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Daniela Santos: "Fico muito feliz por saber que há meninas que me veem como um exemplo"

Daniela Santos parte para a 5.ª época no Damaiense
Daniela Santos parte para a 5.ª época no DamaienseSport Futebol Damaiense Feminino
O Flash Feminino é a nova rubrica quinzenal do Flashscore, dedicada a destacar as principais protagonistas da Liga Feminina. Neste espaço, traremos entrevistas exclusivas com as jogadoras que brilham nos relvados nacionais. A nossa terceira convidada é Daniela Santos, capitã do Damaiense.

Acompanhe o Damaiense no Flashscore

"Tinha pensado em deixar de jogar, mas apareceu o Benfica"

- Quais as primeiras memórias que a ligam ao futebol? Como aparece este gosto pela modalidade?

- Eu tenho um irmão gémeo e, naquela altura, queria fazer tudo com ele. Ele entrou para o futebol, e eu quis ir atrás, então também me inscrevi. A primeira memória que mais me marcou foi quando ganhámos o campeonato distrital nos sub-10 da AD O Pinguinzinho. O primeiro grande título, entre aspas, que eu conquistei.

Daniela Santos deixou Santa Comba Dão com destino ao Benfica
Daniela Santos deixou Santa Comba Dão com destino ao BenficaSF Damaiense/Opta by Stats Perform

- Na AD O Pinguinzinho jogava com os rapazes. Como se sentia no meio deles?

- Eles sempre me protegeram muito. Estive com eles desde os 5 até aos 15, e éramos como se fôssemos todos irmãos. Havia aquelas provocações, às vezes, da bancada ou até mesmo por parte da outra equipa, mas eles estavam sempre lá para mim, protegendo-me sempre.

- A Daniela sabia que um dia tinha de existir a separação e ela acaba por acontecer em 2018 quando vai para o Benfica. Como foi essa mudança de contexto, deixar uma cidade pequena como Santa Comba Dão e mudar-se para a Grande Lisboa?

- No início, fiquei muito surpreendida. Tinha falado com a minha mãe que, quando deixasse de jogar com os rapazes, iria parar de jogar de vez. Ainda estava no 12.º ano e ia concentrar-me na escola para entrar na faculdade. Entretanto, surgiu a oportunidade de jogar no Benfica. O Benfica estava a crescer, e, depois de falar com a minha família, percebi que não aproveitar essa oportunidade seria um grande erro de que me iria vir a arrepender.

Nos primeiros seis meses, tive mesmo muita dificuldade. Havia dias em que chorava muito com saudades de casa, mas estava a viver com outras miúdas que também eram de longe - a Lara (Pintassilgo), do Algarve, e a (Beatriz) Cameirão, do Alentejo. Unimo-nos bastante e estávamos sempre lá umas para as outras.

- Sentiu muito a diferença de deixar de jogar com rapazes para passar a jogar só com raparigas?

- Não era exatamente uma novidade, por causa da Seleção, mas sinto que houve uma grande diferença. Primeiro, podia estar com elas no balneário, o que não acontecia com os rapazes - eu ia 15 minutos antes ou eles equipavam primeiro e eu depois. Aqui, as coisas eram mais práticas. Dávamo-nos também um pouco melhor, porque chega a uma certa idade em que os rapazes já não querem partilhar muitas coisas contigo, nem eu com eles por ser rapariga. Houve mais proximidade nesse sentido, e elas receberam-me muito bem.

Daniela Santos num jogo entre Damaiense e Benfica
Daniela Santos num jogo entre Damaiense e BenficaSport Futebol Damaiense Feminino

- Alguma vez tinha imaginado que era possível ser profissional de futebol?

- Não, sinceramente, não. Nunca mesmo. Na altura, era apenas um contrato de um ano, e eu também não tinha expectativas sobre se iria continuar ou não. Era uma oportunidade que tinha de aproveitar, sem pensar muito no futuro, e felizmente correu tudo bem. Foi o primeiro ano do clube, e ganhámos o campeonato, o que abriu muitas portas. Sinto que aquela geração, com a Kika (Nazareth), a Cameirão e a (Andreia) Faria, que descia algumas vezes das seniores para as sub-19, era, sem dúvida, uma boa geração.

- Encontrou muitas diferenças em termos competitivos?

- Sinto que chegou a uma altura em que eu já não me destacava tanto entre os rapazes por causa do físico. A partir dos sub-16, foi muito difícil. Eles dão um salto físico, e eu tinha de acompanhar de outras formas. Eles eram mais fortes fisicamente, e eu tentava usar outros métodos, como a inteligência e a antecipação, porque, caso contrário, não tinha capacidade para estar no jogo.

Quando cheguei aqui, senti que havia jogadoras tecnicamente mais evoluídas, mas as ferramentas que desenvolvi jogando com rapazes - como a antecipação e a leitura de jogo - ajudaram-me bastante a destacar-me no feminino.

Daniela Santos assumiu braçadeira de capitã do Damaiense
Daniela Santos assumiu braçadeira de capitã do DamaienseSport Futebol Damaiense Feminino

"Tenho muito carinho pelo Damaiense"

- O Damaiense aparece pela primeira vez na carreira da Daniela em 2020...

- Na altura, surgiu como uma oportunidade. Já não fazia muito sentido continuar na liga sub-19, e precisávamos de dar um passo em frente. Surgiu o Damaiense nesse primeiro ano, para fazermos a estreia na Liga, ganhar competitividade e ritmo, algo que não iria acontecer numa liga sub-19. Tenho muito carinho por este clube, são já muitos anos, e ser capitã trouxe uma responsabilidade acrescida.

- Que clube é este?

- É um clube com muitas jogadoras jovens. Vamos todos os dias para os treinos com a mentalidade de que não somos as melhores, que ainda temos muito caminho pela frente. Todas dão o máximo no treino. Apesar de haver grande rotatividade no plantel, entre entradas e saídas, tentamos manter o ADN do clube: queremos que seja um ADN de jogadoras com caráter muito forte, que vão à luta e nunca viram as costas. Queremos sempre melhorar, e isso é possível. Não fomos as melhores só por termos empatado contra o Benfica (1-1) e vencido o Racing Power (2-1), mas também não somos piores por causa do deslize nesta primeira jornada.

Tabela classificativa da Liga Feminina
Tabela classificativa da Liga FemininaFlashscore

- Será difícil fazer melhor do que o 4.º lugar da época passada? Ou isso serve de motivação para melhorar esse resultado?

- Acho que este ano estamos a tentar ir jogo a jogo. Queremos sempre fazer melhor, mas sem estabelecer grandes objetivos. É difícil, temos o Benfica, o Sporting e o SC Braga, que têm orçamentos muito grandes. Muitas jogadoras que chegaram aqui ao clube ainda não têm bem noção do que é a Liga. Às vezes, isso pode ser algo negativo, mas também pode ser positivo, porque, contra o Benfica, a maioria das equipas entrava com medo, e elas entraram sem medo, sem qualquer preocupação. Isso alivia a pressão.

Sabemos que a época passada foi incrível. Agora, não vamos apontar para este ou aquele lugar, vamos jogo a jogo, sempre com a premissa de sermos melhores.

- Em que ponto é que a equipa do Damaiense está ao nível de entrosamento? Sente que a equipa tem potencial?

- Acho que ainda temos uma grande margem de progressão. Tivemos três jogos, mas nem todas as jogadoras estavam inscritas. Ainda não tivemos o plantel completo disponível e também começámos a pré-época um pouco tarde. Sinto que, em termos de preparação física, as outras equipas estavam um pouco acima de nós, mas vamos aproveitar esta paragem para melhorar ainda mais e queremos voltar bem. Acredito que podemos fazer uma boa época.

Sinto que esta equipa é, mais uma vez, muito jovem, como tem sido todos os anos, mas são jogadoras muito trabalhadoras e sabem o seu papel na equipa. Ainda não nos conhecemos tão bem no sentido de entender, por exemplo, se uma prefere a bola no pé ou no espaço, mas isso é normal.

Mais de 30 mil pessoas marcaram presença no Dragão
Mais de 30 mil pessoas marcaram presença no DragãoFC Porto

"O que aconteceu no Porto é incrível"

- A Daniela cumpre a 5.ª época na Liga. Como olha para a evolução do campeonato, sobretudo em termos de competitividade?

- Acho que a competitividade tem vindo a aumentar a cada ano. Já não vemos aqueles resultados muito díspares que existiam nos primeiros anos, quando tínhamos apenas o Sporting, o SC Braga e o Benfica a competir entre si. Agora, nota-se uma grande competitividade; entra-se em campo sabendo que todos os jogos vão ser difíceis. Há uma preparação muito grande para todos os jogos, independentemente do adversário. O futebol feminino tem evoluído muito. O que aconteceu no Porto, com 30 mil adeptos, é incrível e reflete a evolução que tem sido.

- No feminino não há clubes e cores, e todas lutam pelo desenvolvimento da modalidade. Como viu esse acontecimento dos mais de 30 mil adeptos no jogo de apresentação da equipa feminina do FC Porto?

- Acho que eu, e todas as atletas do feminino, independentemente de ter sido no FC Porto, ficamos todas muito felizes e com um bocadinho de inveja por não termos sido nós a estar ali. Serve de motivação. Faz-nos pensar que: 'Um dia posso ser eu, quero estar em grandes palcos com muitas pessoas a assistir'. Era um amigável entre duas equipas da 3.ª divisão, o que é incrível. Estávamos todas a ver, e quando mostraram as imagens e anunciaram o número da assistência, ficámos felizes por elas. 

Daniela Santos destaca evolução do feminino
Daniela Santos destaca evolução do femininoSF Damaiense/Opta by Stats Perform

- Como se sentes por viver esta fase de crescimento notável do feminino? 

- Acho que a entrada desses clubes grandes ajudou na evolução e permitiu que a Seleção também evoluísse, resultando em desempenhos muito melhores. Além disso, o trabalho da Federação, com o Canal 11, que foi uma melhoria gigante com a transmissão dos jogos, entrevistas e outras coberturas. Isso divulgou imenso o futebol feminino e sinto que houve um grande crescimento.

- Qual o papel que o Damaiense pode assumir neste campo, além da promoção da jovem jogadora, como a Daniela já mencionou?

- Acima de tudo, somos uma equipa que vai dar muita luta e competitividade. Sabemos o que valemos e não vamos lutar por menos. (...) Em ligas competitivas, haverá sempre melhorias. Isso vai refletir-se em tudo: mais investimento, mais adeptos e mais apoios.

- Houve a introdução do VAR, agora a questão dos relvados naturais... O que pode ainda melhorar no futebol português?

- Essa questão dos relvados foi uma boa melhoria. É positivo para as atletas, pois foi feito para o bem delas. No futebol feminino, há uma predisposição maior para lesões, principalmente no joelho, e jogar em sintético não ajuda. No entanto, isso não dependia só de nós. Talvez alguns clubes não tinham capacidade para ter relvado e precisaram de apoios. (...) Até certo ponto, depende de nós, mas há limites. A profissionalização é o próximo passo; ainda há muitas jogadoras que têm outro emprego além do futebol.

Daniela tirou a licenciatura em Fisioterapia
Daniela tirou a licenciatura em FisioterapiaSport Futebol Damaiense Feminino

"Terminei o curso e estou 100% focada no futebol"

- Como olha para os próximos anos da sua carreira?

- Espero continuar a fazer isso, é o meu sonho. Tirei o curso de fisioterapia, sabemos que não somos como os rapazes, em que terminamos a carreira e não precisamos de fazer mais nada. Acabei o curso no ano passado e estou realmente focada no futebol. Há muito tempo que só queria fazer isso. Nos anos anteriores, estava dividida, mas agora estou a dedicar-me 100% ao futebol e espero crescer muito com isso. É o meu sonho, e vou tentar fazê-lo pelo máximo de tempo que conseguir.

- A Seleção é um dos objetivos? Já vimos que é possível uma jogadora do Damaiense (n.d.r: Beatriz Cameirão, agora no Benfica) ser chamada...

- Acho que todas nós temos esse objetivo. A Seleção está muito competitiva e é bastante difícil entrar, mas é um sonho. Sinto que a Cameirão, no ano passado, deixou-nos a todas orgulhosas; foi uma grande figura. A nossa capitã foi à Seleção, foi MVP e conseguiu provar que era possível, fazendo com que começássemos todas a acreditar.

Os próximos jogos do Damaiense
Os próximos jogos do DamaienseFlashscore

- Qual a mensagem para os mais jovens que aparecem em clubes mais modestos e que sonham em chegar onde chegou a Daniela?

- Acho que é uma questão de acreditar, não desistir e ter um grande foco. Em Santa Comba Dão, temos dois grandes exemplos, tanto para o feminino quanto para o masculino, como o Benny, que agora está na Turquia. É importante olhar para alguém que conseguiu alcançar os seus objetivos e pensar: 'Se ele conseguiu, eu também consigo'. Portanto, o mais importante é não desistir, ir para cada treino e dar o melhor de si. Isso ajuda bastante para sermos aquilo que queremos ser.

- Sentes essa responsabilidade de ser um exemplo?

- Quando vou a Santa Comba Dão, as meninas não falam diretamente comigo, não sei se têm vergonha, mas as mães ou avós costumam dizer: 'A minha neta é muito sua fã e vê os seus jogos'. (risos) Fico muito feliz por saber que há meninas que me veem como um exemplo.

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