Ricardo Pessoa, treinador do Lusitânia: "Tem sido fantástico viver nos Açores, sinto-me em casa"
Ricardo Pessoa é a cara mais visível da caminhada de sucesso do SC Lusitânia dos Açores no último ano e meio. O antigo jogador de clubes como Vitória FC, Moreirense e Portimonense vive dias felizes no arquipélago, que equipara à tranquilidade do "seu" Alentejo, e conduziu o histórico clube de Angra do Heroísmo a 30 vitórias em 46 jogos.
A viver a primeira experiência enquanto treinador principal, depois de quatro épocas como adjunto no Portimonense, Ricardo Pessoa abriu a porta ao Flashscore para dar conta do presente e do futuro de uma carreira que espera continuar a ser de enorme sucesso. Mas sempre, "sempre com os pés bem assentes no chão".
"Este trajeto excedeu as nossas expectativas"
- Qual o balanço que o Ricardo Pessoa faz deste ano e meio à frente do Lusitânia dos Açores, em que levou o clube da distrital à fase de subida à Liga 3. Superou as suas expectativas?
- Sim, excedeu as nossas expectativas. Nesta primeira experiência como treinador principal num campeonato nacional, o que tínhamos por base era garantir a manutenção e ter um campeonato tranquilo. Houve muitas equipas em sobressalto até ao final e nós queríamos fugir dessa posição. Tivemos um período turbulento depois do jogo com o Benfica, com um empate e duas derrotas, que é perfeitamente normal, mas depois tivemos uma série de seis vitórias. A meio desse percurso achamos que podíamos lutar por este lugar de acesso à Liga 3 e a equipa foi acreditando. Mas não era de perto, nem de longe o objetivo do clube, até porque não podia ser. O clube vinha de momentos complicados e queríamos estabilizá-lo nos campeonatos nacionais. Hoje é tudo muito bonito, mas um ano menos conseguido pode levar o clube a descer patamares que não lhe interessam.
- Subida ao Campeonato de Portugal e presença na fase de subida para a Liga 3. É reconfortante perceber que o sucesso não é obra do acaso?
- Começo mal habituado (risos). Todos sabemos que esta profissão vive muito do sucesso e do insucesso. Existe uma linha muito ténue entre eles e nós treinadores temos de estar conscientes disso. Foi um ano e meio de sucesso, mas tenho sempre os pés no chão. Há aqui competência e não me refiro só ao que eu tenho feito, mas ao trabalho de todos aqueles que estão comigo, principalmente aqueles que são os artistas, entenda-se os jogadores, que compraram a nossa ideia. Quando os jogadores acreditam no que passamos estamos mais perto de ter sucesso. Agora, estando nesta fase, não vamos passear ou para ser só mais uns. Vamos tentar ser protagonistas.
- Muitos conheceram o Lusitânia no jogo com o Benfica, mas para quem não teve essa oportunidade, o que não pode faltar numa equipa do Ricardo?
- Não pode faltar alegria. Somos uma equipa que gosta de ter bola, gosta de atacar e gostamos que as pessoas se divirtam a ver um jogo do Lusitânia. Temos essa filosofia, mas nem sempre conseguimos colocar tudo em prática. Procuramos jogar para a vitória em qualquer jogo, como ficou patente também nesse jogo contra o Benfica, em que fomos iguais a nós próprios. Não mudamos a nossa forma de pensar e não frustramos os nossos jogadores. Num jogo desses, se mudasse o que estão habituados a fazer e o que gostam, além de perder o jogo ia perder uma equipa.
- O Lusitânia esteve inserido numa série muito competitiva. Como foi preparando a equipa para os desafios?
- Olhamos muito para os últimos campeonatos e para as pontuações que permitiram a manutenção. Tenho de dizer também que o campeonato terminar a 7 de abril... Há aqui problemas de organização e os jogadores sofrem na pele. Até recomeçar a próxima época são alguns meses sem competir e sem receber e sabemos como está o mundo.
Sobre a nossa série, já tive a curiosidade de analisar e somos a única série com três equipas que fizeram 50 ou mais pontos. Foi uma luta tremenda até ao final. Não houve mais nenhuma série com estes números e isso demonstra o equilíbrio desta série. Gosto que os campeonatos sejam competitivos porque isso tira o melhor de nós e dos jogadores. Mas temos de olhar para o sofrimento de clubes e jogadores, que estão nisto para fazer vida. Alguma coisa tem de mudar um bocadinho, porque é injusto para algumas equipas que façam 30 e tal pontos descerem.
"Não é fácil contratar jogadores para equipas dos Açores"
- O objetivo era "apenas" a manutenção, mas a realidade é a fase de subida. E agora?
- Vamos encontrar um Vitória FC que conheço muito bem, uma casa onde cresci e me fiz homem. Estou muito contente e motivado por isso, pelo clube que é, um dos maiores de Portugal, que é provavelmente o favorito a estar da Liga 3. Temos ainda o Moncarapachense que estava na Liga 3 no ano passado e tem ambições de subir e o União de Santarém, que também assumiu desde início o objetivo de subida. Nós somos a única equipa das oito que veio da distrital, que não é candidata nem favorita, assumo isso sem problema. Mas no começo da competição são 25% para qualquer uma das equipas. O que posso garantir é que vamos ser competitivos e lutar por todos os pontos.
- Como vai preparar a equipa para este mini-campeonato?
- Se tivemos sucesso na forma como temos vindo a conduzir a nossa participação no Campeonato de Portugal, não há aqui matéria para alterar alguma coisa. Temos de ser iguais a nós próprios. Não há muitos segredos, é continuar com os mesmos processos e metodologias, sabendo que o desgaste será maior, sobretudo do ponto de vista emocional, do querer atingir um objetivo que não estava preparado. (...) Não posso esquecer também que, quando vamos jogar fora, acordamos às 04:00 para apanhar o voo às 06:00 em direção a São Miguel, depois, apanhamos outro voo de São Miguel para o continente e, muitas vezes, ainda temos duas horas e meia de autocarro. Por isso, vou ter um cuidado extra nesse sentido. Se para nós (equipa técnica) é desgastante, imagino para eles (jogadores). Mas também valoriza ainda mais o trabalho dos jogadores.
- A questão da insularidade é de facto relevante. Que peso tem?
- Já não é fácil contratar jogadores para equipas dos Açores. Temos de ser muito criteriosos e explorar varias opções. É totalmente diferente para os jogadores mudarem a vida para os Açores do que para o Porto ou Lisboa. Mas não me queixo, nem as equipas do continente têm culpa. Não me vou agarrar a isso, pois sabíamos que era isto que íamos encontrar e fomos tentando fazer o melhor e deu resultado.
"Nunca tive dúvidas do que queria fazer quando deixasse de jogar"
- Como surgiu a oportunidade nos Açores e que novo mundo encontrou no arquipélago?
- Decidi enveredar pelo caminho de treinador principal e este convite surge pelo diretor desportivo Paulo Moreira e o presidente Luís Carneiro. Lembro-me da reunião via zoom em que eles me puseram muitos obstáculos à frente para ver se eu estava preparado, desde ter de conduzir carrinhas, ter de servir refeições e de não ter a melhor roupa para treinar, até pela realidade de onde vinha. Isso para mim nunca foi problema, sempre fui humilde e vivi perto do campo.
Tem sido uma agradável surpresa. É um clube fantástico, que está adormecido, e o mais titulado dos Açores. Tenho vivido coisas que nunca tinha vivido antes e ver o futebol como eu gosto de o ver também. Um futebol mais humilde. Tem sido um ano e meio muito agradável e posso dizer que os Açores já ficaram marcados em mim. Queremos continuar a fazer crescer este clube, que passou por muitos problemas financeiros. O presidente e direção têm feito um esforço fora do normal para que não falte nada. Tem sido fantástico viver nos Açores, sinto-me realmente em casa, como se estivesse no meu Alentejo.
- Sente a responsabilidade de estar a representar uma região?
- Responsabilidade sempre, mas um prazer enorme em representar os Açores, não só a Terceira, mas toda a região. Representamos muita, muita gente que nunca esteve no continente, e representá-los bem fora de casa é um prazer enorme. Ganhamos afinidade com as pessoas, com a região e isso está sempre presente quando viajamos até ao continente.
- Como foi a passagem de jogador para treinador? Algo pensado ou surgiu como uma oportunidade para amenizar a saudade que pudesse eventualmente surgir após pendurar as chuteiras?
- Nunca tive dúvidas do que queria fazer quando deixasse de jogar futebol. Já era algo que vinha a ser pensado por mim. Durante o meu percurso como jogador, tive sempre o cuidado de pensar sobre o que viria a seguir e aos 26/27 anos comecei a meter na cabeça aquilo que queria fazer quando terminasse a carreira. Comecei a olhar mais para o papel dos treinadores e tentar perceber o lado deles. Tirei o primeiro nível com 21 anos, depois tirei o segundo com 31/32 anos. (...) Tive a oportunidade de ser adjunto na Liga Portugal com o Paulo Sérgio e com o António Folha. Posso dizer que muita coisa na minha ideia e metodologia vem do mister António Folha. Tenho uma amizade muito especial com ele e vejo muitas coisas nele que tento colocar em prática.
- O facto de ter sido jogador também foi importante para a construção da sua ideia?
- Claro que sim. Os anos de experiência de balneário, a convivência e saber como se comportam os jogadores em grupo, o perceber em treino quando o jogador está a dar tudo ou se tem algum problema. Aprendemos com os nossos erros e isso permite que os nossos jogadores não cometam esses mesmos erros. Essas coisas são uma mais-valia, como é uma mais-valia aquilo que os treinadores que chegam do lado académico trazem consigo. A junção dos dois é explosiva no bom sentido e eu tenho a sorte de ter dois adjuntos que vieram do lado académico.
- Como é a sua relação com os seus jogadores?
- A relação que gosto de ter com eles é quase umbilical e tenho tido essa relação nestes dois anos. Há uma relação muito forte, sobretudo de sinceridade.
- Ainda dá por si no balneário a imaginar-se no lado deles?
- Posso confessar que na última palestra pré-jogo disse-lhes que tinha inveja deles, porque gostava de ser jogador e estar no campo com este grupo. Eles ficaram a olhar para mim, mas realmente é um grupo que me dá a sensação de que eu teria um prazer enorme de desfrutar em campo com eles.
"Esta é uma profissão muito difícil"
- Como olha para o seu futuro? Sonha chegar aos patamares que conseguiu atingir enquanto jogador?
- Claramente que sim. Quase todos pensam dessa forma e eu também. Quero chegar lá cima, tenho sonhos e metas, mas também sei que tenho de trabalhar muito, tenho de passar ainda por muito coisa e errar muito. Mas tenho essa vontade, sempre com os pés no chão, porque esta é uma profissão muito difícil. Há cada vez mais treinadores competentes e dependemos muito da oportunidade. Eu tenho de estar focado no dia a dia e ter a humildade que tinha enquanto jogador. Quando chegar o momento, e se acontecer, vou ficar feliz e vou ter de trabalhar muito. Enquanto não acontecer vou ter de continuar a trabalhar muito para que essa oportunidade possa vir a surgir.
- Sente que existe uma forte competitividade no meio dos treinadores? E como avalia esta nova vaga de treinadores portugueses?
- Sempre positivo. Portugal tem dos melhores treinadores do Mundo. Como se consegue num país tão pequeno? É de nós, portugueses, com o trabalho que temos vindo a desenvolver e isso claro que traz mais competição. Ainda recentemente o Vítor Campelos saiu do Gil Vicente e basta ver as notícias que saíram para perceber a quantidade de nomes que foram apontados para o suceder (n.d.r.: entretanto, Tozé Marreco foi apresentado como novo técnico dos gilistas). É um sinal inequívoco de que somos cada vez mais a lutar por isto. A qualidade do futebol português não é só demonstrada pelos jogadores, mas também pelos treinadores, dirigentes, por toda a gente que está associada ao futebol.
- Por fim, o que há a dizer às pessoas do Lusitânia nesta fase?
- O que temos sempre em mente é dignificar este clube, que os jogadores sintam o Lusitânia, e sintam a camisola que vestem, com uma história incrível. Temos de honrar o passado do Lusitânia e isso é vencer e olhar para o futuro do clube. A equipa vai continuar a defender o clube da melhor forma, que é trabalhar no máximo e lutar por todos os pontos em cada jogo. Enquanto fizermos isso, umas vezes ganhamos, outras perdemos, mas vamos sempre lutar para que as pessoas fiquem contentes. Estes rapazes já mostraram que são dignos do apoio deles.