A pré-temporada 100% vitoriosa deixou ótimos sinais e serviu para aumentar os níveis de confiança da nova equipa, mas faltava confirmar esse desempenho irrepreensível nos jogos a doer. Sem espinhas! Os primodivisionários Chaves e Vizela foram os primeiros a cair nas eliminatórias da Taça da Liga e seguiram-se quatro vitórias e um empate nas cinco primeiras jornadas do segundo escalão português. A contar com a reta final da sua passagem por Viseu, o treinador de 51 anos não perde há 11 jogos, aproximando-se do recorde que estabeleceu na época passada: 20 partidas consecutivas sem conhecer o sabor da derrota.
"Está a superar os meus melhores sonhos". É desta forma que Jorge Costa recorda o que tem vivido no último ano, depois de ter passado a maioria da última década no estrangeiro. O passado é de conquistas, o presente está à vista de todos e o futuro é encarado com enorme expectativa.
Acompanhe o próximo jogo do AVS no Flashscore
Na primeira entrevista que concede depois de assinar pelo AVS, o antigo defesa campeão europeu passou em revista o arranque vitorioso num projeto "muito desafiante", a promessa de trabalho, aquilo que pretende das gentes da Vila das Aves e as contas da subida, sem esquecer a passagem recente pelo Académico, que vai reencontrar daqui a duas semanas. Sem mágoa. De coração aberto no Flashscore.
A ligação entre "resultados" e "confiança"
- Qual o balanço destes primeiros tempos no AVS?
- A realidade é que é um projeto que está a ser pensado há algum tempo, mas que é criado praticamente do zero, com pessoas com experiência no futebol e ligados a outros projetos, o que tornou tudo mais simples. Honestamente, é um projeto que não deixa de ser um projeto de risco, porque tudo o que começa de novo tem uma margem de risco grande. Por isso era importante que os resultados desportivos fossem positivos no início para que todos acreditassem que isto era algo sério e para ficar. Felizmente tem sido muito bom.
- Foi chegar, ver e vencer. O que permitiu este sucesso tão imediato?
- Apanhámos uma base muito boa que veio de trás (do antigo Vilafranquense) e tivemos o cuidado de juntar algumas peças que pudessem aportar algo mais e de forma imediata, sempre com o apoio do nosso diretor desportivo Pedro Correia. Nós não tínhamos muito tempo, pois tínhamos de ter o tal sucesso imediato para trazermos as pessoas para junto de nós, para que acreditassem em nós. Os jogadores acreditaram na proposta de jogo feita por mim e pela minha equipa técnica (n.d.r. Marco Leite, Diogo Almeida e David Costa Almeida transitam da passagem pelo Académico) e mostraram sempre uma vontade enorme para crescer e evoluir.
- Como tem sido a resposta da população da Vila das Aves?
- Honestamente, ainda nao está como quero. Queremos mais e para isso sei que também tenho de dar mais e estou disposto a isso.
- Tendo por base a sua experiência, como lhe parece esta edição da Liga 2? Mais competitiva que a anterior?
- Mais equilibrada. Tenho consciência de que esta minha análise pode mudar daqui a duas/três semanas, mas noto que há muito mais equilíbrio. É esta a realidade. Até olhando para as equipas que desceram da Liga Portugal, isso faz com que esta edição seja muito mais competitiva.
- O AVS ainda não perdeu esta temporada e está na liderança da Liga 2 e na fase de grupos da Taça da Liga. A este registo somam-se os excelentes resultados alcançados na época passada (no Académico). Do ponto de vista mais pessoal, o que lhe dizem estes dados?
- É muito importante. Falando só neste projeto, tivemos oito jogos particulares e tivemos o cuidado, mesmo na preparação, de ter alguma complexidade e não perdemos. É verdade que isso não valeu ponto algum, mas foi importante para criar uma cultura de vitória, sobretudo quando estamos num clube que nasceu do zero e em que é preciso cortar todo um passado e dar novas ideias, vontade e desafios. Estou a falar suportado em vitórias, mas a verdade é que as coisas estão a acontecer.
"Valorizo muito mais os sítios e as pessoas com quem trabalho"
- Como se sente na Vila das Aves e a ver que tudo está a correr bem?
- Isto que eu vou dizer não é uma utopia. Eu neste momento gosto de ser feliz na minha carreira e na vida. Valorizo muito mais os sítios e as pessoas com quem trabalho e tenho sido feliz nos últimos tempos. Estou num projeto diferente, onde há muito para fazer e estamos ainda atrás de muitas equipas. Não há nada a esconder. Estamos atrás de muitas equipas em muitas áreas, mas temos uma coisa boa: temos muita gente competente.
- Ainda há um longo caminho a percorrer...
- Em todos os aspetos. Em termos estruturais e daquilo que é uma equipa de futebol, como é lógico, com dois/três meses de existência ainda temos muito a crescer. Isto não é uma crítica, muito pelo contrário. Em dois meses já estamos num patamar muito alto, mas com muito para fazer. Se acharmos que estamos bem, é meio caminho para haver retrocesso no processo.
- Os jogadores foram recetivos às suas ideias?
- Sou suspeito, mas nunca senti da parte deles alguma coisa contra, muito pelo contrário. Houve um respeito grande desde início e o período de adaptação de parte a parte foi muito curto. Posso dizer claramente que temos um espírito de grupo fantástico, entre jogadores, equipa técnica e direção. Isso tem sido uma grande ajuda para os resultados desportivos.
- O que podem esperar as pessoas do AVS? Na sua passagem por Viseu conseguiu criar uma atmosfera muito positiva em torno da equipa, espera o mesmo agora?
- Honestamente espero mais e nesta fase esperava muito mais. Mas tranquilo. Aquilo que posso prometer hoje é o que prometi no primeiro dia. Na parte desportiva não prometemos vitórias, mas prometemos dar o máximo em todos os momentos. Não só no domingo, mas diariamente. Temos de dar o máximo e respeitar ao máximo a Vila. Queremos trazer as maiores alegrias aos adeptos e esperamos que eles reconheçam isso.
- Há condições para olharmos para o AVS como um candidato à subida?
- Não vou por aí. Hoje estamos no topo, mas conhecemos a realidade e isso passa por conhecermos as nossas valências e deficiências. Não vou permitir que comecem a olhar para o Aves como um sério candidato, porque o Aves não é mais do que uma equipa que nasceu há dois meses e está a aprender a caminhar e a fazer muitas coisas. Mas está a aprender com nota 20.
"Viseu entrou no mapa do futebol português no ano passado"
- No horizonte está o primeiro jogo na fase de grupos da Taça da Liga (contra o Arouca), uma competição em que o Jorge fez história no ano passado, com a chegada à final-four com o Académico. O que podemos esperar esta época?
- Gosto muito do nosso futebol e do nosso país, mas fico desiludido com uma ou outra decisão que o nosso futebol acaba por ter. Vamos jogar ao Algarve (para a Taça de Portugal), ninguém tem nada a ver com isso, mas por estarmos na Taça da Liga devia haver maior cuidado na marcação dos jogos e horários. Jogamos às 15:00 no sábado, chegamos às 03:00/04:00 da manhã de domingo e na terça jogamos contra o Arouca. Em termos físicos não vai ser possível. Vamos ter de fazer uma gestão grande e não temos um plantel assim tão grande. Vamos ter de abdicar de uma das competições... Vamos ver quais serão as minhas opções.
- Depois disso acontece o regresso a Viseu. É um assunto que está resolvido? Alguma mágoa?
- Em termos de mágoa, não. Há pessoas que vou abraçar porque ganhei amigos, pessoas que vou cumprimentar... (pausa) de forma cordial e há outras pessoas que já não fazem parte da minha vida e já as esqueci. Depois há uma coisa muito importante que é o respeito. Pelos adeptos e pela forma como me receberam. Senti um carinho enorme desde o meu primeiro dia. Viseu entrou no mapa do futebol português no ano passado: chegou à final-four da Taça da Liga, oitavos da Taça de Portugal e sonhou com a subida de divisão. Com toda a humildade que possa ter, não haja dúvidas de que eu fui o grande responsável. Há aqui uma gratidão da parte dos sócios que, por muito que as pessoas queiram, não vão conseguir apagar.
- Que importância teve essa passagem por Viseu na sua carreira?
- Serei eternamente grato a Viseu pelo que aconteceu. Tive a sorte de calhar num clube com jogadores fantásticos. Num regresso (a Portugal) somos avaliados pelos resultados. Não há hipótese, é o teu julgamento ao domingo. Felizmente, em Viseu correu bem e este seguimento nas Aves está a dar-me algo que é difícil para mim falar. Estive muito tempo fora do país e é normal que se perca um pouco o rasto, por isso era importante ter algum sucesso no regresso. Mas também não escondo que o que aconteceu em Viseu e o que está a acontecer agora (no AVS) está a superar os meus melhores sonhos.
- Independentemente do que aconteça até ao final da temporada, o que gostaria que dissessem sobre si e sobre o seu trabalho?
- Tenho 51 anos e a minha vida tem sido ligada ao futebol. Não sou lírico. Já passei por fases más, mais como treinador do que como jogador, e já passei por fases de sonho, mais como jogador do que como treinador, e sei que no futebol é tudo muito volátil. Passamos de bestial a besta muito rápido. A imagem que quero deixar é de alguém sério, positivo e que não tem medo de ir atrás do que acredita. É isso que vou fazer. Tenho uma ideia na minha cabeça, apresento aos jogadores e não abdico dela, seja contra quem for. No fundo quero que olhem para o Jorge Costa como alguém com algo. Não quero ser apenas mais um.
- Sente que ainda olham muito para si por aquilo que foi enquanto jogador? Ou isso nem sequer importa?
- Não sei se as pessoas mudaram ou tomaram conhecimento da minha forma de ser e pensar o futebol, mas é algo que me importa, claro. Gosto que pensem que sou alguém que vê o futebol de forma positiva.
