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Vítor Paneira recorda Eriksson e a seleção: "O ponto mais alto foi vestir a camisola do Benfica"

Vitor Tomé
Vítor Paneira é o atual treinador do Varzim
Vítor Paneira é o atual treinador do VarzimVarzim SC, Flashscore
Atualmente a treinar o Varzim, Vítor Paneira é uma das grandes figuras do futebol português. Nesta entrevista ao jornalista Flashscore Vitor Tomé, recorda Eriksson e Neno, o castigo militar que o impediu de jogar por mais de 30 dias e o ponto alto da sua carreira. Para ele, mais que a seleção, o Benfica foi o topo.

- Foi um dos melhores jogadores da sua geração, internacional português e atual técnico do Varzim. Que Varzim 2024/25 é este?

- É um Varzim novo, uma versão nova, de jovens e de uma aposta clara na formação. Passa por aqui o Varzim desta época, por parte da equipa técnica e da estrutura, é nisso que nos vamos focar.

- A Liga 3 sempre teve qualidade ou reconhecem mais essa qualidade por causa das transmissões televisivas?

- Não, tem qualidade e é competitiva. Têm saído jogadores da Liga 3 para campeonatos superiores, o que significa que há aqui jogadores de qualidade e muito talento. O Varzim focou-se muito na Liga 3, no Campeonato de Portugal e na formação. Foi essa a aposta clara e é por aqui que traçamos o nosso destino.

Vítor Paneira treina o Varzim na Liga 3
Vítor Paneira treina o Varzim na Liga 3Varzim SC

- O que falta à Liga 3 para ser ainda mais competitiva?

- Ela é competitiva no seu total, os jogos são muito divididos, bem jogados, com equipas bem preparadas, não há grandes oscilações, só o SC Braga B está invicto - duas vitórias e dois empates -, tanto se ganha em casa como fora. As equipas são muito competitivas, são equipas que trabalham muito, jogam bem e os jogos são sempre uma incógnita. É um pouco a imagem da Liga 2 há uns anos. Agora já se vê um bocado de disparidade, na minha opinião, sobre a qualidade das equipas, mas esta não, parece-me muito mais igual.

- De que forma geral olha para o futebol atual. Já li que defende a constituição de SAD's e de investidores no futebol. Como vê o panorama atual do futebol?

- Defendo no contexto de haver competitividade. As equipas que não partirem para essa situação vão ter sempre muitas dificuldades ao longo das épocas. Muitas SAD's vieram para aqui estragar o futebol há uns anos, mas defendo investidores com qualidade, dinheiro e que tragam qualidade ao nosso campeonato. É esse investidor que acho que faz falta em Portugal. Defendo isso porque o futebol tem de crescer. Já chegaram boas SAD's a Portugal e espero que seja um caminho a seguir para termos um futebol mais competitivo, com mais qualidade, com mais jogadores e com mais dinheiro também, que é um dos grandes problemas do nosso futebol.

- Qual foi o treinador que mais o marcou ao longo da carreira?

- Tive excelentes treinadores, felizmente, mas há dois grandes treinadores de que falo muito. O primeiro é o Toni porque sempre foi um treinador que me marcou, lançou-me no futebol português, no Benfica. Depois tenho o treinador que faleceu, o Eriksson, que foi uma referência para mim e bebi muito do que me ensinou. Depois tive também o Vítor Oliveira, que foi um treinador de muita qualidade, e nunca posso esquecer o Quinito. Tive outros, mas estes quatro foram os que me marcaram um bocadinho mais.

Varzim perdeu um jogo esta época
Varzim perdeu um jogo esta épocaFlashscore

- Bebeu um bocadinho desses quatro?

- Bebi de todos, até dos maus.

- O quê, por exemplo?

- O relacionamento. Havia um treinador português que faleceu há um ou dois anos, que foi meu treinador no Benfica, e revi-me nas coisas más dele. Não queria fazer aquilo que ele fazia.

- Utiliza no Varzim?

- O relacionamento é importante, a confiança também. Às vezes sentimos que há pessoas em quem confiamos pouco, eu passei por isso. Gosto de ter bons relacionamentos, abertos, de confiança e é nesse contexto que bebi de muitos treinadores. O bom relacionamento, abertura, liberdade, responsabilidade.

- Qual foi o jogador com quem jogou de olhos fechados?

- Falo muito do Magnunsson como ponta de lança. Eu sabia as movimentações que ele fazia e o que queria no jogo. Tive o Zé Carlos e o Capucho no Vitória SC. O Valdo e o João Pinto, tínhamos um entendimento incrível, criámos relações de jogo muito fortes. Esses foram jogadores que me marcaram.

- Esse relacionamento fugia para já das quatro linhas?

- Sim, tinha um relacionamento com o Neno, que foi o jogador com quem mais joguei, jogámos 10 anos consecutivos juntos, tínhamos uma amizade incrível, mas no jogo não tínhamos grande relação. Tive uma boa relação com todos esses jogadores.

- Qual foi o ponto mais alto da carreira? Vestir a camisola da seleção é o ponto mais alto da carreira de um jogador?

- Vou ser sincero, para mim o ponto mais alto da carreira foi vestir a camisola do Benfica. Lógico que sempre tive o sonho e sinto-me muito feliz por representar a seleção nacional e ser português, mas o meu primeiro objetivo era vestir a camisola do Benfica.

Vítor Paneira é benfiquista assumido
Vítor Paneira é benfiquista assumidoProfimedia, Opta by Stats Perform

- Quando se fala do regresso do serviço militar obrigatório, na sua altura foi condenado por deserção. Como é que olha para isto?

- Olho sempre de forma positiva. Nunca me afetou, nunca me deixou constrangido.

- Mas foi impedido de fazer o que mais gostava, que era jogar futebol.

- Eu continuei a jogar. A questão é que tinha de me apresentar no quartel à 01:00 da manhã e eu apresentei-me às 10:00 da manhã. Depois teria de levar umas repreensões naturais, que eram ficar nos fins de semana, o advogado que me foi defender entendeu que não e que defendia aquilo de forma jurídica. Depois acabei por ficar com uma pena de três meses e meio e cumpri 37 dias. Saí por bom comportamento (risos).

- Nota-se um sorriso agora a recordar isso...

- Vi sempre isso de forma positiva, não me afetou. As pessoas dizem 'já estiveste preso'. O meu cadastro é limpinho em todos os aspetos, na tropa tive esse problema. Não fazia sentido por todas as razões. Como é que ia fugir da tropa se jogava na seleção e representava o meu país? Houve ali muito clubismo à mistura e levei por tabela.

- É um treinador agitado no banco, anda sempre de um lado para o outro. Dá vontade de entrar dentro do campo para mostrar como se faz?

- Já passei por essa fase, agora não gosto de jogar futebol. Digo isto e as pessoas não acreditam. Desde que acabei a minha carreira, poucas vezes joguei futebol. Às vezes apetece-me mostrar e consigo fazer umas coisitas, mas não tenho essa vontade de ir para dentro de campo. Corri muito como jogador porque quase não tive lesões, não falhei aos treinos. 

Vítor Paneira junto à linha lateral
Vítor Paneira junto à linha lateralVarzim SC

- Entre muitos jogos que fez, recorda algum com saudade?

- Como jogador, tenho alguns que me marcaram muito. O 3-6 em Alvalade, pelo que rodeou o jogo. Empatámos em casa, uma semana difícil, a liderança estava naquele jogo. No verão tínhamos sido atacados pelo Sporting, tiraram-nos alguns jogadores. O contexto desse jogo era além de um jogo de futebol. Acho que o Benfica não tem rivais, tem adversários mais ou menos fortes, mas era o adversário que podia ganhar o título e nos tinha tirado jogadores. Houve uma mistura de sentimentos e de situações que se criaram à volta daquele jogo. Vínhamos de um verão quente, com ordenados em atraso, fomos para campo e não sabíamos qual era o prémio. Estávamos mais preocupados em ganhar o jogo e trazer de lá o título. Foi isso que aconteceu. Tivemos também o jogo com a Juventus em que faço dois golos. Tenho um jogo contra a Bélgica em que empatámos em casa e foi uma das grandes exibições que fiz por Portugal.

- Como treinador, tem algum especial?

- Alguns. Contra o Boavista, quando subimos de divisão com o Tondela, era obrigatório ganhar no Bessa e o clima foi terrível, conseguimos ganhar por 0-1, ser campeões e subir pelo Tondela.

- Algum episódio de balneário que queira partilhar?

- Há um infinito de histórias para contar. Aproveito para lembrar uma de uma pessoa que todos temos saudades, que é o Neno. Ele era um cantor por natureza, fazia a festa sozinho. Estávamos no balneário do Benfica e o Neno vestiu-se de Michael Jackson. Trouxe luvas, começou a cantar em cima da mesa, entretanto entra o Artur Jorge e ele não dá por nada. Quando dá, fica todo envergonhado, salta para fora da mesa e o Artur dá uma gargalhada.

- Foi um dos jogadores mais utilizados por Eriksson. O que leva mais do treinador sueco?

- Fui o segundo porque o Veloso apanhou duas vezes o Eriksson.

- Mas o Erikson tinha um carinho muito especial pelo Vítor Paneira?

- Tinha. O Eriksson tinha coisas incríveis comigo. Ele veio para o Benfica quando eu estava a fazer a recruta na tropa. A minha pré-época foi um bocado aos trambolhões. Não podia ir porque tinha de ir ao quartel, tinha de me fardar... Fiz o juramento de bandeira numa sexta-feira em Lisboa e depois tínhamos o torneio internacional Teresa Herrera, em Espanha. Jogávamos sexta-feira e depois domingo ou sábado, salvo erro, e tive de fazer o juramento em Lisboa, apanhar avião para o Porto e um carro levar-me diretamente a Vigo para fazer o jogo. O jogo era às 18:00, o juramento era às 12:00, era um dia 15 de agosto e passar a antiga ponte de Viana do Castelo era quase impossível com as festas. A nossa sorte foi que havia dois polícias que estavam a organizar o trânsito, o diretor que ia comigo no carro identificou-se como diretor do Benfica, disse que me ia levar e eles abriram. Cheguei em cima da hora ao jogo e o Eriksson já tinha dado a equipa no hotel. Cheguei, meteu-me a jogar de início e marquei o golo que deu a vitória ao Benfica nesse torneio, contra o Bayern Munique.

- É com muita saudade que recorda Eriksson.

- Muita. Ainda agora, quando nos encontramos, a reação dele quando me viu... Primeiro não me reconheceu, depois quando me disseram quem eu era, ele disse 'oh, mamma mia'. Foi a despedida que tivemos com ele.