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Análise: Conceição e Arteta - sentimentos semelhantes, abordagens diferentes

O que une e separa Conceição e Arteta
O que une e separa Conceição e ArtetaLUSA/AFP/Flashscore
Apesar dos estilos antagónicos como jogadores e treinadores, há também muito a unir Sérgio Conceição e Mikel Arteta. Nesta análise, o Flashscore palmilha o passado e o presente de dois comandantes que olharam para a crise nos olhos e devolveram os dois clubes, não só à ribalta, mas à identidade própria.

Acompanhe aqui as incidências do encontro

Convém recordar a crise identitária que ambos enfrentaram quando chegaram ao leme dos respetivos clubes, sendo que o tempo é o primeiro dos fatores diferenciadores entre ambos. Enquanto a transformação dos azuis e brancos exigia, simultaneamente, resultados imediatos, para os lados de Londres o técnico espanhol teve tempo para uma muito necessária reformulação a fundo.

Dentro de campo, Sérgio Conceição já provou ser adaptável e camaleónico, transformando a estratégia, a tática e os intervenientes consoante o adversário que tem pela frente ou até o plantel que tem à disposição. Já Mikel Arteta, um dos melhores - senão o melhor - pupilos da escola tática de Guardiola, quer a sua equipa constantemente em controlo, com alta produção ofensiva e a jogar bom futebol. 

Ainda assim, há muito mais que une os dois treinadores do que propriamente os separa.

Arrumar a casa

Em 2017/2018, o portista tinha a difícil missão de alavancar um emblema na maior seca de títulos em mais de 20 anos, orientado por dois treinadores que não convenceram (Lopetegui e Nuno Espírito Santo) e que queimou milhões de euros em erros de casting (Imbula, Adrián, Andrés Fernández, Walter, Quintero, Bueno...). 

Imbuído do espírito de dragão, camisola que envergou durante três temporadas como jogador, o eterno insatisfeito começou por, mesmo antes de meter mãos à obra, lançar um aviso no dia da apresentação: 

As palavras de Conceição no dia em que foi apresentado
As palavras de Conceição no dia em que foi apresentadoLUSA/Opta by Stats Perform

Ao contrário do português, Mikel Arteta entrou a meio da época e do projeto encabeçado por Unai Emery no norte de Londres, em dezembro de 2019, que durou apenas uma temporada e meia. Recorde-se que, antes disso, o lugar do banco pertenceu a Arsène Wenger durante uns modestos 22 anos. 

Já sem grande mão no que seria a janela de transferências - poucos meses antes os gunners estouraram 80 milhões de euros em Nicolas Pépé e outros 30 em Saliba - o espanhol apontou a mira a quem já estava e não a quem chegava. Num plantel recheado de estrelas que recolhiam aos balneários com sorrisos no final de empates ou derrotas caseiras, era notório que o nível de exigência tinha descido e o antigo capitão de Wenger não podia aceitar o facilitismo:

As palavras de Arteta no dia da apresentação
As palavras de Arteta no dia da apresentaçãoAFP/Opta by Stats Perform

Sem rodeios e eufemismos, ambos foram irredutíveis e colocaram termos inegociáveis para quem quisesse envergar os respetivos símbolos perante duas massas adeptas que tão bem conhecem, que nunca deixaram de apoiar os clubes, mas que também exigem muito mais do que apenas resultados

Identidade

As diferenças notórias entre ambos começam aqui, até porque não há dois clubes iguais: a filosofia do clube e o modelo de jogo são, praticamente, diametralmente opostos. Logo na primeira época, Conceição recuperou a raça, o querer e a fome de vencer, limitando os egos e promovendo o trabalho árduo (à Mourinho) com as sobras indesejáveis dos antecessores. Mais do que tática, era precisa paixão. Resultado? Venceu o campeonato.

Numa realidade bem diferente, Arteta precisou de criar um projeto de raiz: recuperar a massa associativa cada vez mais desiludida e desalinhada com o clube, um modelo de jogo (baseado no de Pep Guardiola) que além dos resultados promovesse o jogo associativo (à Wenger) e, o mais difícil e moroso, descobrir e expurgar os maus vícios embrenhados de 15 anos de fracassos.

Para trazer à tona a identidade dos dois emblemas, nada melhor do que trabalhar no regresso de lendas que por lá passaram ou promover jovens atletas da formação cujos valores clubísticos lhes corre no sangue. Se nos dragões havia Diogo Costa, Vitinha, João Mário ou Fábio Vieira, nos gunners apareceram Bukayo Saka, Emile Smith Rowe, Eddie Nketiah ou Joe Willock.

De forma a tirarem a pulsação aos corpos e anticorpos à volta dos emblemas nos primeiros meses, Conceição falou para fora, para recuperar o apoio incansável dos adeptos durante os jogos e com recados para a estrutura do clube. 

Arteta falava para o balneário ao mesmo tempo que, de forma quase invisível, se movia nas sombras, promovendo iniciativas fora da caixa, como colocar o hino do Liverpool (You'll Never Walk Alone) durante os treinos ou levar esse conceito para o Estádio Emirates com uma música antes dos inícios dos jogos (North London Forever) que exaltasse as origens dos gunners, de forma a aproximar o emblema da sua gente. 

Daí que, após um oitavo lugar que atirou o clube para fora das competições europeias pela primeira vez em 25 anos, os londrinos tenham mantido (e reforçado) a confiança no treinador que voltou a salientar a importância de seguir as linhas do projeto.

Arteta no final da época 2020/21
Arteta no final da época 2020/21AFP/Opta by Stats Perform

Bem conhecedores dos valores e da história dos respetivos clubes, colocaram em marcha um processo de transformação que simultaneamente recuperou os descrentes e lhes permitiu uma maior liberdade de decisões, pelo menos no que aos adeptos diz respeito.

Disciplina e valores inegociáveis

Ao mesmo tempo, com pouco mais de um ano no comando, rodearam-se de figuras-chave que fossem uma extensão desses valores no balneário e do estilo de jogo dentro de campo. Sérgio Conceição apadrinhou o regresso de Pepe e promoveu Otávio no seio da equipa. Arteta moveu mundos e fundos para garantir a contratação de Odegaard, Partey e Gabriel Magalhães.

Estas foram as paredes-mestras de um balneário que se queria coeso, unido e cada vez mais exigente. Isso sentiu-se cada vez mais com o passar do tempo e nos discursos após os maus resultados. Depois de sofrer uma goleada por 1-5 diante do Liverpool na fase de grupos da Liga dos Campeões, Conceição deixou duras críticas aos jogadores e ao "desastre vergonhoso".

"Mesmo com uma equipa de juniores, com certeza que fariam um pouco melhor do que fizemos hoje. Mas fui eu que não passei a mensagem e errei na equipa inicial, de certeza. Tenho de perceber com o presidente se os jogadores ouvem ou não o treinador, desta forma vai ser difícil continuar e falo das competições internas. Se fazemos uma figura destas na Champions, temos de pensar se os jogadores estão dispostos a levar com o treinador que tem", atirou.

Por seu lado, ainda antes de a equipa ser uma candidata ao título, em janeiro de 2022, Arteta explodiu no balneário diante dos jogadores depois de uma surpreendente derrota por 1-0 com o Nottingham Forest, que afastou os gunners da Taça de Inglaterra na terceira ronda. Num verdadeiro momento crucial entre o velho e o novo Arsenal, o documentário All or Nothing, da Amazon, apanhou os momentos conturbados de uma transformação há muito necessária.

Nesse mês turbulento, o técnico teve ainda de resolver um dossiê muito complicado (e de indisciplina) de Aubameyang, quando a estrela do clube se ausentou sem informar e negociou uma transferência para o Barcelona. E aqui está mais um aspecto em que Arteta (Auba, Lacazette, Ozil, Guendouzi, Pepé, Lenoe Conceição (Corona, Nakajima, Sérgio Oliveira, Navarro ou David Carmo) estão de acordo: se um jogador está infeliz e a minar o balneário, deve-se preservar a harmonia e a filosofia do grupo, em detrimento do retorno financeiro.

O murro na mesa surtiu efeito e os gunners partiram para uma segunda metade da temporada sem o seu melhor jogador e a depender de jovens estrelas como Emile Smith Rowe e Bukayo Saka. No entanto, como tem sido hábito nos últimos anos, caíram no jogo decisivo e perderam o objetivo que era a qualificação para a Liga dos Campeões. No balneário, Arteta explodiu, não pela derrota, mas pela forma como aconteceu.

Não interessa o que eu diga ou o que vocês digam, agora é demasiado tarde. Eles foram 10.000 vezes melhores do que nós hoje. Não tivemos nada. Por isso agora, calem a boca. É uma autêntica vergonha jogar aqui da forma que jogamos. Vergonhoso! O que aconteceu hoje é totalmente inaceitável e se vocês aceitam algo assim é porque vivem num mundo diferente. Não se preocupem, eu vou enfrentar as pessoas. Hoje é muito difícil defender-vos rapazes. Muito difícil. Mas eu vou levar com esta m*rda... outra vez!", disse aos jogadores. 

Daí que tantas transformações tenham acontecido a nível interno e nos plantéis. De facto, no FC Porto, a saída de Otávio levou o último resistente da equipa que Sérgio Conceição herdou de Nuno Espírito Santo. Marcano e Galeno, que saíram e regressaram, são os únicos que fazia parte do plantel de 2017/18. No Arsenal contam-se apenas Saliba (emprestado na altura que Arteta assinou), Saka, Smith Rowe, Martinelli e Nketiah desde o dia 21 de dezembro de 2019.

Indissociáveis

A exigência, a paixão e o respeito pelo clube e os adeptos são valores totalmente inegociáveis para os dois treinadores. O seu modelo de gestão, tanto interna, como externa, fez com que se aguentassem no cargo depois das turbulências - que foram muitas nos dois casos - e já somem mais de cinco anos no comando, um número quase irreal para o futebol de hoje em dia.

Mais do que arranjar desculpas, procuram soluções sempre a olhar para dentro, mas também para lá dos jogadores e sem preocupações quanto a egos feridos.

Conceição é mais incisivo fruto da sua personalidade e da exigência dos adeptos: "É preciso sentir o clube. Não basta ter contrato. E não falo só dos jogadores. Já vão dizer que estou a atacar os jogadores, mas também me estou a atacar a mim. Isto vale para todos os departamentos, incluindo a equipa técnica e o treinador em primeiro lugar. É preciso sentir o clube e jogar à Porto", disse, em dezembro.

Por outro lado, Arteta costuma ser mais agregador, menos explosivo, mas nem por isso mais facilitador: "Odeio o sentimento de sentirmos pena de nós próprios. De dizer, 'oh, isto está a acontecer-nos outra vez'. Muitas coisas podem acontecer, e quando elas acontecerem temos de encontrar a razão. Se não quisermos que aconteçam outra vez, temos de fazer algo sobre o assunto, porque se continuarmos a fazer a mesma coisa espero que volte a acontecer o mesmo - ou pior. Porque já temos essa história. Temos que mudar essa dinâmica totalmente e ver o que conseguimos ser e como o conseguimos fazer. Se colocarmos toda a nossa energia nisso, o resto encarrega-se de si próprio". 

O que falta

Apesar do trabalho já feito, ainda há muito por fazer. No caso do FC Porto, Sérgio Conceição está mais folgado fruto dos 10 títulos conquistados em sete épocas. No entanto, o técnico está sob pressão desportiva - a sete pontos (que podem ser 10) dos líderes do campeonato - e em final de contrato. A Europa surge como um palco para afastar a crise doméstica e fechar (se for esse o caso) com chave de ouro a passagem pelos dragões.

Por outro lado, apesar das muitas mudanças feitas para melhor por Arteta, falta o mais importante: troféus. Depois de mais uma escorregadela no momento decisivo na temporada passada, os gunners mantêm-se na luta pela conquista da Premier League e vêem este regresso à Champions como a oportunidade perfeita para fazer uma declaração de intenções e colocar no museu um cetro que nunca conquistaram.

O duelo entre ambos está agendado para esta quarta-feira, às 20:00, e conta com relato Flashscore!

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Acompanhe o relato ao vivo através da app ou siteFlashscore

* Para entender mais sobre as reinvenções constantes de Conceição ao leme do FC Porto pode ler este artigo. Para perceber as dinâmicas de jogo que Arteta demorou a implementar, convidamos a ver o vídeo abaixo ou ver a série supramencionada All or Nothing.