De certa forma, Ayoub El Kaabi vingou o destino do Lille, e talvez o de uma grande parte dos adeptos franceses que ainda não esqueceram a forma como Dibu Martínez se comportou na final do Campeonato do Mundo e durante a marcação de grandes penalidades contra o emblema gaulês no Stade Pierre-Mauroy, na ronda anterior.
Na meia-final da Conferência da Liga Europa contra o Aston Villa, o avançado do Olympiacos marcou cinco dos seis golos da sua equipa, que defronta a Fiorentina esta quarta-feira à noite na final da Liga Conferência. Feitas as contas aos jogos europeus, o avançado nascido em Casablanca já marcou 13 golos em 14 jogos.
O carpinteiro
Depois de chegar ao Pireu no verão passado, El Kaabi esperou até os 30 anos para finalmente sentir o gosto das provas europeias, depois de ter jogado no Marrocos, na China, na Turquia e no Catar. O avançado marcou 32 golos e fez 3 assistências em todas as competições esta época, tendo disputado a Taça das Nações Africanas em janeiro. Um desempenho que está a surpreender, exceto no seu próprio país. "Muitos marroquinos estavam à espera, no sentido em que conhecíamos o seu nível, sabíamos que ele ia conseguir, mas ainda não sabíamos quando", explica Sami Nouaim, do H24Info: "O que ele conseguiu é extraordinário".
Semifinalista do último Campeonato do Mundo e grande protagonista do futebol africano, Marrocos tornou-se uma referência da política de formação do país, nomeadamente com a academia Mohamed VI. No entanto, El Kaabi não saiu deste sistema. Tal como Franck Ribéry ou Mathieu Valbuena, não frequentou uma academia, mas sim construiu a sua reputação através da adversidade. "Ele fez o seu próprio nome, subiu na hierarquia e é um excelente exemplo de perseverança para a juventude marroquina", continua o jornalista. A vida não foi fácil para o atacante, e nada lhe foi dado de mão beijada: "Abandonou a escola aos 15 anos para sustentar a família, que enfrentava dificuldades sociais e financeiras .É oriundo de Derb Milla, um bairro muito modesto e operário. Fez uma série de biscates, por vezes pagos por baixo da mesa. Foi aprendiz de carpinteiro numa oficina em Casablanca, fornecedor de sal a mercearias e pedreiro. Conciliava o seu trabalho com a sua paixão pelo futebol."
Casablanca é uma grande cidade do futebol, onde se disputa um dos maiores dérbis do mundo, entre o Wydad e o Raja, e foi nas ruas que El Kaabi aprendeu a jogar e a dar nas vistas: "As pessoas contactaram a família para explicar que Ayoub tinha um talento inato. Começou por entrar num clube local, o CH Khadija. Começou num nível muito baixo, na liga regional, em campos de terra batida".
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Depois de uma passagem pelo Ettifaq Lalla Meryem, chegou ao Racing Casablanca, um dos clubes mais antigos do país, aos 19 anos. "Normalmente, os jogadores começam na frente e depois vão para trás. Ele fez o contrário. Jogou como lateral-esquerdo na equipa B", sorri o jornalista: "Mas marcou tantos golos que Abdelhak Mendoza, o antigo treinador e presidente do clube que mudou a sua carreira, o colocou a ponta-de-lança".
Para o jornalista, especialista em futebol do Casablanca, "foi muito especial ver Ayoub jogar". Preciso e habilidoso, o atacante de superfície também está construindo uma sólida reputação pelo seu estilo espetacular: "Ele adora fazer remates e é o jogador marroquino que mais marcou golos com disparos aéreos em todas as competições".
Estatísticas fantásticas
Com 25 golos em 33 jogos, teve um papel ativo na subida do Racing ao Botola em 2017. Em seguida, assinou com o Berkane, que estava em plena ascensão. Em 29 jogos em todas as competições, marcou 16 golos. Na Taça da Confederação Africana, o equivalente à Liga Europa, as estatísticas falam por si: quatro golos e uma assistência em seis jogos. Como recompensa, foi selecionado com os Leões do Atlas para o CHAN (CAN só para jogadores dos campeonatos domésticos), aos 24 anos. Marrocos venceu e El Kaabi marcou nove golos em seis jogos.
El Kaabi começou então a jogar na Europa. Mas o caminho que tinha traçado sofreu uma reviravolta inesperada. Naquela época, um novo player mundial chegou com grandes recursos e pelo menos tantas ambições: a China. "O Hebei chegou com um contrato impossível de recusar: estamos a falar de 6 milhões de euros por época", conta Sami Nouaim. Lá, o marroquino convive com dois ícones argentinos: Pocho Lavezzi e Javier Mascherano. O seu clube terminou em sexto lugar no campeonato, a melhor classificação de sempre.
Em 2019, foi emprestado ao Wydad e, em 2020-2021, marcou 26 golos e fez quatro assistências em 43 jogos. Capitão da seleção nacional, voltou a vencer o CHAN com três golos e uma assistência. Em seguida, transferiu-se para o Hatayspor, na Turquia. O sucesso prosseguiu: 18 golos e duas assistências em 32 jogos, na sua estreia na Süper Lig. Tornou-se titular nos Leões do Atlas, mas não participou no histórico Campeonato do Mundo no final de 2022. Depois de meia época (oito golos e duas assistências em 21 jogos), ingressou no Al-Sadd no início de março e continuou a ter um desempenho de alto nível: 6 golos e uma assistência em todas as competições.
E então, no final da viagem, o marroquino desembarcou no grande porto grego em pleno verão. 10 meses depois, El Kaabi está à beira do maior marco da sua carreira. Já é o quarto melhor marcador da curta história da Liga Conferência, com 10 golos em apenas oito jogos, e será o principal trunfo do Olympiacos no desafio com a Fiorentina para conquistar a primeira prova europeia do clube do Pireu, e no terreno do AEK. Mais do que uma conquista, este pode ser o início de uma nova carreira.
