Marcelo pagou a dívida com o clube onde foi formado
O Brasil sabe o que faz. Um país onde o futebol é uma religião sabe como mimar os seus heróis. E isto apesar de a grande maioria dos jogadores habilidosos desaparecerem para a Europa, com o objetivo de se tornarem estrelas mundiais.
Marcelo Vieira da Silva Júnior foi um deles há alguns anos. Teve uma temporada no Brasileirão, mas graças a isso mostrou a qualidade necessária quando era adolescente. Entrou para o Fluminense em 2006 e conseguiu marcar quatro golos enquanto defesa. Os olheiros sentiam um grande potencial, mas ele ainda duvidava de si mesmo.
"Quando entrei no avião para Espanha, aos 18 anos, não sabia se ia assinar contrato. Pensei que o Real Madrid me tinha convidado para me observar ou para fazer testes físicos. O meu melhor amigo, a minha futura mulher e o meu avô estavam no avião comigo. Éramos quatro e tínhamos um GPS connosco para não nos perdermos. A única pessoa no Brasil que sabia para onde eu estava a ir era o meu pai", lembra Marcelo sobre o início de sua aventura no futebol.
Chegada a Madrid de cabeça baixa
Chegou a Madrid careca, mas depois deixou crescer o cabelo e o penteado desalinhado tornou-se a imagem de marca. O Estádio Santiago Bernabéu tornou-se a nova casa e a morada onde conquistou troféu atrás de troféu. De um rapaz que começou como jogador de futsal e só começou a jogar futebol aos 13 anos, acabou por se tornar uma lenda. Nenhum outro na história do Real Madrid conquistou tantos troféus. Em 16 anos foram 25, incluindo cinco títulos da Liga dos Campeões.
Marcelo festejou os títulos de campeão no Real desde as primeiras épocas, mas na Liga dos Campeões da Europa, o Ballet Branco terminou inicialmente nas primeiras rondas da fase a eliminar. Por isso, foi uma pena que, quando a final da Libertadores foi disputada no Maracanã, em julho de 2008, na qual o Fluminense chegou pela primeira vez na história, ele tenha sido esquecido pela equipa que lhe deu uma chance.
Há 15 anos, o tricolor "grená-branco-verde" perdeu a partida decisiva com a LDU Quito, do Equador, após um desempate por penáltis. Ficou a necessidade de uma vingança. A oportunidade chegou apenas este ano. E Marcelo admite a gratidão por poder estar lá desta vez.
"Eu tinha uma dívida com o Fluminense", contou após a emocionante vitória sobre o Boca Juniors. "Trabalhei muito e mesmo assim muita gente me criticou. Eu ouvia, mas entrava por um ouvido e saía pelo outro... E agora o Fluminense é campeão da Copa Libertadores", contou.
Começou o jogo decisivo no lado esquerdo da defesa desde o primeiro minuto, assistiu ao primeiro golo do colega argentino Germán Cano, depois culpou-se pelo golo do empate de Advíncula e acabou por ser substituído antes do final da segunda parte. Assistiu ao resto do jogo, incluindo o prolongamento e o golo da vitória de John Kennedy, vestindo apenas uma camisola diferente. Quando se aproximava o fim do jogo, saltava impaciente na linha lateral. Quando o árbitro Roldán apitou pela última vez, Marcelo começou a rir e a dançar descontroladamente.
"Não há melhor sensação do que esta vitória. Os adeptos do Real Madrid vão perceber", contou o lateral. As emoções que ele sentiu após o triunfo na Libertadores superaram as lembranças de seus cinco títulos da Liga dos Campeões. "O Real é passado, está ali. Agora foi importante ganhar o troféu para o Fluminense. É um título muito importante para mim, com o meu clube preferido, um clube que me deu tudo no início para poder ter a carreira que tive", vibrou.
Aproveitara vida
Depois de 16 anos na Europa, o sonho de Marcel tornou-se realidade. E admite que, no Brasil, está a voltar a desfrutar da sua vivacidade natural. "Se Deus quiser, se a gente ganhar a final, eu vou apanhar o metro para casa. Esse é o meu maior desejo. Já o queria fazer em Madrid, mas veio a pandemia. Quero ver a reação das pessoas, a euforia", prometeu em entrevista ao jornal O Globo antes do duelo final no Maracanã.
Deu certo, ele pode ir. A rua é simplesmente um lugar que gosta. Mas ele também disse que gostava de mandar o filho, que está a fazer sucesso na formação do Real Madrid e recebeu um convite para a seleção espanhola, para fora. "Sim, levo-o aos treinos, mas quando posso, mando-o para fora, é onde ele aprende mais", sabe Marcelo.
O risonho e excecional futebolista brasileiro é hoje um dos ícones mais respeitados no Brasil. Pode nunca ter ganho um Campeonato do Mundo para o seu país, mas a participação nas grandes vitórias dos clubes impõe respeito. Marcelo já disputou 17 grandes finais e apenas duas vezes saiu derrotado. É neste tipo de combates que ele é bom.
Até hoje, apenas 14 jogadores de futebol venceram a Libertadores e a Liga dos Campeões. Entre eles estão os brasileiros Neymar, Ronaldinho Gaúcho e David Luiz, além de astros argentinos como Julián Álvarez, Walter Samuel, Carlos Tévez e Juan Pablo Sorín. Marcelo, no entanto, lidera claramente o grupo. Ele foi campeão cinco vezes na Europa e agora com o Fluminense na América do Sul.