Coreia do Sul com Jucie Lupeta: "Está a ser a melhor experiência da minha vida"
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Jucie Lupeta saiu aos 13 anos da Lourinhã para ir para o FC Porto, onde cumpriu as últimas etapas da formação. Uma lesão nos ligamentos cruzados (e menisco) no último ano de juniores roubou-lhe o sonho de dar o salto para a equipa principal dos dragões, dando então início a uma longa digressão pelo estrangeiro, com várias paragens.
Entre boas e más decisões, o avançado sente que a determinada altura da sua carreira o seu nome ficou para sempre "esquecido" no mercado português, contando apenas com uma época no principal escalão do futebol nacional, ao serviço do histórico Vitória FC, mas não é por isso que deixa de ter orgulho naquilo que construiu.
Aos 31 anos, Lupeta vive uma fase "muito feliz" na Coreia do Sul e o mês de setembro marcou o arranque de mais uma etapa muito especial na sua vida: o avançado vai tirar o Doutoramento, depois de uma licenciatura, uma pós-graduação e um mestrado. O sonho? Voltar ao FC Porto para assumir a direção da academia dos azuis e brancos.
"Coreia do Sul está noutra dimensão"
- Como está a ser a experiência na Coreia do Sul?
- O Bucheon é o clube que teve a primeira claque (de adeptos) da Coreia do Sul. Foram eles que começaram a cantar nos jogos e a apoiar também a seleção nacional. É uma equipa com muito potencial, com ótimas condições, e estou muito feliz aqui. As pessoas são muito boas.
- Perante todas as experiências que já viveu na sua carreira, como enquadra esta nova realidade?
- Posso garantir que é o melhor clube em que estive na minha carreira, tanto em termos de condições e infraestruturas, quanto pelas pessoas em si.
- Mas é um clube de segunda liga...
- Sim, o clube está na segunda liga.
- Então como justifica que seja o melhor clube por onde passou?
- Não falta nada. Eles são muito organizados e avançados. A Coreia do Sul está noutra dimensão, é um país muito desenvolvido, e o futebol está cada vez mais forte. Não é fácil jogar aqui. É mais fácil para um jogador menos conhecido adaptar-se do que para um jogador de renome e já com uma carreira feita. É muito difícil porque taticamente eles são muito bons, e é necessário correr muito sem a bola. Eu sou ponta-de-lança, e a primeira preocupação deles é que eu saiba defender sem a bola. Tive problemas; os primeiros seis meses foram complicados.
- Já conseguiu adaptar-se?
- Sim, sim. Tens seis meses para te adaptares. Um jogador de renome que não se adapte em seis meses é mandado embora. Não interessa se recebe milhões; eles pagam e mandam embora.
- Quais as principais diferenças que encontrou?
- O treino é intenso. Tens de "matar um leão" todos os dias (risos). Quando cheguei aqui e fomos para estágio, pensei que ia treinar com a bola. Nada disso. Estive uma semana a treinar de manhã e à tarde sem bola, só a correr. Foi algo louco, nunca tinha visto nada assim (risos). Na semana seguinte, quando comecei a treinar com a bola, já não conseguia. As minhas pernas estavam mortas (risos).
- Como descreve o jogador coreano?
- Os coreanos têm muita técnica. Não são arrogantes. Trabalham muito e dá para ver que estão a começar a ir muito para a Europa.
- E a nível humano?
- É o melhor clube em tudo. São bastante tranquilos, não se passa nada. O treinador dá instruções rigorosas e eles agradecem sem responder uma vez. Em termos de amizade, são boas pessoas, acolhem bem, mas são mais fechados. Não é como os portugueses; são muito reservados.
"O meu objetivo é ficar aqui até acabar a carreira"
- Em termos de campeonato, a segunda divisão coreana é competitiva? E as pessoas interessam-se pelo futebol?
- É muito competitivo. O primeiro pode perder para o último. Há equipas com orçamentos maiores que são candidatas à subida. Cada fim de semana é uma final. Em termos de adeptos, uma coisa que reparei é que as mulheres vão muito aos jogos. Não sabia que elas se interessavam tanto aqui, e vibram muito com o jogo.
- O que o cativou mais na proposta para ir para a Coreia do Sul?
- Estava em Israel e o meu objetivo era focar-me em jogar futebol para conseguir o meu próximo contrato. Tinha os meus estudos, mas concentrei-me totalmente no futebol. O meu objetivo era ultrapassar os 10 golos para conseguir o contrato da minha vida. Sabia que isso só viria da Ásia. Quando passei dos 10 golos, comecei a receber propostas.
Sou um ponta-de-lança diferenciado. Sou grande, rápido, posso jogar tanto em transição como em posse de bola, mas nunca tive muitos números. Sabia que na Ásia teria a capacidade de elevar esses números. Recebi uma proposta da China, e depois chegou a proposta da Coreia. Esperei, esperei, e finalmente chegou. Foi a proposta que eu sempre quis. Surgiu no momento certo. Quando vi, mostrei à minha namorada, e era exatamente o que queríamos. Fomos pesquisar sobre a cidade, que é linda, o modo de viver, e também perguntamos sobre ela a várias pessoas.
- Correspondeu tudo às vossas expectativas?
- Foi ainda melhor. É um mundo à parte. Ficámos maravilhados. As pessoas são ridiculamente educadas (risos). Uma vez, fui ao supermercado e saí de lá com três sacos de cada lado. Quando estava a subir as escadas do apartamento, um senhor das entregas olhou para mim e perguntou se eu precisava de ajuda. Eu disse que não, mas ele percebeu que eu precisava, pegou nos meus sacos e levou-me os sacos até à porta.
Eu sou negro, e algo assim acontecer a um negro é praticamente impossível em muitos lugares. Aqui, eles não ligam para a cor da pele. Se fores educado, eles são educados contigo. A vida é muito boa. Estou a 45 minutos de Seul, e Seul é um mundo à parte. Estou a gostar muito. Está a ser a melhor experiência da minha vida.
- Enquanto jogador acaba por estar numa realidade um pouco à parte, mas como é a qualidade de vida na Coreia do Sul? É um país muito caro?
- A fruta é muito cara. As rendas também são muito altas. Aqui tens uma possibilidade muito curiosa. Podes fazer um contrato de 15 anos por uma casa, pagar a entrada e não pagar mais por mês. Mas, em geral, para famílias normais não é fácil (viver na Coreia).
- E como passa o seu tempo livre?
- A minha mulher é que trata do plano (risos). Já percorri a Coreia do Sul toda de carro. Gosto muito da cultura, comemos muita comida coreana, que é excelente.
- O futuro passa por continuar por aí?
- O meu objetivo é ficar aqui até acabar a carreira. Gosto muito. Quero permanecer na Coreia do Sul ou na Ásia.
- Acredito que a língua seja uma das principais barreiras...
- A língua é muito complicada. Tenho um colega brasileiro, o Nilson Júnior, que está cá há quase 10 anos e não fala nada (risos). Já podia ser coreano e ainda não fala nada (risos). Em geral, eles comunicam bem em inglês.
"Ninguém me conhece em Portugal"
- O Lupeta está há muitos anos fora e conta apenas com uma época de sénior em Portugal. Pergunto se foi uma escolha na sua vida ou as coisas proporcionaram-se dessa forma?
- Foi uma escolha minha ficar fora. Ninguém me conhece em Portugal, tenho de ser objetivo e realista. Não tenho moral, como se diz. E também não há um clube que me ofereça as condições que tenho aqui. Só joguei um ano em Portugal e posso dizer que gostei muito do Vitória FC, um clube grandíssimo, e era muito feliz lá. Mas, quando tive a oportunidade de ir para o estrangeiro, decidi que a minha vida iria passar fora do país.
Tinha o sonho de jogar em Portugal e no meu clube do coração, o FC Porto, mas há que ser realista. Não estava nos planos de Deus e também não estava nos meus.
- Sendo alguém formado num grande clube como é o FC Porto, sentiu que não ia ter a pressão lá fora que possivelmente iria ter em Portugal?
- Senti que era mais fácil jogar e vingar fora do que em Portugal. Foi uma escolha totalmente minha. Até porque não tive grandes propostas de Portugal. Tive algumas no primeiro ano no Vitória e quando saí da África do Sul, mas a partir daí eu "morri" para Portugal (risos).
- Olhando para trás: valeu a pena?
- Olho para trás com orgulho. Não foi fácil, mas estamos cá. O futebol não é fácil. Tive uma lesão nos ligamentos cruzados e menisco aos 18 anos, no último ano no FC Porto. Não fiquei lá e fui para a Hungria. Ainda consegui ir para o Vitória graças ao Domingos Paciência, o meu "paizão", mas também não correu muito bem. Fui para a África do Sul e também não correu muito bem. Depois, a minha carreira deu uma reviravolta na Eslovénia. Comecei a jogar feliz, sem pressão nenhuma.
Fui para a África do Sul por dinheiro. Posso dizer que devia ter ficado no Vitória, era muito novo, e não devia ter ido para a África do Sul. Mas a reviravolta aconteceu na Eslovénia; fiz o primeiro contrato sem pensar em dinheiro. Correu muito bem. Fui para o NK Celje e depois o Olimpija comprou-me e correu bem.
Estou orgulhoso. Não vou dizer que estou a ter uma carreira "uau", mas estou orgulhoso. Consegui muitas coisas graças à minha carreira. Não tenho muitos arrependimentos, só a passagem pela África do Sul e, talvez, pela Roménia. Não gostei nada.
"Vou começar agora o Doutoramento"
- Quais as principais dificuldades de ser emigrante?
- Eu sempre fui muito independente, até porque com 13 anos saí da Lourinhã para o Porto. Os meus pais sempre tentaram ir lá acima, mas era caro. Sempre fui muito forte mentalmente nesse aspeto. Não tive infância, cresci muito rápido. Não tinha outra opção e orgulho-me muito disso. Isso ajudou-me também na vida.
Quando fui para a Eslovénia, no meu segundo ou terceiro ano (n.d.r. época 2018/19), decidi por mim próprio estudar e isso foi uma mais-valia. Eu tinha de fazer algo. Ia para o treino e depois? Para não ficar a "dar em maluquinho", decidi ir estudar.
- O que foi estudar?
- Tenho uma licenciatura em Marketing - Bachelor of Arts (Honors) in Marketing na London School of Design and Marketing (UCA - University for the Creative Arts) -, um Mestrado em Desporto e Estilo de Vida - Master’s Degree in Sports & Lifestyle Management na Rome Business School -, e acabei agora uma pós-graduação na Universidade Europeia de Lisboa - Sports Performance. E agora, o topo do bolo: fui aceite para fazer Doutoramento - Doctorate in Professional Practice (Sport and Exercise) na University of Derby. Vou começar em setembro e será um percurso de quatro anos. Tive entrevistas e apresentei o que queria estudar. A minha tese vai ser sobre algo que sempre quis: transição da Academia para o profissional. Lindo! (risos).
- Qual é o principal objetivo com os estudos?
- Imagino-me a ser diretor de uma academia. Tenho um objetivo muito claro. Gostava muito de começar em Portugal e de ser o diretor da nova academia do FC Porto. Como fiquei lá seis anos e tenho conhecimento das pessoas, como o Dr. Ângelo, a Dra. Joana, e o Dr. Nelson, mantemos o contacto e eu sempre disse que voltaria como diretor. Estou a fazer tudo para conseguir isso. Agora, se calhar, até tenho mais currículo do que os outros (risos). Até mandei uma mensagem ao Dr. Ângelo a dizer: "Daqui a oito anos, estarei ao seu lado a comandar a academia do FC Porto". Daí a minha tese (How Youth Academy Football Players Can Make a Successful Transition into a Professional Team: A Football Player Perspective) ser sobre a transição da academia para o profissional.
Também gostaria de abrir um centro de treinos de alto rendimento, com ginásio, fisioterapia e campo de futebol, mas isso é para depois.
- O Lupeta mostra aqui que não é impossível um jogador profissional conciliar o futebol com os estudos...
- Não é impossível. (...) Eu não o conheço pessoalmente, mas posso dizer que me inspirei muito no Tarantini. Vi a história dele e serviu muito de exemplo. (…) Eu estava na Eslovénia e tinha muito tempo livre Iá para o ginásio ou passear, e depois? Sentia que estava a faltar qualquer coisa. Não vou mentir, o primeiro ano de Marketing foi muito difícil. Estudava umas cinco horas por dia e achava que não ia conseguir. O meu suporte foi, em grande parte, a minha namorada.
- Qualquer dia temos de o começar a chamar Dr. Lupeta (risos).
- Esse é o meu objetivo (risos).
- Noto muito orgulho neste capítulo da sua vida.
- Com a minha carreira futebolística, consegui ajudar muito a família, e tenho uma vida boa e organizada. Mas também estou muito orgulhoso dos meus estudos. Não é para qualquer um.
"Liga Portugal? É um diamante..."
- Últimas duas perguntas. A primeira é como é que o Lupeta olha para o futebol português?
- Confesso que não tenho visto muito, mas acho que a Liga portuguesa é um diamante. É uma liga em que podes sair dos sub-19, fazer seis meses bons e alguém te compra. Vais logo para um tubarão. Quando me perguntam sobre a Liga, eu digo para irem. Não vão pagar balúrdios, mas se tiveres seis meses muito bons, vais acabar por receber esses balúrdios.
- Por fim, o que os coreanos acham de Portugal? É muito Cristiano Ronaldo, não?
- Ronaldo e Paulo Bento. Eles adoram o Paulo Bento. Organizou a seleção. (...) Os portugueses são muito bem vistos. O Ronaldo colocou-nos no mapa. Toda a gente respeita o Ronaldo em todos os países em que estive. Fez muito por nós.