resultados menos positivos, mas sempre de forma muito cordial. Os adeptos de Fafe vivem muito o clube e temos o desafio de puxar ainda mais essa força da nossa bancada. Queremos demonstrar em todos os jogos o quanto estamos dispostos a defender e orgulhar as pessoas de Fafe. Temos de dar tudo.
"Gosto de ajudar os meus jogadores a tomar as melhores decisões"
- O que espera de 2024?
- Desafios. E de preferência que sejam concluídos com a maior taxa de sucesso possível. Não só a nível de resultados, mas também de crescimento enquanto treinador, equipa técnica e de uma ideia de jogo que temos. Acima de tudo, desejo entrar no novo ano a vencer.
- Nada arrependido da decisão que tomou de abraçar o papel de treinador principal aos 29 anos?
- De todo. Não estou nada arrependido! Apesar de mais dores de cabeça (risos), estou muito feliz por estes cinco anos de muita aprendizagem.
- Com a mesma paixão?
- Ninguém anda nesta profissão se não existir paixão. É desafiante, mas permite-me fazer o que mais gosto todos os dias.
- O que mais gosta no seu papel?
- Eu gosto de ajudar os meus jogadores a tomarem as melhores decisões, que muitas vezes são as mais simples.
- E o que mais gosta nas suas equipas?
- Boa tomada de decisão, que consiga interpretar os vários momentos do jogo e, sobretudo, aquilo que ele está a pedir em determinado momento. Depois, não gosto que o jogador pense muito em campo. Gosto que eles tomem boas decisões, logicamente, mas que o pensamento seja fluído. Se pensarem muito tempo em campo, vão demorar muito tempo a excecutar e o risco de perderem a bola é maior. Gosto que a minha equipa jogue de forma solta.