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Reportagem: Futebol mexicano, uma zona de conforto milionária, longe da glória

Paulinho trocou o Sporting pelo Toluca
Paulinho trocou o Sporting pelo TolucaX/Toluca
Dois dias após a eliminação da seleção mexicana de futebol da Copa América 2024, o avançado Julián Quiñones publicou na sua conta no Instagram uma história sorridente com o seu cabeleireiro. O extremo Uriel Antuna postou uma foto desgrenhada e aproveitou a oportunidade para perguntar aos seus seguidores o que fazer com o cabelo. Outros jogadores mexicanos também compartilharam curiosidades do seu dia a dia.

As peculiaridades do futebol mexicano estão muito distantes dos contextos apaixonados de outros países, onde a bola é reverenciada e onde, depois de sofrer uma eliminação catastrófica, teria sido muito embaraçoso. Enquanto Diego Maradona costumava dizer que o simples facto de perder um jogo importante fazia com que não saísse do quarto durante dias, os jogadores mexicanos preferem ver quantas visualizações conseguem obter com o seu novo visual.

Quando falamos de futebol no México, geralmente falamos primeiro de entretenimento e depois de paixão. Os estádios da Liga MX, que deu início a um novo torneio na sexta-feira, são lugares onde a cerveja corre solta e as pessoas gritam frases para tentar fazer os vizinhos rirem. Neste contexto, e numa proporção muito reduzida, há quem vá para ver o jogo e perceber o jogo da sua equipa.

Em detrimento da paixão, esta forma de viver o desporto mais popular do mundo pelo povo também se impregnou nos protagonistas que, nos últimos tempos, têm visto como a Liga MX e a MLS, dadas as suas recentes alianças, lutam pelos seus serviços e os enchem de dinheiro, sem as exigências das principais ligas do mundo.

O crescimento do negócio no futebol mexicano tem sido exponencial. Em 2023, a Liga MX ocupará o 13.º lugar entre as ligas desportivas profissionais em termos de dinheiro gerado, com 555 milhões de dólares (cerca de 511 milhões de euros) por ano. Ficou à frente da Eredivisie neerlandesa, perto da SuperLiga turca e apenas abaixo do Brasileirão, entre todas as ligas latino-americanas, de acordo com um estudo do site howmuch.net.

Da mesma forma, a Liga MX é a segunda liga mais bem paga da região - logo atrás do Brasileirão - com um salário médio anual de US$ 402.000 (370.000 euros), de acordo com o ranking da FIFA, que a coloca em 12.º lugar entre as ligas profissionais do mundo.

Dinheiro e conforto

Como se isso não bastasse, um futebolista na Primera División do México joga em média 40 partidas por ano, um número equivalente ao das principais ligas europeias, mas sem ter que disputar as taças nacionais ou uma grande competição continental, como a Liga dos Campeões ou a Liga Europa.

Esta combinação de cofres cheios e competitividade limitada criou um cocktail de conforto, em que a ambição desportiva perdeu peso, deixando a seleção mexicana encalhada e cheia de jogadores milionários que não estão habituados a enfrentar rapazes famintos que jogam ao mais alto nível na Europa.

Erick Sánchez, um experiente médio que se estreou no Pachuca, fez manchetes em 2023 ao afirmar-se como uma estrela do campeonato mexicano. O Feyenoord, dos Países Baixos, estava interessado em contratá-lo e estava disposto a pagar entre US$ 5 milhões e US$ 6 milhões (entre 4,6 milhões e 5,5 milhões de euros) pelo jogador de 24 anos. O que teria sido uma venda recorde em outra liga, e uma oportunidade de exportar um jovem talento, os Tuzos não estavam dispostos a pagar o suficiente por uma das suas jóias e rejeitaram a oferta. No meio da Copa América, Sánchez foi anunciado como o novo jogador do América, por quase 9 milhões de dólares (8,2 milhões de euros).

O caso de Sánchez repete-se constantemente, mas não apenas no mercado nacional. Jogadores que emigraram para a Europa em busca de um sonho preferem voltar ao México com contratos multimilionários ao primeiro sinal de adversidade. Jorge Sánchez, um sólido lateral-direito, foi contratado pelo Ajax. A concorrência foi grande e, por isso, foi emprestado ao FC Porto, uma equipa que idolatrava outros mexicanos, como Héctor Herrera. Jorge Sánchez também não se adaptou no Dragão. Há poucos dias, foi apresentado como o novo jogador do Cruz Azul.

Tal como Jorge Sánchez, o lateral esquerdo Gerardo Arteaga emigrou para a Europa para jogar na Bélgica. Deixou a sua marca, mas depois, como todos os jovens jogadores, sofreu uma ligeira quebra de forma. Quando parecia que a temporada seguinte seria a de consolidação definitiva, Arteaga decidiu voltar a jogar pelo Rayados.

Seleção mexicana sofre

O fracasso na Copa América, dois anos antes do Mundial, foi um golpe para todos os adeptos mexicanos, que, embora a maioria vá ao estádio pela cerveja e pelo entretenimento, sofrem ao ver a seleção estagnar na mediocridade e deixar de competir com as outras equipas, como acontecia anteriormente.

No entanto, na sexta-feira, antes do início de uma nova liga mexicana, sem despromoção, com transferências milionárias de jogadores gentrificados e com o negócio do volume de negócios a fazer subir o sombrio limiar anti-concorrencial do futebol mexicano, Rodrigo Huescas, um jovem jogador do Cruz Azul, de apenas 20 anos, decidiu cumprir a sua cláusula de libertação e assinar pelo Copenhaga, na Dinamarca.

A decisão de Huescas repercutiu-se no panorama futebolístico mexicano, suscitando em muitos quadrantes a esperança de que uma nova geração de jogadores se vire para a glória desportiva e procure alcançar e ter sucesso, passo a passo, na elite europeia, e que, em nome do futebol mexicano, uma derrota dolorosa doa tanto que nem sequer pensem em ver o número de visualizações de uma história no Instagram.