Vaz Pinto, treinador do Mafra: "Não foi fácil chegar até aqui, mas valeu a pena"
Acompanhe a estreia do Mafra na Liga 2
"Não desistam, nunca é tarde". A mensagem pertence a Carlos Vaz Pinto, treinador do Mafra, e destina-se aos treinadores que há muito procuram uma oportunidade nas ligas profissionais do nosso país. Vaz Pinto conseguiu-a este ano, aos 49 anos, após mais de 20 como treinador, numa carreira passada maioritariamente lá fora.
Em entrevista exclusiva ao Flashscore, Vaz Pinto deu conta das sensações da pré-época no clube do Oeste, as expectativas em relação à nova temporada e ainda sobre o projeto ambicioso do Mafra-Midtjylland.
"Há o desejo de a médio prazo o clube estar na Liga"
- Como surgiu a possibilidade de rumar a Mafra? O convite era irrecusável?
- Primeiro dizer que eu tinha mais um ano de contrato com o Sreenidhi FC, da Índia. Em relação ao Mafra, o projeto tem linhas orientadoras muito específicas e definiram um perfil de treinador para a nova temporada. Dentro disso, analisaram alguns currículos e optaram por mim. Para mim, foi mesmo irrecusável, sim, porque identifico-me com o projeto e tinha a vontade de trabalhar em Portugal como treinador principal.
- Que clube encontra?
- A mensagem transmitida foi de que o Mafra é um clube irmão do Midtjylland. Ou seja, há um investidor que detém o Midtjylland e o Mafra, dois clubes irmãos, que se ajudam mutuamente. É uma parceria bem vincada. O Mafra tem potenciado um conjunto de jogadores para os quais o Midtjylland olha e o Midtjylland vê aqui oportunidade para preparar alguns jogadores para jogarem num nível competitivo acima, como foi o caso de três atletas que estiveram aqui no clube na época passada, e que vão ter agora a oportunidade de jogar Champions.
- Quais as primeiras sensações?
- Há o desejo do clube de a médio prazo estar na Liga. Houve da parte de quem investiu a necessidade de perceber que o Mafra era um clube familiar, pois essa é uma das bases do projeto. Vêem no Mafra algo que está na base do Midtjylland. Esse tal ambiente familiar sente-se muito aqui. Não tem muita gente a trabalhar, mas as pessoas estão perfeitamente identificadas com o clube. O Mafra é um clube muito organizado, que tem a sua visão definida e que está a melhorar as suas infraestruturas.
- Vamos melhorar o relvado do Mário Silveira (estádio) e a SAD já adquiriu 11 hectares de terreno para investir numa academia com sete relvados. Isto é algo muito importante para o crescimento do clube. Há aqui uma base comum de aposta vincada em jovens. O Midtjylland tem ainda uma base do seu scout e depois tem academias em países como Nigéria e Ruanda.
- Sente que os jogadores vão estar preparados para o arranque da competição?
- Sim, vão estar preparados e vão dar boa resposta. O compromisso no trabalho e a forma como os jogadores adquiriram os conteúdos nestas primeiras semanas foram fantásticos. Estamos muito satisfeitos com o compromisso diário, até pelos resultados que tivemos nesta pré-época, mas também temos de relativizar isso e perceber o contexto em que foram conseguidos.
- Estamos a falar de um plantel muito jovem...
- A nossa média de idades é abaixo dos 23 anos. Ou seja, somos uma sequipa sub-23 a competir na Liga 2.
- Além disso, olhamos e vemos muitas nacionalidades (dez). Como se consegue passar a mensagem e colocar toda a gente a remar para o mesmo sítio?
- Creio que a minha escolha também passou muito por aí. O perfil do treinador que o Mafra procurava era de alguém que falasse várias línguas, alguém que conhecesse o jogador africano, e eu tive essa experiência em África, e de alguém com experiência em jovens atletas. Eu estou habituado a este tipo de contexto. Mas também tenho de dizer que a forma como os jogadores se dedicam diariamente facilita muito a minha tarefa. Agora temos de perceber que será um desafio para nós colocar estes jovens num nível ótimo para competir numa liga extremamente competitiva e com muitos jogadores experientes.
- A expectativa é sempre muito grande no arranque para uma nova temporada. O que vamos poder ver no Mafra?
- Tenho a plena convicção de que vamos ser uma equipa muito competitiva e que os adeptos vão ter orgulho em rever-se nela. É lógico que vão existir momentos dentro da competição em que vamos perder, mas seremos sempre competitivos e capazes de discutir o resultado com todas as equipas. Sem querer revelar muito da nossa ideia de jogo, o que posso dizer é que vamos ser uma equipa agressiva no momento das transições, ofensivas e defensivas. Essa é uma imagem de marca do Mafra e do Midtjylland. Há uma linha orientadora do nosso grupo que temos de seguir. Depois, apesar da juventude e irreverência, é importante ser equilibrado para ser competitivo a bom nível.
- O que nunca vai faltar ao Mafra do Carlos Vaz Pinto?
- Há coisas que são inegociáveis para quem trabalha neste grupo. Uma delas é que não seremos uma equipa de bloco baixo, de autocarro à frente da baliza como se costuma dizer no mundo do futebol. Vamos ser uma equipa a defender o mais alto possível, mas sempre com a noção de que vão haver momentos em que não podemos ser tão dominadores e aí vamos ter de ser muito coesos. É neste jogo de equilíbrios que temos de estar.
"Seria muito interessante atingirmos a meta de 50 pontos"
- Qual a sua opinião sobre a Liga 2? Temos vários clubes com história, outros com fortes investimentos e objetivos declarados de subida.
- Olhamos para o ponto de partida e vemos um conjunto de equipas que assumem claramente o objetivo de chegar à Liga. O que eu poso dizer é que esperamos uma liga muito competitiva e estamos conscientes de que muitos dos objetivos que as equipas traçam no início da época não são atingidos. Há 7-8 equipas que jogam pela subida, mas nem todas vão conseguir subir. Os grupos revelam-se na competição e é ela que vai ditar quem está no topo. É importante manter o foco, ser equilibrado e ter a noção de que a força do grupo acaba por valer mais do que o nome ou a aposta inicial feita.
- O importante para nós é a questão do grupo e do aspeto familiar que vive o Mafra. Nos momentos difíceis é isso que vai fazer a diferença. Vamos ver o que conseguimos fazer no final da época. Seria muito interessante atingirmos a meta de 50 pontos, algo que o Mafra nunca fez. Sabemos que se fizermos 50 pontos vamos estar no top 5-6 da Liga 2 e isso seria muito interessante.
- Qual o mínimo exigido?
- Penso que já divulguei um bocadinho os objetivos. Queremos criar este mindset dentro do grupo de que a médio prazo o Mafra tem que estar na Liga. É nisso que temos de trabalhar internamente. Agora, era fantástico chegar aos 50 pontos. Isso dá-nos quase de certeza uma classificação acima do 6.º lugar, algo nunca foi atingido, e é um desafio para nós. Desafiante, mas realista. Temos também muitos objetivos do ponto de vista individual e há esse cuidado de definir objetivos para todos eles.
- Podemos esperar várias surpresas no Mafra do ponto de vista individual?
- O Mafra já nos habituou a isso nos últimos anos. Houve um jogador em especial que recebeu propostas concretas para ficar em Portugal, mas foram recusadas... Eu acredito que vamos ter 1-2 jogadores que vão ser boas surpresas e outros 2-3 que vão consolidar o que fizeram nos últimos anos.
"Quero consolidar a minha carreira em Portugal"
- Angola, Etiópia, Quénia e Índia. As experiências nestes países marcaram muito a forma como vê o futebol? E quais são os seus objetivos para 2024/25?
- Essas experiências foram importantes para consolidar a minha ideia de jogo e também para adquirir a experiência necessária e competência que são fundamentais para ser treinador do Mafra. Do ponto de vista pessoal tenho os meus objetivos. Fui jogador profissional, mas não fui um excelente jogador e não joguei na Liga. Tive de correr por fora, a correr na pista 8, mas cheguei à meta. Cheguei aos 49 anos a uma liga profissional e quero consolidar a minha carreira numa competição profissional em Portugal. Isso é importante para mim, mas, acima de tudo, o futebol é um jogo coletivo e o mais importante são os objetivos do Mafra. Se esses forem atingidos, a minha carreira também vai sair valorizada.
- Há cada vez mais treinadores portugueses com qualidade e prontos para assumir um projeto novo. Foi muito difícil ter esta oportunidade?
- Era um objetivo de carreira. Mas há meia dúzia de anos que deixei de focar-me nisso. Somos muitos treinadores, muitos de qualidade, num mercado extremamente competitivo e pequeno para nós. Quando somos mais novos até podemos achar que podemos estar a ser injustiçados, mas a verdade é que há muita qualidade e o mercado é pequeno. Eu tinha o objetivo de cá chegar e cheguei quando menos esperava, pois estava focado na minha carreira internacional. Como disse, tinha mais um ano de contrato na Índia, onde tinha sido duas vezes vice-campeão, e tinha conquistado títulos em África.
- Foi difícil. Joguei futebol, fiz licenciatura em Educação Física e sou mestrando em treino desportivo. Tenho o UEFA Pro desde 2013 e sou treinador desde 2002/03, embora nessa altura ainda fosse jogador. Ou seja, dava aulas na escola, era treinador da formação e jogava nos seniores. Recordo-me muito dos tempos em que comecei. Não tinha folgas e posso dizer que não foi fácil, mas valeu a pena. Esta também é uma mensagem para todos os que estão a iniciar a carreira e pensam que não vão concretizar o sonho. Para eles, a mensagem é: 'não desistam, nunca é tarde'. Eu cheguei aos 49 anos e espero ter muitos anos pela frente para poder ter a carreira num país onde sempre quis trabalhar.
- Estamos na parte final da nossa entrevista e tenho mais duas perguntas. Primeira: o que gostaria que dissessem sobre o Mafra no final da época?
- Gostava que os meus jogadores dissessem que se valorizaram comigo e desfrutaram muito. Também espero que as pessoas que trabalham comigo saiam valorizadas. Não só o meu staff, como a senhora das limpezas, os roupeiros, o motorista... E que os adeptos chegassem ao final e dissessem que o Mafra tem o espírito das pessoas desta magnífica vila, que tão bem sabe acolher. Espero também que digam que o Mafra pratica um futebol agradável.
- Por fim, qual a mensagem que gostaria de deixar aos adeptos do Mafra?
- Duas mensagens. Do ponto de vista coletivo, com toda a certeza que vão rever-se nesta equipa, que vai ser competitiva. A segunda é que todos nós sabemos que há momentos menos positivos e difíceis e temos um grupo de jovens que precisa do apoio constante deles para poder evoluir. É muito importante o apoio deles.