Nenê: "Seria burro se dissesse que não penso no contrato da minha vida"
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“Pertenço a uma família bastante pobre em São Paulo e fui o único a singrar, mas o meu irmão mais velho era o melhor. Nos torneios chamavam-lhe Maradona, mas não teve oportunidades. O meu pai gostava e o meu irmão do meio também jogou. Esta prova de superação também tem muito de renúncia: às festas, às bebidas e noitadas”, disse Nenê, à agência Lusa.
O craque do AVS, de 40 anos, diz estar a colher o que semeou pelo caminho, num processo em que a passagem por Itália acabou por ser “determinante”.
“Se jogo ainda hoje deve-se muito aos anos passados em Itália. Hoje, as diferenças na preparação são nulas ou quase, mas, na altura, em 2009, quando troco o Nacional pelo Cagliari, era totalmente diferente. O trabalho físico, os aspetos táticos do jogo, a exigência era máxima. Cresci muito, em termos físicos, mentais e profissionais”, sublinhou.
Nenê deixou Portugal como rei dos goleadores (20 golos pelo Nacional), mas em Itália era mais um, entre estrelas, como o argentino Saviola, o melhor com quem jogou, ou Luca Toni. Massiliano Allegri foi o seu primeiro treinador.
“Os treinadores deram-me muitas dicas, aprendia com os mais velhos, tentava absorver tudo, até porque marcar golos, e para mais em Itália, não era fácil. Além disso, ainda tive de lidar com a desconfiança dos que diziam que ser melhor marcador em Portugal era fácil”, recordou.
Após uma década em Itália, Nenê decidiu regressar a Portugal e devolver o carinho com que foi tratado no país, onde admite permanecer após terminar a carreira, “talvez daqui a dois anos”.
“Não senti quaisquer resistências por ter 35 anos na altura. Pude ajudar no Moreirense, onde joguei menos por ser um clube que tem de revelar jogadores, mas, depois disso, tem sido sempre em crescendo. Acredito que Deus escreve direito por linhas tortas e, possivelmente, ainda tem algo reservado para mim”, referiu.
O quarentão do AVS insistiu na importância de “aproveitar as oportunidades”.
“Às vezes fala-se que é preciso sorte também para não ter lesões, mas estas, muitas vezes, são mais fruto do trabalho que se faz ou não. O segredo também está em saber cuidar do corpo, ter uma boa alimentação, respeitar as horas de descanso, trabalhar bem e renunciar às festas, noitadas e às bebidas”, explicou.
Nenê admitiu ainda ser um exemplo de resiliência para os jovens, lembrando que começar a jogar tarde e à baliza não o impediu de brilhar como avançado.
“Trabalhei até aos 17 anos como pica de autocarro e só depois fui jogar. Para futebolista, comecei tarde, mas acabei por aproveitar a oportunidade que tive”, recordou Nenê, que ganhou e adotou a alcunha criada a pensar na avó materna, analfabeta e com dificuldade em pronunciar o seu nome de batismo.
Anderson Miguel da Silva, de nome completo, começou a jogar futebol de salão como guarda-redes, antes de assumir a posição de lateral direito, satisfazendo o “prazer de chegar à linha de fundo e cruzar”.
“No S. Bento, já nos sub-20, tinha altura e físico para jogar a avançado, fiz testes e fiquei. Não percebi logo que estaria ali o meu ganha-pão, mas partiu de mim a vontade de conquistar o meu espaço no futebol”, recordou.
Perdeu-se um militar de carreira, como tinha equacionado, e começou a ganhar forma o avançado que idolatrava Ronaldo Nazário, “um jogador que via espaços onde eles não existiam”, e que hoje marca de todas as formas e feitios (só falta um golo de letra).
Para memória futura fica um golo pelo Santa Cruz ao Fluminense, num remate à meia volta, ou um pontapé de fora da área pelo Cagliari à Juventus, na sequência de uma falta.
“Este ano, coincidindo com a melhor fase da minha carreira, tem sido uma boa sequência de golos bonitos”, confessou, sem conseguir eleger o melhor, mas lembrando um ao Chaves, para a Taça da Liga, em que percebeu que “o guarda-redes ficava muito fora da baliza”, rematou “de longe” e foi “feliz”.
O avançado até deixa concelhos aos adversários: “A dica que eu posso dar, sem abrir muito o jogo (risos), é que não devem deixar espaço”, concluiu.
Qualidade para representar um grande
Nenê, máximo goleador do AVS e da Liga 2, considera ter qualidade para representar um dos grandes em Portugal, mas admitiu que a idade será, neste caso, o maior obstáculo à realização desse sonho.
“Discuto isso no dia-a-dia e, sinceramente, acho que cabia num plantel desses (clubes grandes). Não sinto que esteja abaixo ou tão abaixo (dos avançados) deles. Não, não ficava para trás”, disse, de forma convicta, Nenê, em declarações à agência Lusa.
Apesar de reconhecer que “nunca é tarde” para sonhar, o quarentão aponta a idade como “o grande entrave” a essa ambição.
“Não há assim tanta diferença entre a Liga e a Liga 2, mas, se não me pegaram aos 25 anos quando fui o goleador do principal escalão pelo Nacional, é muito difícil quererem-me agora aos 40, ainda por cima numa posição em que os clubes procuram comprar barato para vender depois ao melhor preço”, sublinhou.
Sobre o plantel em que melhor encaixaria, o avançado brasileiro apontou, sem grande hesitação, ao Sporting, segundo classificado da Liga, mas empatado pontualmente com o Benfica e com menos um jogo disputado.
“Pelo modo de jogar, com os avançados a jogarem na área, mas também a procurarem espaços por fora, em movimentações constantes, diria o Sporting. No Benfica, por exemplo, há o Rafa, sempre a explorar mais a velocidade, e o Arthur Cabral, um jogador mais físico”, considerou.
Nenê confessou estar “tranquilo” relativamente ao futuro, que poderá passar pelo AVS, com quem renovou contrato no início de 2024, ou por outra qualquer paragem.
“Existe uma cláusula no contrato que me permite sair para qualquer lugar. Tenho estado bem e estou tranquilo, mas seria burro se dissesse que não penso no contrato da minha vida. Quanto poderia valer hoje com 20 anos? Saí do Nacional para o Cagliari por 4,5 milhões de euros. Na cotação atual, chegava fácil aos 20 milhões”, concluiu.
Final feliz para o AVS
O avançado brasileiro Nenê diz ser necessário “manter os pés no chão” e continuar a “trabalhar muito” para o AVS ser feliz na Liga 2, deixando elogios ao desempenho do técnico Jorge Costa.
Para o experiente jogador, de 40 anos, “o treinador é parte fundamental do trajeto do AVS, pois é dele a ideia de jogo que os jogadores colocam, depois, em campo”.
“O Jorge Costa tem sido uma boa surpresa, porque nos transmite a exigência e o espírito de conquista necessários. Com ele, sabemos que há momentos para brincar e sermos sérios. Se perdermos, é para ficarmos mesmo bravos”, disse Nenê à Lusa.
O avançado brasileiro elogiou as condições proporcionadas pelos dirigentes, numa versão melhorada do trabalho desenvolvido antes no Vilafranquense, e definiu que o caminho é “manter os pés no chão e pensar jogo a jogo”.
“Todos querem subir de divisão, mas não adianta olhar para cima sem ter os pés no chão. O segredo é manter o empenho de todos e somar o máximo de pontos, sem olhar a duas ou três equipas. Todas elas são nossos rivais, mesmo reconhecendo no Santa Clara, até pelo investimento feito, o principal candidato à subida”, sublinhou.
Nenê explicou ainda os festejos mais eufóricos na vitória por 2-1 frente à União de Leiria como uma resposta às incidências do próprio jogo.
“Estávamos por cima e a vencer merecidamente, mas uma expulsão, cenário que pode sempre acontecer num jogo, mudou tudo. Passámos momentos difíceis, mas o golo da vitória no fim compensou o bom que tínhamos feito antes. Já no jogo anterior, com o Torreense, perdemos por 2-1, mas não merecíamos”, explicou.
Homem de fé, Nenê disse acreditar num final feliz, admitindo que uma eventual subida à Liga irá pesar na decisão sobre o seu futuro.
“No momento atual não posso ser egoísta. Lembro-me que há três anos estava no Brasil sem clube e, por isso, devo valorizar quem me valoriza. O AVS será a minha prioridade, caso os objetivos sejam cumpridos”, considerou.
Nené renovou contrato no início do ano com o AVS, segundo classificado na Liga 2, em zona de subida direta, prolongando a sua ligação ao emblema nortenho até junho de 2025, mas foi incluída uma cláusula que lhe permite sair.