Entrevista Flashscore a Jorginho: "Não basta dizer que acredito em mim, quero mostrar-me!"
O pequeno Ricardo Jorge Silva Araújo (Jorginho) divertia-se a dar uns toques com os amigos, mas não via o futebol para além disso. O pai convenceu-o a competir a nível federado e 'tomou-lhe o gosto'. O Benfica apareceu-lhe pelo caminho, mas não queria ir. "Parecia que tinha ido para o estrangeiro", recorda ao Flashscore.
Por lá passou alguns dos melhores momentos da sua vida/carreira, entre os quais a final da Youth League, em 2017, e cruzou-se com várias pessoas que lhe mudaram a perspetiva sobre o jogo, entre eles Rúben Dias e Renato Paiva. "Era extremo no Benfica, ia à seleção e o mister Renato passa-me para lateral. Eu penso: 'o que é que ele está a fazer!?'".
No Verão de 2020, Jorginho regressa a casa, para o Famalicão, e segue, posteriormente, para a Covilhã. Uma viagem revivida nesta entrevista ao Flashscore.
“Benfica? Parecia um mundo diferente”
- Como é que o futebol aparece na sua vida?
- É uma história um pouco diferente do normal. Eu gostava de jogar com os meus amigos, mas nunca tive aquela coisa de querer jogar futebol. O meu pai é que quase me obrigou a jogar futebol. Sempre esteve ligado ao futebol, por isso colocou-me no Famalicão e comecei a ganhar o gosto. Aos 10 anos surgiu a oportunidade de ir para o Benfica.
- Como recebeu essa notícia?
- Vou ser o mais sincero possível, eu não queria ir e a minha mãe também não queria que eu fosse. O meu pai é que me disse que ia ser uma coisa boa para mim e depois tive os diretores do Benfica lá em casa a tratar das coisas. O início não foi fácil. Sentia muitas saudades de casa, pois tinha uma ligação muito forte com os meus pais. Foi uma mudança um bocado drástica, mas acabou por correr bem.
- Mudança completa de vida…
- Sim, praticamente sozinho num ambiente difícil. Honestamente, parecia que tinha ido para o estrangeiro ou para um mundo diferente que não falava a mesma língua. Era tudo diferente. Estava habituado a um estilo de vida que mudou completamente ao ir para Lisboa.
- Quem foram as pessoas mais importantes nessa fase da sua vida?
- Ricardo Mangas, Jorge Pereira e Diogo Mendes. Além deste grupo, o Sr. Fernando, que já faleceu, e o mister Pepa tiveram um papel fundamental com todos os miúdos. O mister esteve lá como treinador estagiário e passou-nos o que aprendeu no futebol.
- Como foi crescer num clube como o Benfica?
- Foi uma experiência top. Eles diziam-nos sempre que não estavam a formar só jogadores, mas também homens. Devo muito aquelas pessoas.
- Quando percebe que pode chegar ao futebol profissional? O Beto (Udinese) disse noutro dia no Canal 11 que o Jorginho já tinha essa ideia nos iniciados.
- Sim, sim, desde muito cedo. Sempre tive muita ambição em tudo aquilo que faço. Quando estás naquele período, 15-16 anos, é quando começas a pensar mais a sério. Eu jogava um escalão acima, com Renato Sanches, Rúben Dias, Guga, Diogo Gonçalves, João Carvalho… Na altura era muito difícil chegar à equipa principal, pois a ideologia dos treinadores também não passava muito por isso, mas íamos vendo alguns. Aí começas a pensar: ‘se ele conseguiu, eu também vou conseguir’. Era isso que me alimentava.
“O Rúben Dias assustava-me com a liderança dele aos 15 anos”
- Acredito que um dos momentos mais marcantes tenha sido a campanha na Youth League, em 2016/17. Como recorda?
- É um misto de emoções. É das coisas que mais gosto, mas das que menos gosto, como deves calcular. Tínhamos FC Porto, Sporting, SC Braga e Vitória Guimarães no campeonato nacional, mas quando jogava naqueles estádios da Youth League, percebia que era aquilo que queria para a minha vida. Naquela idade jogar num estádio de 15-20 mil pessoas, muito bem composto, é outro patamar. Chegámos a Nyon com muito mérito. Fizemos uma meia-final incrível e depois a final… Nem sempre quem joga melhor ganha. Começámos bem, mas o futebol tem destas coisas.
- Olhamos para essa equipa e vemos que muitos atingiram grandes patamares. Na altura, percebia que muitos daqueles jogadores iam chegar tão longe?
- Na altura não pensava muito nisso. Mas se estivesse agora naquele balneário e me fizesses essa pergunta eu diria que toda a gente ia dar jogador. Olhas para o Félix, que sempre teve uma qualidade incrível, e evoluiu bastante lá; o Jota; o Gedson e por aí fora... O Rúben Dias, desde os 15 anos… Estamos a falar de um 'gajo' que já me assustava com aquela liderança dele. Era alguém que nos punha sempre na linha e não nos deixava relaxar. Por me ter passado toda essa exigência, também lhe devo muito estar hoje nos escalões profissionais.
- E em relação a treinadores?
- O treinador que me puxou para lateral foi aquele que me marcou mais. Gostei de todos os treinadores, desde Luís Nascimento a Luís Araújo, mas o Renato Paiva tem o estilo de jogo que eu adoro - mais fase de construção e gosta de jogar - e puxava muito por mim. Foi ele que me passou de extremo para lateral.
- Como foi essa mudança?
- Para ser honesto, detestei essa ideia ao início. Era extremo num clube como o Benfica, ia à seleção, fazia golos e assistências, estava bem e, de repente, um treinador chega à minha beira e diz-me: ‘acho que és bom extremo e podes chegar aqui, mas se fores lateral podes chegar ali’. Naquela altura, ainda mais imaturo, só pensava: ‘o que é que ele está a dizer!?’ Gostei muito como pessoa. Treinador top a todos os níveis. Taticamente é incrível e como pessoa também é incrível. Na época dele nos sub-17 ninguém dava nada por nós e terminamos a fase final só com vitórias.
- Surpreendeu o sucesso dele lá fora (Equador e mudança para o Brasileirão)?
- Não. Mesmo sem ter noção perfeita de como tudo funcionava na altura, eu olhava para ele e dizia que ia ter futuro. Tinha uma boa ideia de jogo e os jogadores gostavam dele, tanto os que jogavam como os que não jogavam. Ele está muito bem e tem alcançado grandes feitos, mas acho que é um treinador com capacidade para treinar equipas em outros patamares. Um problema no nosso país é que muitas vezes és muito mais valorizado lá fora do que no nosso país.
- Como foi colocar um ponto final numa ligação de 12 anos ao Benfica?
- É um clube que me diz muito e vou estar sempre grato. Fiz a formação praticamente toda lá, ajudou-me imenso ao longo dos anos, muitos aspetos positivos, mas não quero que me definam como um jogador que esteve 12 anos no Benfica. Acredito muito em mim e acredito que tenho condições para chegar a grandes patamares. O futuro vai ser risonho.
- Ficou algum tipo de mágoa por não conseguir a estreia na equipa principal?
- A estreia na equipa principal era o principal objetivo, mas também acho que tive alguns percalços, como a lesão que atrasou todo o processo. Agora, não acho que mágoa seja a palavra mais indicada. Fiquei apenas um bocado desiludido comigo mesmo por não ter conseguido.
“Foi uma época atribulada no Covilhã”
- Antes de ir para o Covilhã, conte-nos como foi a experiência no Famalicão?
- Foi muito importante, um bom estímulo. Tive a oportunidade de treinar com a equipa principal, que tinha muita qualidade, e ganhei tempo de jogo nos sub-23, que era aquilo que mais precisava. Não foi uma experiência totalmente boa porque não consegui jogar na equipa principal, mas também não me desiludi. Deu para colocar os pontos anímicos mais acima.
- Vamos agora ao Covilhã. O que lhe deu de positivo essa passagem apesar da descida de divisão?
- Gosto muito de tirar os pontos positivos. Foi uma época atribulada, em que não tive os minutos que queria, mas, mesmo assim, consegui ser o jogador com mais assistências e isso é muito importante. Como era uma equipa mais exposta, ajudou-me a melhorar em termos defensivos. Evoluí bastante.
- O que faltou para evitarem a descida?
- Consistência. Perdemos muitos jogos na reta final. Depois tivemos um período em que conseguimos melhorar os resultados, mas depois não conseguimos manter a consistência. Perdemos pontos para adversários diretos e isso foi fatal.
- Aos 24 anos como se sente? O que pretende para o futuro?
- Neste momento estou de férias, mas ando sempre atento. Esta é a minha vida. Claro que o futuro é algo que me preocupa, mas agora procuro libertar um bocado a cabeça e deixar tudo para os meus empresários. O que me cativa mais é arranjar o melhor projeto. Quero mais minutos para mostrar as minhas capacidades. Não é só dizer que acredito muito em mim, que é um facto, mas tenho de mostrar, seja em Portugal ou no estrangeiro.
- Portanto, ir para fora pela primeira vez não será um problema?
- Há 4-5 anos pensava de outra forma, mas agora estou disposto e até gostava de ter essa experiência. Reafirmo: a minha prioridade é o projeto.
- Qual seria o projeto perfeito?
- Uma equipa que tivesse uma boa fase de construção, paciência no jogo e que conseguisse encontrar, através da sua criatividade, o máximo de espaço para conseguir chegar perto da baliza contrária.
- Estamos na reta final da entrevista. Que amigos é que o futebol lhe deu para a vida?
- Sou uma pessoa de balneário e carrego muita gente comigo. Por exemplo, este ano, só faltava andar de mão dada com o Ângelo (Meneses), um grande jogador e uma excelente pessoa. Depois tenho o Jorge Pereira, Ricardo Mangas, Benny, Diego Batista, Saldanha, Penetra… Se tivesse de dizer toda a gente ia ficar mal porque ia esquecer-me de alguém.
- Um conselho para os mais novos…
- O essencial passa sempre por trabalhar e ser sempre o mais rigoroso possível, criar objetivos, mas essencialmente desfrutar. Um jogador feliz evidencia-se sempre mais. Esta é a melhor profissão do mundo.