Opinião: É verdade, Tatiana, ainda temos (todos) de continuar a lutar
Dizem que os olhos são o espelho da alma. E não mentem. Mesmo antes de traduzir toda a frustração em palavras, esse sentimento estava bem presente no olhar de Tatiana Pinto, assim que a camisola 11 da Seleção surgiu na sala de Imprensa do Estádio Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria, com a difícil missão de analisar um jogo que acabou por ser bastante inglório para Portugal (0-1).
A média do Brighton não queria acreditar na dura realidade. As estrelas pareciam alinhadas, uma vez que a Áustria ia vencendo a Noruega, resultado que viria a ser confirmado no final, e Portugal precisava apenas de um golo para garantir um lugar no play-off de manutenção entre a elite. Um golo que apareceu e desapareceu num abrir e fechar de olhos.
Por isso, a frustração exteriorizada naquela sala por Tatiana era mais do que justificada. Mais do que a dura derrota sofrida por conta de um golo nos descontos, num jogo em que a equipa das quinas não precisou de pedir licença para encarar o adversário olhos nos olhos, a maior angústia era outra. Um fora de jogo (inexistente!) foi assinalado a Tatiana Pinto no momento que antecedeu o passe para a finalização de Telma Encarnação.
O sentimento de ser culpada por algo que não aconteceu. Ser protagonista de uma decisão injusta que seria (facilmente) revertida caso houvesse vídeo-árbitro (VAR). Há pior do que isso? Aqui chegamos. "Quando falamos de igualdade, é precisamente neste tipo de coisas. Mais uma vez, o feminino acaba sempre por ser prejudicado. O VAR tem de ser utilizado nas grandes competições, como é no masculino", considerou a internacional portuguesa.
A questão é simples: como é que que uma das tecnologias mais recentes, e que segundo os especialistas veio para ajudar a repor a verdade no futebol, não está disponível numa das principais competições sobre o desígnio da UEFA? Para que tenhamos uma ideia, o VAR foi implementado na primeira divisão portuguesa masculina no arranque da temporada 2017/18 e chegou à Liga das Nações masculina em 2019. Mais, os jogos da Liga Feminina portuguesa, uma competição ainda não profissional, apostou no VAR no arranque desta época. Parámos no tempo a nível internacional?
Tatiana Pinto: "O feminino acaba sempre prejudicado"
Não basta dizer que somos pela "igualdade" e isso vê-se nestas pequenas coisas. O futebol jogado por mulheres vive os melhores anos, ao atrair atenções um pouco por todo o mundo, um fenómeno traduzido pelos sucessivos recordes batidos de assistência nos principais campeonatos no continente europeu - ex: 91 553 pessoas estiveram recentemente em Camp Nou, em Barcelona, para ver uma das melhores equipas da história do futebol no feminino -, mas a luta ainda está longe do fim. As diferenças para o masculino são muito mais profundas e há ainda anticorpos que dificultam a mudança.
De que adianta falarmos em crescimento, igualdade e recordes, quando quem decide opta por outro caminho? Claro que o vídeo-árbitro não é a solução para todos os problemas, muito pelo contrário, mas, neste caso, resolvia um muito importante: a desonestidade.
Leia a crónica da partida: aqui
A Tatiana tem razão, "é preciso continuar a lutar". As jogadoras têm feito (muito bem) o seu papel, mas não podem seguir sozinhas. As federações, os clubes e as grandes instituições que decidem o futuro das competições precisam de estar em concordância.
E nós, comunicação social, também temos de fazer a nossa parte. Dar voz a justiças e a injustiças, aos jogadores e às jogadoras, aos treinadores e às treinadoras, como deve ser sempre feito. De igual para igual.
Uma palavra à Seleção
Os mais resultadistas vão olhar para os números e vão ser os mensageiros das más notícias: depois das participações históricas em dois Europeus consecutivos e num Mundial, Portugal desiludiu na estreia na Liga das Nações. Mas a participação da seleção portuguesa entre a elite europeia não se resume apenas aos resultados.
Portugal enfrentou três seleções acima de si no ranking - Áustria (16.º), França (6.º) e Noruega (13.º) - e mostrou evolução, sobretudo em termos de mentalidade. A equipa das quinas nunca se escondeu e conseguiu competir de igual para igual em praticamente todos os jogos, exceção feita para o encontro em Oslo, frente à Noruega (4-0), sendo capaz de criar várias oportunidades de golos. Pecou, sim, na finalização. Mas esteve globalmente bem.
O presente não é tão desanimador como os resultadistas pensam e não há muitas dúvidas sobre o futuro. Agora é preciso não deixar cair uma equipa que tem sido um exemplo. No desporto e na vida.