João Pereira acabou com jejum de 19 anos do Alverca: "Era o sonho de muita gente"
"Queremos continuar a escrever mais páginas de história"
- O Alverca acaba de confirmar a subida de divisão e ainda o título de campeão nacional da Liga 3. Já conseguiu absorver todas as emoções?
- Sim. Ainda não conseguimos fechar um ciclo, porque ainda falta um jogo e queremos essa vitória, para conseguirmos o recorde de pontos. Seria fantástico, porque conseguiríamos fazer mais pontos nesta segunda fase com menos jogos em comparação com a primeira fase. Já desfrutámos um pouco, claro que sim, mas é um momento muito curto, porque temos de pensar no próximo jogo e naquele que será o próximo passo, seja do clube, dos jogadores e até do treinador. A vida é feita disto. Tanto se passa de bestial a besta, como de besta a bestial, num instante. Agora estamos num patamar de bestiais, mas podemos passar a bestas, daí acreditar muito na antecipação e preparação contínua. Agora é virar a página, isto é algo que já está na história do Alverca e do futebol português, mas agora queremos continuar a escrever mais páginas de história.
- Foram 19 anos de ausência dos campeonatos profissionais. Ficar com o nome gravado na história do clube tem um sabor especial?
- Tem. A vitória é mesmo de todos e não é um discurso feito. Existiram vários momentos ao longo da época em que os jogadores agarraram-se à ideia e liderança do treinador. A direção também acreditou sempre, nunca sentimos desconfiança ou descrença, e isso levou-nos a acreditar nos objetivos declarados desde que assinamos com o Alverca. Recordo-me de ver o Alverca na primeira divisão. Tinha 13 anos e deixa-me orgulhoso poder ter a minha família presente, nomeadamente o meu avô, que se recorda melhor do que eu de ver o Alverca nas competições profissionais. Conseguimos escrever o nosso nome na história do Alverca com o regresso aos escalões profissionais, dezanove anos depois, mas para além disso, o Alverca foi pela primeira vez campeão nacional.
- Começaram a fase de campeão com uma derrota, mas depois somam dez vitórias e três empates. Como se explica?
- Ouvimos muitas vezes os treinadores presentes na Liga dos Campeões, as vitórias conseguem-se com jogadores inteligentes, líderes, qualidade e poderíamos falar de tantas outras características importantes. Mas a confiança, a crença, a exigência, o rigor e o trabalho foram os nossos pilares, sendo que a exigência é permanentemente colocada dentro do próprio clube. Penso que esse foi o grande segredo.
Podemos olhar para a equipa de várias formas, seja do ponto de vista defensivo ou de transição, mas acho que somos a equipa mais equilibrado naquilo que são todos os momentos de jogo. Como é que isso se consegue? Com muito treino, muito treino complementar, vídeo individual, coletivo e setorial. Além disso, constumo dizer que nós conhecemos tão bem os nossos adversários como eles se conhecem a eles próprios. É um trabalho exaustivo. (...) O Alverca é um clube que nos deu todas as condições para subir e foi isso mesmo que aconteceu.
"O orçamento era quatro vezes menor"
- Como é que os adeptos encaram esta fase do clube?
- Era o sonho de muita gente. Temos uma pessoa que trabalha internamente connosco, mas também é nosso adepto - Sr. Grosso - e ele diz que há pessoas que não tiveram a oportunidade de estar vivas para ver o Alverca ser campeão. Nós ficamos lisonjeados com as palavras porque vem de uma pessoa que trabalha há muito tempo no Alverca e já viu muitos jogadores, muitos treinadores e fala agora com muito orgulho desta conquista. Essas são as maiores vitórias que temos para além de taças e medalhas. Queremos concretizar sonhos, como o sonho do presidente Ricardo Vicintin. Esta vitória parte muito dele, porque sempre acreditou em nós e acreditou que isto seria possível.
Um dado importante é que, pela primeira vez na Liga 3, esta direção e este presidente confiaram numa equipa técnica do princípio ao fim e isso acaba por ser um bom exemplo de gestão desportiva. Acho que estamos a evoluir mais nesse sentido em Portugal.
- O próximo jogo é o jogo 60 do João e da sua equipa técnica na Liga 3. São 34 vitórias, dez empates e 15 derrotas. O ano passado realizou um excelente trabalho no Amora e agora conseguiu ter ainda mais sucesso no Alverca. Isto não é obra do acaso...
- Costumo caracterizar a minha equipa técnica da seguinte forma: se não tivermos de dormir, não dormimos. Agora mais a sério, temos de ser gratos pela oportunidade que temos. Fazemos parte de um mercado português com muito talento e que exporta muito e temos a felicidade de trabalhar no futebol sénior, na terceira divisão portuguesa, com todo o profissionalismo e visivilidade que ele nos dá.
É o segundo ano que trabalhamos neste contexto e eu acredito que fizemos bons trabalhos, apesar de não termos subido na época passada. Mas como disse em entrevistas anteriores, nunca vai haver uma série tão forte como a do ano passado, em que o Amora era um completo outsider e acabou por ser destaque numa série onde estava Vitória FC, Alverca, UD Leiria, Académica, Belenenses e muitos outros históricos. Nós conseguimos potenciar a marca Amora e potenciar muitos ativos. Agora no Alverca conseguimos ainda mais vitórias e potenciar clube e jogadores.
- Tinha referido também que o orçamento era substancialmente menor ao dos anos anteriores...
- O Alverca consegue esta conquista com um orçamento quatro vezes menor do que o da época passada. Falam que o Alverca tem dinheiro, mas não se compara com o orçamento de há dois ou três anos. Sempre foi a equipa do quase e agora conseguimos concretizar a subida, com alguns jogadores que vêm do campeonato distrital e campeonato sub-23. Tivemos de montar um puzzle praticamente novo, apenas com oito jogadores a transitarem da época passada.
- Outro pormenor interessante é que o João tornou-se o treinador mais jovem a sagrar-se campeão nacional. Já tinha dito que a idade não era relevante, mas é um assunto inevitável...
- A idade é um número. Ter 32 anos e ser treinador principal não é responsabilidade nenhuma. Se virmos noutras divisões, como na Alemanha, já existem treinadores a disputar Primeira Liga e a disputar competições europeias. É algo que temos de evoluir em termos de mentalidade e cultura desportiva. Já existem situações pontuais, mas são pontuais. Penso que pode haver um ponto de equilíbrio entre idade/competência.
Mas uma responsabilidade é ter de tomar conta de uma mãe aos 16 anos, ter de trabalhar aos 15 para meter dinheiro em casa e tomar conta do meu pai. Isso sim é uma responsabilidade. Ser treinador de futebol é um prazer e tem de ser um privilégio. (...) A minha liderança é muito fruto do que foram as vivências de criança e adolescência que acabaram por acelerar a minha vida pessoal. Tenho uma liderança aberta e transparente, em que procuro fazer com que toda a gente se sinta válida. É difícil chegar a todos, naturalmente, mas o princípio é que todos sejam parte ativa. A exigência é a mesma para todos.
- É fácil que todos olhem para o mesmo objetivo?
- Não é facil, pois é algo que dá muito trabalho, mas dá muito prazer. São 30 e poucos jogadores, 30 personalidades diferentes com experiências e culturas diferentes. Temos um lema muito presente: "Todos somos um". Sabemos que qualquer indivíduo sairá valorizado se o coletivo for valorizado. Isso consegue-se com bom ambiente de grupo e eu tenho a sorte de poder contar com jogadores que também me ajudam diariamente.
"Sinto-me bem e feliz no Alverca, mas..."
- O futuro do Alverca passa pela Liga 2, mas por onde passa o futuro do João? O telefone já tocou?
- Estamos em fase de conversações. O telefone já toca, seria hipócrita ou estaria a mentir se dissesse que não. As pessoas estão atentas ao trabalho, tanto a nível nacional como no estrangeiro, mas isso compete ao meu empresário. Eu sinto-me bem e sou feliz no alverca, mas para lá da felicidade que sinto tenho uma enorme gratidão. É uma questao de conversarmos e resolver o que haja para resolver. Eu nunca tomo decisões de forma precipitada, nunca decidi no dia, pois carrego comigo pessoas na minha equipa técnica, e todos temos de dar respostas em casa. Para termos rendimento as familias têm de estar bem. O futuro será o melhor para todas as partes.
- E poderemos ver jogadores do Alverca na Liga?
- Penso que sim. Eu amo os meus jogadores. Vão ficar eternamente no meu coração. Daqui a 20 anos, seja onde for, terão a porta aberta para conviver comigo e irei sempre atender-lhes o telefone. Se sou treinador de subida devo-o ao nosso clube e aos nossos jogadores.
Sobre a pergunta em si, acredito que teremos jogadores a jogar numa primeira liga na próxima época, porque têm esse nível. Eu nunca estive lá para ter este argumento de forma criteriosa, mas já treinei jogadores de primeira liga e de Seleção, como Fábio Vieira, Vitinha, Reinildo, Mexer e Geny Catamo. Mas não vou especificar quais os jogadores do Alverca, pois poderia estar a ser injusto ou a esquecer-me de alguém.
- Sendo um treinador muito atento ao que se passa ao seu redor, como tem visto o futebol português?
- Em termos de produto, é um bom produto. Estamos sempre à procura de mais e somos pessoas curiosas, mas diria que é um produto que potencia jogadores e treinadores. É claro que pode evoluir em todas as divisões e todos nós, dirigentes, temos essa responsabilidade. Ainda precisa de dar um salto na parte económica, porque o conceito de amor à camisola é importante, mas não paga contas. Não falo do meu caso, atenção, mas conheço alguns. Corremos atrás de propósitos e de sonhos, mas também corremos atrás de melhores condições de vida. Não há nada melhor do que a nossa felicidade e da nossa família.
- Para terminar esta entrevista pedia-lhe três palavras que descrevem o Alverca?
- Corajoso, trabalhador e exigente.