Vítor Paneira recorda Eriksson e a seleção: "O ponto mais alto foi vestir a camisola do Benfica"
- Foi um dos melhores jogadores da sua geração, internacional português e atual técnico do Varzim. Que Varzim 2024/25 é este?
- É um Varzim novo, uma versão nova, de jovens e de uma aposta clara na formação. Passa por aqui o Varzim desta época, por parte da equipa técnica e da estrutura, é nisso que nos vamos focar.
- A Liga 3 sempre teve qualidade ou reconhecem mais essa qualidade por causa das transmissões televisivas?
- Não, tem qualidade e é competitiva. Têm saído jogadores da Liga 3 para campeonatos superiores, o que significa que há aqui jogadores de qualidade e muito talento. O Varzim focou-se muito na Liga 3, no Campeonato de Portugal e na formação. Foi essa a aposta clara e é por aqui que traçamos o nosso destino.
- O que falta à Liga 3 para ser ainda mais competitiva?
- Ela é competitiva no seu total, os jogos são muito divididos, bem jogados, com equipas bem preparadas, não há grandes oscilações, só o SC Braga B está invicto - duas vitórias e dois empates -, tanto se ganha em casa como fora. As equipas são muito competitivas, são equipas que trabalham muito, jogam bem e os jogos são sempre uma incógnita. É um pouco a imagem da Liga 2 há uns anos. Agora já se vê um bocado de disparidade, na minha opinião, sobre a qualidade das equipas, mas esta não, parece-me muito mais igual.
- De que forma geral olha para o futebol atual. Já li que defende a constituição de SAD's e de investidores no futebol. Como vê o panorama atual do futebol?
- Defendo no contexto de haver competitividade. As equipas que não partirem para essa situação vão ter sempre muitas dificuldades ao longo das épocas. Muitas SAD's vieram para aqui estragar o futebol há uns anos, mas defendo investidores com qualidade, dinheiro e que tragam qualidade ao nosso campeonato. É esse investidor que acho que faz falta em Portugal. Defendo isso porque o futebol tem de crescer. Já chegaram boas SAD's a Portugal e espero que seja um caminho a seguir para termos um futebol mais competitivo, com mais qualidade, com mais jogadores e com mais dinheiro também, que é um dos grandes problemas do nosso futebol.
- Qual foi o treinador que mais o marcou ao longo da carreira?
- Tive excelentes treinadores, felizmente, mas há dois grandes treinadores de que falo muito. O primeiro é o Toni porque sempre foi um treinador que me marcou, lançou-me no futebol português, no Benfica. Depois tenho o treinador que faleceu, o Eriksson, que foi uma referência para mim e bebi muito do que me ensinou. Depois tive também o Vítor Oliveira, que foi um treinador de muita qualidade, e nunca posso esquecer o Quinito. Tive outros, mas estes quatro foram os que me marcaram um bocadinho mais.
- Bebeu um bocadinho desses quatro?
- Bebi de todos, até dos maus.
- O quê, por exemplo?
- O relacionamento. Havia um treinador português que faleceu há um ou dois anos, que foi meu treinador no Benfica, e revi-me nas coisas más dele. Não queria fazer aquilo que ele fazia.
- Utiliza no Varzim?
- O relacionamento é importante, a confiança também. Às vezes sentimos que há pessoas em quem confiamos pouco, eu passei por isso. Gosto de ter bons relacionamentos, abertos, de confiança e é nesse contexto que bebi de muitos treinadores. O bom relacionamento, abertura, liberdade, responsabilidade.
- Qual foi o jogador com quem jogou de olhos fechados?
- Falo muito do Magnunsson como ponta de lança. Eu sabia as movimentações que ele fazia e o que queria no jogo. Tive o Zé Carlos e o Capucho no Vitória SC. O Valdo e o João Pinto, tínhamos um entendimento incrível, criámos relações de jogo muito fortes. Esses foram jogadores que me marcaram.
- Esse relacionamento fugia para já das quatro linhas?
- Sim, tinha um relacionamento com o Neno, que foi o jogador com quem mais joguei, jogámos 10 anos consecutivos juntos, tínhamos uma amizade incrível, mas no jogo não tínhamos grande relação. Tive uma boa relação com todos esses jogadores.
- Qual foi o ponto mais alto da carreira? Vestir a camisola da seleção é o ponto mais alto da carreira de um jogador?
- Vou ser sincero, para mim o ponto mais alto da carreira foi vestir a camisola do Benfica. Lógico que sempre tive o sonho e sinto-me muito feliz por representar a seleção nacional e ser português, mas o meu primeiro objetivo era vestir a camisola do Benfica.
- Quando se fala do regresso do serviço militar obrigatório, na sua altura foi condenado por deserção. Como é que olha para isto?
- Olho sempre de forma positiva. Nunca me afetou, nunca me deixou constrangido.
- Mas foi impedido de fazer o que mais gostava, que era jogar futebol.
- Eu continuei a jogar. A questão é que tinha de me apresentar no quartel à 01:00 da manhã e eu apresentei-me às 10:00 da manhã. Depois teria de levar umas repreensões naturais, que eram ficar nos fins de semana, o advogado que me foi defender entendeu que não e que defendia aquilo de forma jurídica. Depois acabei por ficar com uma pena de três meses e meio e cumpri 37 dias. Saí por bom comportamento (risos).
- Nota-se um sorriso agora a recordar isso...
- Vi sempre isso de forma positiva, não me afetou. As pessoas dizem 'já estiveste preso'. O meu cadastro é limpinho em todos os aspetos, na tropa tive esse problema. Não fazia sentido por todas as razões. Como é que ia fugir da tropa se jogava na seleção e representava o meu país? Houve ali muito clubismo à mistura e levei por tabela.
- É um treinador agitado no banco, anda sempre de um lado para o outro. Dá vontade de entrar dentro do campo para mostrar como se faz?
- Já passei por essa fase, agora não gosto de jogar futebol. Digo isto e as pessoas não acreditam. Desde que acabei a minha carreira, poucas vezes joguei futebol. Às vezes apetece-me mostrar e consigo fazer umas coisitas, mas não tenho essa vontade de ir para dentro de campo. Corri muito como jogador porque quase não tive lesões, não falhei aos treinos.
- Entre muitos jogos que fez, recorda algum com saudade?
- Como jogador, tenho alguns que me marcaram muito. O 3-6 em Alvalade, pelo que rodeou o jogo. Empatámos em casa, uma semana difícil, a liderança estava naquele jogo. No verão tínhamos sido atacados pelo Sporting, tiraram-nos alguns jogadores. O contexto desse jogo era além de um jogo de futebol. Acho que o Benfica não tem rivais, tem adversários mais ou menos fortes, mas era o adversário que podia ganhar o título e nos tinha tirado jogadores. Houve uma mistura de sentimentos e de situações que se criaram à volta daquele jogo. Vínhamos de um verão quente, com ordenados em atraso, fomos para campo e não sabíamos qual era o prémio. Estávamos mais preocupados em ganhar o jogo e trazer de lá o título. Foi isso que aconteceu. Tivemos também o jogo com a Juventus em que faço dois golos. Tenho um jogo contra a Bélgica em que empatámos em casa e foi uma das grandes exibições que fiz por Portugal.
- Como treinador, tem algum especial?
- Alguns. Contra o Boavista, quando subimos de divisão com o Tondela, era obrigatório ganhar no Bessa e o clima foi terrível, conseguimos ganhar por 0-1, ser campeões e subir pelo Tondela.
- Algum episódio de balneário que queira partilhar?
- Há um infinito de histórias para contar. Aproveito para lembrar uma de uma pessoa que todos temos saudades, que é o Neno. Ele era um cantor por natureza, fazia a festa sozinho. Estávamos no balneário do Benfica e o Neno vestiu-se de Michael Jackson. Trouxe luvas, começou a cantar em cima da mesa, entretanto entra o Artur Jorge e ele não dá por nada. Quando dá, fica todo envergonhado, salta para fora da mesa e o Artur dá uma gargalhada.
- Foi um dos jogadores mais utilizados por Eriksson. O que leva mais do treinador sueco?
- Fui o segundo porque o Veloso apanhou duas vezes o Eriksson.
- Mas o Erikson tinha um carinho muito especial pelo Vítor Paneira?
- Tinha. O Eriksson tinha coisas incríveis comigo. Ele veio para o Benfica quando eu estava a fazer a recruta na tropa. A minha pré-época foi um bocado aos trambolhões. Não podia ir porque tinha de ir ao quartel, tinha de me fardar... Fiz o juramento de bandeira numa sexta-feira em Lisboa e depois tínhamos o torneio internacional Teresa Herrera, em Espanha. Jogávamos sexta-feira e depois domingo ou sábado, salvo erro, e tive de fazer o juramento em Lisboa, apanhar avião para o Porto e um carro levar-me diretamente a Vigo para fazer o jogo. O jogo era às 18:00, o juramento era às 12:00, era um dia 15 de agosto e passar a antiga ponte de Viana do Castelo era quase impossível com as festas. A nossa sorte foi que havia dois polícias que estavam a organizar o trânsito, o diretor que ia comigo no carro identificou-se como diretor do Benfica, disse que me ia levar e eles abriram. Cheguei em cima da hora ao jogo e o Eriksson já tinha dado a equipa no hotel. Cheguei, meteu-me a jogar de início e marquei o golo que deu a vitória ao Benfica nesse torneio, contra o Bayern Munique.
- É com muita saudade que recorda Eriksson.
- Muita. Ainda agora, quando nos encontramos, a reação dele quando me viu... Primeiro não me reconheceu, depois quando me disseram quem eu era, ele disse 'oh, mamma mia'. Foi a despedida que tivemos com ele.