Ouro de Aitana tem a voz do crescimento: "Teremos uma portuguesa a lutar pela Bola de Ouro"
Aitana Bonmatí teve uma época absolutamente de sonho. A jogadora do Barcelona ganhou tudo aquilo que podia ganhar ao serviço do clube e ainda celebrou com as cores da seleção espanhola. Inolvidable!
Tudo isso contribuiu de forma significativa para a sua eleição natural para o patamar de melhor jogadora do Mundo, pelo segundo ano consecutivo, sendo que a sua maior concorrência foi a de uma companheira de equipa: Caroline Graham Hansen. A internacional norueguesa marcou 32 golos e deu 29 assistência, em 2023/24, e ficou a morder os calcanhares da espanhola.
"Creio que foi justíssimo. No entanto, uma decisão difícil, tendo em conta que estão separadas por três pontos. Ou seja, tudo muito renhido. No entanto, tive a oportunidade de estar em Bilbao na final da Liga dos Campeões e ver a força que Aitana tem dentro e fora de campo, o que faz dela um exemplo. E tem conduzido o Barcelona a grandes feitos, tal como na La Roja, onde foi uma das grandes obreiras (da conquista do Mundial)", defende Sara Salgueira, da página Futebol Feminino em Portugal, responsável pela votação no nosso país, em declarações ao Flashscore.
"Não são só os golos, é a maneira como conduz a equipa, como dribla, como joga e faz jogar. Ter uma Aitana em campo torna tudo mais fácil", completa.
"O futebol não é para meninas é falso"
Aitana Bonmatí faz parte da mais recente vaga de modelo a seguir. Integra a constelação de estrelas de uma equipa que tem dominado a nível europeu e que hoje é vista como um dos maiores exemplos daquilo que se tornou a indústria. Dentro e fora de campo. Sara destaca a importância de figuras como esta para a afirmação e crescimento do feminino à escala global.
"O principal impacto é a visibilidade e a força que dão a outras áreas, sobretudo na luta pela igualdade. Há 20 anos, o que acontece nos dias de hoje era impossível. Tem sido uma luta e um caminho longo que têm dado frutos. O impacto começa hoje. A gala teve dois prémios que distinguiram mulheres pela sua influência dentro e fora de campo. Falo de Aitana e Jenni (venceu o Prémio Sócrates). Mais atletas, mais visibilidade, mais responsabilidade e mais apoios", considera.
"Para todas as atletas, em todos os países, claro que há discrepâncias, mas elas jogarem futebol com melhores condições é uma realidade. Digo que, quando em 2022 votei pela primeira vez, o voto era pedido por e-mail, numa lista das cinco melhores que escrevíamos num simples e-mail. Nos dias de hoje, há uma página com a foto das jogadoras, os seus feitos, que podemos selecionar. Até a própria France Football as começou a levar mais a sério. Isto é real. Está a acontecer", prossegue.
"O futebol não é para meninas é falso. Ada (Hegerberg), Alexia (Putellas), Aitana (Bonmatí), Caroline (Graham Hansen), Marta, (Alex) Morgan, Kika (Nazareth) e tantas outras são prova disso", remata.
"Tudo o que fazemos é por amor à camisola"
A realidade de hoje era o sonho de há muitos anos. O que hoje é visível aos nossos olhos é fruto de um trabalho de muitos e muitos anos em prol de uma causa que cresceu e continua a florescer, não só em Portugal, mas também no mundo. A página Futebol Feminino em Portugal teve a sua dose de importância no processo.
"A página teve o seu primeiro post a 4 de fevereiro de 2011, fundada por Sandra Costa, que a criou com o objetivo de dar visibilidade ao futebol feminino. Acabou por reunir informações relevantes sobre todos os campeonatos de futebol feminino do país (sendo até fonte de informação para os meios de comunicação social), com o intuito de ajudar raparigas a encontrar um clube e de criar visibilidade. Fomos os primeiros a promover a FutFemTV, os prémios do futebol feminino, entrevistas a jogadoras e treinadores/as, e desafios de toques, antes de todos os outros. Mas isto só foi e é possível graças à existência de colaboradores que ajudaram na sua continuidade durante todos estes anos", assinala Sara Salgueira ao Flashscore.
"Eu juntei-me à equipa em 2020, durante a pandemia, e, em 2021, com a falta de tempo da Sandra para gerir a página, fiquei eu responsável. Tem sido um desafio incrível, e tudo o que fazemos é por amor à camisola. Fazemo-lo pelo futebol feminino e por todas as mulheres e raparigas que querem jogar futebol e que sabemos ter ajudado a encontrar também o seu clube, o seu lugar. Podíamos dizer que foi criado como o lugar das mulheres do futebol em Portugal, quando ainda ninguém, ou quase ninguém, lhes dava esse lugar", complementa.
A credibilidade é visível no simples facto de serem os representantes de Portugal na eleição de tão prestigiado prémio no feminino.
"Significa que temos feito um bom trabalho ao longo dos anos. Fiquei um pouco surpreendida, porque há tantos, em Portugal, nos dias de hoje, a falar e a escrever sobre futebol feminino. Porém, acho que o facto de ser um dos primeiros projetos no país a falar sobre o tema pode ter tido esse peso", atira.
"Eu, que tenho votado ao longo destes três anos, faço de tudo para ser justa nestas votações, avaliando os prós e contras de cada uma das escolhidas. É muito gratificante acordar e ver o nosso nome ao lado da bandeira de Portugal, votando num momento importante no futebol, sobretudo no futebol feminino, que tanto lutou para chegar até aqui. Este nosso voto também é uma forma de luta e de revolução, mostrando que em Portugal há futebol, há mulheres a jogar futebol, e há mulheres que entendem e sabem sobre futebol. Elas dentro de campo, nós deste lado", anota.
"Portugal joga com todas as seleções de igual para igual"
O fenómeno também atingiu o mercado português e por cá temos assistido a um crescimento sustentado, ainda com muito para melhorar, em vários aspetos, como é natural, e isso resulta no reconhecimento (e aposta) do talento português além-fronteiras.
"Em Portugal, o futebol tem crescido imenso, como todos temos observado. Creio que um marco importante foi a entrada dos ditos grandes do futebol masculino no feminino. Falo do Sporting, do SC Braga, do Benfica e, recentemente, do FC Porto. E, sobretudo, da FPF, que tem apoiado a modalidade, contribuindo para a sua melhoria. A presença de todos dá uma maior visibilidade, mas, sobretudo, melhores condições às atletas: melhores estruturas, melhor acompanhamento e melhores salários. Infelizmente, ainda muito longe do que se vê no masculino. Essa visibilidade na Liga permite a entrada de jogadoras estrangeiras, que trazem experiência e novos conhecimentos, partilhando-os com as colegas, tornando a Liga uma referência", anota Sara Salgueira.
"Essas melhorias permitem também a saída de jogadoras, mostrando que a jogadora portuguesa tem valor e qualidade. Temos a Kika, a Inês Pereira, a Andreia Jacinto, a Diana Gomes, a Sofia Silva e a Tatiana Pinto a jogar em Espanha, numa das melhores ligas, que tem, efetivamente, a melhor jogadora do mundo e o melhor clube do mundo. E outras, como a Joana Marchão (Suíça), a Jéssica Silva (EUA), a Ana Dias e a Ana Seiça (México) e tantas outras. Um passo gigante para o futuro das novas gerações. Sem esquecer a formação, que tem sido fundamental para o crescimento das atletas. Podemos ver depois nas seleções como conseguem bons resultados", prossegue.
"Portugal joga com todas as seleções de igual para igual. Todos esses fatores têm contribuído para as boas exibições dentro e fora de portas, e por isso temos Filipa Patão eleita a sexta melhor treinadora do mundo. Há 10 anos, isso seria impensável. Ainda há caminho a percorrer, e espero que a Liga um dia seja profissional. Para isso, também é preciso equilibrar as condições entre as equipas, pois nem todas têm os mesmos recursos", sustenta.
"Só para terminar, acredito que teremos uma jogadora portuguesa no top 10 e, quem sabe, a lutar pela Bola de Ouro em breve", remata.