César Boaventura diz que acusações de aliciamento são de pessoas "sem caráter"
“É uma pouca-vergonha o futebol em Portugal e as pessoas deixaram de ter escrúpulos”, desabafou o arguido, no Tribunal de Matosinhos, onde decorre o julgamento.
César Boaventura está acusado de aliciar o guarda-redes Cássio, o defesa-central Marcelo e o lateral-direito Lionn, do Rio Ave, bem como o guarda-redes Romain Salin, do Marítimo, nos dias anteriores a jogos com o Benfica na reta final da temporada, na qual os ‘encarnados’ discutiam o título com o Sporting.
O arguido negou os encontros mencionados pelas testemunhas, recusou que tenha tentado corromper qualquer deles, entendendo que as motivações inerentes às acusações são questões de “caráter”.
Insinuou ainda que, em “muitos casos”, os futebolistas ganham mais dinheiro em apostas desportivas do que nos próprios clubes, sem revelar uma causa direta entre esse facto e as motivações de quem o denunciou.
“Em Portugal, um jogador médio ganha cerca de 100 mil euros ao ano - pode chegar aos 150 mil - e depois podem ser movidos por situações extra futebol, como as apostas desportivas. Como não conseguem dizer ao clube que têm mais uma lesão, arranjam desculpas para não jogarem com regularidade, fragilizando assim as suas equipas. Isto porque ganham mais nas apostas do que nos clubes”, disse, quando questionado, especificamente, sobre as motivações de Cássio.
Disse que só esteve com Lionn uma vez, em 2014, dois anos antes dos factos em julgamento, numa discoteca de Ofir, Esposende, enquanto sobre Marcelo revelou uma proposta dos espanhóis do Alavés, que atleta e clube terão aceitado.
“Acabou por ir para o Sporting e garanto que não foi escolha do treinador. Houve outros interesses”, acrescentou.
Quanto ao maritimista Romain Salin, contou que esteve na Madeira em casa do atleta para lhe apresentar uma proposta, verbal, dos turcos do Sivaspor, que lhe garantiriam 300 mil euros “limpos” por ano, contudo, o atleta ter-lhe-á dito que aguardaria por outros desafios, acabando, igualmente, por ir para os ‘leões’.
Evidenciou dificuldades em especificar alguns movimentos financeiros que passaram pela sua conta privada, destacando-se um de 295 mil euros, mas associou-os todos ao seu lado profissional, nomeadamente “empréstimos e investimentos de outras empresas” na sua atividade.
Assumiu que conhecia Luis Filipe Vieira desde 2001, no ramo imobiliário, e diz que tinha com ele uma “relação normal profissional-pessoal”, nunca tendo ganhado dinheiro em negócios do Benfica.
“Conheço-o como a muitos outros presidentes, nacionais e estrangeiros. Não sou amigo de casa, nunca fui jantar a casa dele”, esclareceu.
Refutou qualquer ligação especial ao Benfica, considerando que a associação aos ‘encarnados’ “é mais feita pela comunicação social do que na realidade”, queixando-se de estar a ser “vítima de um massacre ao longo dos anos” por esse facto.
O treinador Pedro Martins orientava o Rio Ave e contou que Cássio, Marcelo e Lionn o abordaram na semana do encontro com o Benfica para lhe comunicar que tinham sido aliciados para facilitar, tendo assumido a intenção de não jogarem, para se defenderem.
“Dois jogadores (Marcelo e Lionn) foram ao meu gabinete e informaram que tinham sido aliciados por um agente, sem precisarem o nome, que fiquei a saber depois pela comunicação social. Informei os responsáveis do Rio Ave sofre os factos. Os atletas estavam visivelmente incomodados e pediram para não jogar, porque estavam apreensivos, pedido que recusei. Confio neles”, vincou.
As declarações fiscais de César Boaventura evidenciaram várias discrepâncias em relação aos movimentos de conta, tendo sido apurado, pela Polícia Judiciária (PJ), um “valor de incongruência de 1,172 milhões de euros” por explicar.
José Lionn voltou a não ser ouvido pelo facto de o tribunal não o ter conseguido notificar, ficando marcada para 26 de janeiro, às 14:00, uma nova oportunidade: para o efeito, vai ser requerida a ajuda da PJ.
Na primeira sessão, na semana passada, Cássio e Marcelo confirmaram a abordagem ilícita de César Boaventura, com o guarda-redes a revelar uma proposta de 60.000 euros e o central a alterar o depoimento de 2017, dizendo que assumiu a situação como uma brincadeira.
O Benfica não é arguido neste processo, porque os magistrados entenderam que César Boaventura não estava mandatado pelo clube para corromper os atletas.