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A recuperação inspiradora de João Costa: "Não houve lágrimas, fui um verdadeiro profissional"

João Costa regressou a tempo de ajudar o Feirense
João Costa regressou a tempo de ajudar o FeirenseCD Feirense
João Costa protagonizou uma recuperação em tempo recorde e regressou aos relvados a tempo de assumir a baliza do Feirense no momento mais difícil e importante da época. O objetivo foi cumprido com sucesso e o exemplo deixado é inspirador para quem olha e tem dificuldade em perceber como tudo foi possível.

"O guarda-redes João Costa sofreu uma lesão grave num joelho, que o vai afastar da competição até ao final da época". "Não pode jogar mais esta época". "Não consegue voltar a tempo". "Não vale a pena o risco". "Não vais conseguir". "Não". "Não". "Não".

O destino parecia traçado a 2 de janeiro de 2024. No primeiro treino do novo ano no Feirense, João Costa, que tinha voltado no verão a Portugal depois de cinco temporadas em Espanha, lesionou-se com gravidade no joelho e os primeiros prognósticos apontavam para a impossibilidade de voltar a competir em 2023/24.

O "não" foi mesmo a palavra mais ouvida nos primeiros dias, mas o guarda-redes formado no FC Porto só tinha uma questão: "Dá para antecipar o regresso?". A resposta: "Depende de ti". Era isso que ele precisava de ouvir para provar a tudo e a todos que o "corpo alcança o que a mente acredita".

A 11 de janeiro estava a ser operado. A 11 de maio estava de regresso a uma ficha de jogo. Apenas quatro meses depois, João Costa fintou todas as probabilidades e voltou para ajudar a equipa do Feirense no momento mais delicado da época. A manutenção foi o prémio para uma caminhada inspiradora, contada pelo próprio nas linhas abaixo, em entrevista exclusiva ao Flashscore.

O exemplo de João Costa
O exemplo de João CostaCD Feirense/Opta by Stats Perform

"Fiquei muito surpreendido com o nível da Liga 2"

- O que motivou o regresso a Portugal?

- O meu momento a nível pessoal. Ia ser pai durante o mês de novembro (de 2023) e queria dar o máximo de apoio à minha mulher e à minha filha quando ela nascesse. É verdade que tive uma proposta muito boa da segunda divisão espanhola, que acabou por falhar à última hora, mas a ideia sempre foi voltar a Portugal por causa do nascimento da minha filha. 

- Que realidade encontra depois de cinco anos em Espanha?

- Confesso que surpreendeu-me bastante pela positiva, sobretudo as condições de alguns clubes. Na altura em que saio as condições de treino não eram tão boas, tal como os relvados não eram muito bons, e só transmitiam um jogo na televisão ao fim de semana. Nem sequer havia o VAR. Lá fora acompanhava muito mais a Liga e quando chego fico agradavelmente surpreendido com a qualidade de jogo que existia na Liga 2. As equipas tentam jogar mais futebol e isso é super positivo.

- O João chega tarde ao Feirense e demora a entrar no onze. Como recorda esse processo?

- Eu tinha tudo assinado com uma equipa da Liga 2, que acabou por subir de divisão, mas apareceu a tal proposta de Espanha, de um clube perto de Portugal, e eu tive de decidir em 1-2 horas. Não estava nos meus planos, mas acabei por aceitar a oferta espanhola, só que à última hora decidiram não avançar... E eu já com as malas feitas. Isso explica o facto de ter entrado tarde no Feirense.

Cheguei ao Feirense com apenas três treinos de campo, depois de uma lesão no ombro que tinha sofrido na época anterior, em que forcei muito para jogar, e demorou um bocadinho a ganhar o ritmo de jogo. Mas eu acreditava que estaria pronto assim que tivesse a primeira oportunidade, muito graças à experiência adquirida nos últimos anos. E foi isso. O mister deu-me confiança na Taça, contra uma equipa da quarta divisão, em que pouco toquei na bola, mas acabou por dar-me continuidade e é quando sou titular contra o Paços e sou um dos melhores em campo. Depois foi sempre a crescer.

A homenagem dos colegas do Feirense
A homenagem dos colegas do FeirenseCD Feirense

"A minha mulher tinha dois bebés em casa, a minha filha e eu"

- Avancemos até ao dia da lesão (2 de janeiro de 2024). O João percebeu logo a gravidade?

- Eu sabia o que tinha sido e que era grave. Já tinha tido a mesma lesão no outro joelho, em 2017, e foi exatamente igual. A maneira como o joelho ficou, as dores que tive quando caí... Os médicos vieram e não deixei mexer, porque eu sabia o que tinha de fazer. O menisco foi à vida e tinha de ser operado. Aceitei desde o primeiro momento e não houve lágrimas, não houve gritaria e não houve desespero. Estava na hora de arregaçar as mangas e trabalhar ao máximo para regressar o quanto antes. 

- Todos diziam que a época tinha acabado para o João, incluindo o Sindicato de Jogadores deixou-lhe uma mensagem de força. Como é que estava a sua cabeça?

- A primeira preocupação foi falar com pessoas da minha confiança. Tenho uma pessoa que me acompanha desde sempre e trabalha com os melhores do mundo. Falei com ela para perceber a gravidade da lesão e entender qual a melhor solução e procurar uma indicação de por quem deveria ser operado. O Tiago Pinhão disse-me que eram quatro meses para voltar a treinar a 100% e aconselhou-me a Dra. Marta Massada. Ela disse o mesmo: "quatro meses para voltar a treinar e não vais estar ao nível dos outros fisicamente. Dificilmente jogas mais esta época". Mas a primeira pergunta que fiz foi se dava para adiantar a recuperação e a resposta foi: "depende de ti". Pronto, era o que eu queria ouvir. Se dependia de mim, ia ser mais fácil. E a verdade é que fui operado a 11 de janeiro e a 11 de maio sou convocado pela primeira vez.

Os números de João Costa
Os números de João CostaFlashscore

- Como foi a recuperação? Foi duro ver os colegas e nada poder fazer para os ajudar?

- Para ser sincero, o mais difícil para mim não foi ver os meus colegas, o mais difícil foi chegar a casa e ter a minha filhota que nasceu em novembro e não poder ajudar a minha mulher em nada, principalmente no primeiro mês e meio. Ela tinha dois bebés em casa, a minha filha e a mim. Ela tinha de dar-me banho, tinha de dar-me de comer, tinha de levar-me aos tratamentos... Com uma filha de dois meses não foi fácil, mas isso é o que nos faz dar mais ainda por essas pessoas e dediquei-me ao máximo. Abdiquei muito de estar com elas para recuperar rápido e dar-lhes uma alegria no fim.

- Acredito que a filha tenha sido uma força extra.

- A minha filha e a minha mulher foram a maior inspiração. Fizeram um sacrifício tão grande quanto o meu, principalmente a minha mulher. Ela teve de tratar da nossa filha praticamente sozinha durante quatro meses, pois andei sempre em viagens para os tratamentos. A minha filhota adora estar comigo e esteve pouco nessa fase. Não foi fácil.

- É aqui que entra a importância do lado mental?

- Ao longo da minha carreira fui limando algumas arestas para ser melhor pessoa e melhor profissional. Hoje posso dizer que uma das minhas maiores virtudes é o profissionalismo e dedicação que coloco em cada dia. Mesmo que não tenha tido um bom treino, eu sei que dei tudo. E saio de lá e muitas vezes ainda vou fazer trabalho extra à tarde. 

João Costa ultrapassou grave lesão em tempo recorde
João Costa ultrapassou grave lesão em tempo recordeCD Feirense

"Olhavam para mim e diziam que eu era maluco"

- Quando é que lhe dizem que, afinal, dá mesmo para voltar mais cedo?

- Eu comecei a evoluir desde o primeiro dia. Tive alta por volta das 18:00 no dia 11 (de janeiro) e no dia seguinte já estava a fazer tratamento. Não é normal. Entre dores e muletas anda-se um mês e pouco sem se fazer nada. Tive de aguentar muitas dores. Também fui sendo sempre acompanhado pela Dra. Marta Massada, excecional mesmo, e começamos a perceber que podia dar para os últimos jogos. Mas diziam: "Mas tens contrato... A equipa nem precisa... eles também não querem correr esse risco". Mas eu comecei a chatear as pessoas que tinha de dar para voltar naquela data.

- E deu mesmo...

- Ninguém sabe disto, mas posso confidenciar que podia ter voltado duas-três semanas mais cedo. O joelho inchou um bocadinho do tanto que treinava e tive de abrandar. Quando voltei ao campo a fazer treino individual as pessoas olhavam e diziam que eu era maluco e que não ia dar. Atingia 33-34km/h em velocidade de ponta a mancar.

Assim que volto a fazer treino integrado, já não olhavam para o joelho, só olhavam para o João Costa que esteve muito bem na primeira volta e ganhava pontos para a equipa. Para um João Costa que era um exemplo e em quem os colegas confiavam. Depois o mister Lito decidiu meter-me nos jogos mais importantes da época e eu admito que tenha sido mais pelo profissional que sou do que por aquilo que defendia nos treinos. Até porque ainda não estava no meu melhor. Mas, como disse um dia, o corpo alcança o que a menta acredita. Eu acreditei e fiz com que os outros acreditassem que eu era capaz. 

- Como se sentiu no meio da pressão do play-off?

- O que me diziam era que o maior risco do meu regresso era a pressão dos jogos e o medo que pudesse ter de me lesionar. Mas eu disse sempre que não tinha pressão nenhuma. Sabia o que passei, o que a minha família passou e trabalhei muito para estar bom naquele momento. Eu sabia que ia correr bem e convenci a Dra. Marta a dar-me alta. Ela acreditou em mim e isso é que fez a diferença. Depois, naquele jogo em Lourosa, com aquela gente toda na bancada, só me deu ainda mais confiança e parecia que já levava 30 e tal jogos seguidos a jogar. 

- O que sentiu quando foi consumada a manutenção?

- O pensamento foi: consegui! Depois de passar pela lesão grave e o momento difícil para o clube, não há nada que pague o apoio que as pessoas me deram. É o sentimento de que não ajudei só a mim, mas também a equipa, as pessoas que trabalham no clube e os adeptos que muitas vezes gastam o dinheiro que não têm para apoiar-nos. (...) Este é o maior exemplo de disciplina, superação e profissionalismo que poderia dar aos jovens. Além da valorização, consegui mostrar o que é ser um verdadeiro profissional e mostrei que o que nos controla é a cabeça e não o corpo.

- Acredito que já esteja a pensar na próxima época...

- A minha ideia era começar logo a limar algumas arestas, mas falei com as pessoas que trabalham comigo e aconselharam-me, depois de tudo o que eu passei, a que não fizesse nada durante uma semana. Não ouvir falar de futebol, não ouvir falar do Feirense, não ouvir falar de mercado... Dediquei-me uma semana apenas à família e amigos, sem pensar no futebol.

Mas esta semana já vou começar a trabalhar. Quero fazer da próxima época aquilo que tinha previsto para esta. Quero fazer 30 e tal jogos e mostrar-me em Portugal.

João Costa destaca sentimento de gratidão pelos adeptos do Feirense
João Costa destaca sentimento de gratidão pelos adeptos do FeirenseCD Feirense

"Tenho capacidade para jogar na Liga"

- O João tem mais um ano de contrato com o Feirense. Como olha para o futuro?

- Tenho contrato, adoro o clube e as pessoas. Sinto uma gratidão enorme para com as pessoas que trabalham no clube e na Direção, que foram sempre excecionais comigo. Mas também penso onde poderia chegar. Deixo tudo em aberto. Não estou preocupado, não ando à procura de clube, portanto é algo que deixo nas mãos do meu empresário Hélio Martins, da Soccersoul, e se aparecer algo que eu considere irrecusável irei falar com o clube. Nunca será uma decisão só minha, será sempre entre mim e o clube.

- Ainda tem o desejo de chegar e afirmar-se na Liga?

- Eu fui para fora e estive na primeira equipa do Granada como terceiro guarda-redes, depois passei pela segunda divisão e 3.ª espanholas. As pessoas não têm consciência do que é a 3.ª liga em Espanha. Por isso, percebi que para ter uma oportunidade na Liga tinha de dar um primeiro passo para a Liga 2 e mostrar que podia chegar lá acima. Sinto que tenho capacidade para jogar na Liga e gostava de poder mostrar isso às pessoas.

- O que espera de 2024/25?

- Quero que a minha próxima época seja sem lesões. Se não tiver nada a perturbar-me, não me ponho limites. Espero que seja uma época de superação e que me coloque à prova. E gostava que a minha filha começasse já a perceber mais aquilo que o pai faz. Podem esperar um João Costa mais forte do que nunca.