Entrevista a Pedro Monteiro: "É difícil trabalhar com Conceição para quem não for profissional"
Peça-essencial numa equipa do Torpedo Kutaisi que conquistou a Taça da Geórgia e que vai disputar pela segunda época consecutiva a Liga Conferência após o terceiro lugar alcançado, Pedro Monteiro abriu as portas do Flashscore a esta antiga república soviética, onde se confessa satisfeito.
Um autêntico papa-taças (conquistou as Taças de Portugal, Chipre e Geórgia, os três países onde jogou), teve a sorte de trabalhar com alguns dos treinadores portuguese mais renomados da atualidade numa carreira em que a trajetória nem sempre foi linear, mas com uma rota bem definida.
Leia a entrevista de Pedro Monteiro ao Flashscore.
- Final da época na Geórgia, qual é o balanço que fazes?
Para já tem sido positivo a nível individual e coletivo. Encontrei um futebol diferente, uma mentalidade diferente do que eu estava habituado no Portugal, mas no ano passado fiz meia época e conseguimos ganhar a Taça, bem como a qualificação para a Liga Conferência. Este ano conseguimos um terceiro lugar que dá acesso às provas europeias. Além disso fui o jogador mais utilizado da equipa e a nível individual correu bem. Sinto-me um jogador importante para o clube e tenho gostado da experiência.
- Filho de um antigo jogador (com o mesmo nome), o futebol acabou por ser algo natural para ti…
Acredito que já nasce connosco. Nasci e cresci no futebol e desde que me lembro nunca tive outros hobbies que não jogar futebol. Foi isso que quis para a minha vida desde novo e felizmente consegui.
- Não és estranho à rivalidade entre Paços de Ferreira e Freamunde e acabaste mesmo por jogar nos dois lados da barricada. Sentiste alguma animosidade?
- Nunca senti. Acho que era mais quando jogava no Paços de Ferreira e os jogos com o Freamunde era um jogo diferente. Mas quando mudei nunca senti. Talvez por ter essa parte de Paços de Ferreira comigo, gosto dos dois. Nunca senti que me criticassem por essa rivalidade. Tenho amigo dos dois lados.
- O Pedro Monteiro, tal como o Pedrinho e o Luís Rocha, fazem parte de boas gerações do Freamunde, um clube que não atravessa bom omento
- Por estar perto e por os meus pais viverem perto, havia vezes em que passava no estádio e deixava-me triste ver os campos abandonados, sem condições para os miúdos. Lembro-me que na minha altura era lá que era feliz. É um clube que se pode reerguer, vai demorar o seu tempo, mas é um clube especial.
- É também neste clube que vive os primeiros grandes momentos da carreira, com a subida à Liga 2.
- São anos inesquecíveis. Deu uma bagagem muito boa para o meu percurso. Foram anos de muitas vitórias, mas também de muitas dificuldades. Eu saio dos juniores e entro na equipa principal com o Freamunde acabado de descer, no Campeonato Nacional de Seniores (então terceira divisão). Não era opção no início, acabei por ganhar o meu espaço, mas sempre com salários em atrasos e contrariedades que nos atrasaram nas lutas. Fomos campeões, depois no ano seguinte dificuldades acrescidas na segunda divisão, mas sempre conseguimos. O Freamunde é um clube com pessoas especiais e foi isso que levou á equipa a bom porto.
- Chega ao SC Braga e encontra Abel Ferreira na equipa B. Ele já mostrava na altura este nível que ia atingir?
- Eu digo que o Abel foi um treinador que me marcou muito. Ainda hoje levo muitas das frases que ele dizia. Sentia que ele acima de tudo era um bom homem e olhava para ele quase como um amigo, um pai. Sempre torci por ele e sabia que ia ter sucesso. Não imaginava que ia ganhar a Libertadores e ser campeão no Brasil, mas sabia que ia ter oportunidade na equipa principal do SC Braga. Sinto que ele é exatamente o mesmo, com a mesma filosofia de vida. Na altura ele estava a lidar com jovens, agora é com homens e com uma imprensa brasileira mais complicada, sendo que às vezes pode parecer mais arrogante, mas é exatamente o mesmo. Os títulos falam por si relativamente à qualidade de treinador.
- Afirmação no SC Braga não foi fácil…
- No primeiro ano com Sérgio Conceição sabia que as oportunidades não iam ser muitas, pela qualidade dos outros centrais. Estava lá o Boly que quase não jogava e agora está na Premier League. Acabei por fazer apenas dois jogos e ajudar a equipa B.
- E como foi trabalhar com Sérgio Conceição? Ele já era assim como se vê agora
- É exatamente o mesmo, agora num clube com a mística diferente e em que ele encaixa perfeitamente. É difícil trabalhar para quem não for profissional e amar verdadeiramente o futebol. Quem gosta de ser profissional, quem gosta de aprender acho que é o ideal. É exigente, mas vai defender sempre quem quiser aprender. Alguns podem estranhar ou ficar sensibilizados pela forma dele falar, mas eu acredito que só é bom para os jogadores.
- É alguém com quem se aprende muito…
- Em Braga acabei por ter grandes treinadores, o Paulo Fonseca também fiz jogos ele. Acredito que aprendi muito com eles todos.
- O regresso à Liga 2, com o Leixões, em 2018, sentiu que foi um passo atrás na carreira?
- Senti um bocadinho que a carreira estava a andar para trás. A nível individual as coisas corriam bem no Estoril, jogava sempre, com boas exibições e, de um momento para o outro, as coisas mudaram, se calhar por fatores eu não conseguia controlar. Acabámos por descer. Eu tinha contrato, tive a oportunidade de ficar na Liga com outros clubes e não me deixaram rescindir, então isso desapareceu. Uma semana antes de fechar o mercado quiseram rescindir comigo e aí já os plantéis estavam todos fechados e é quando surge o Leixões, um bom projeto, estava perto de casa, decidi aceitar. Senti que estar no Estoril para receber mais um bocado e estar à parte não era para mim, preferi ser útil noutro lado. O Leixões é um clube diferente e sente-se quando se joga, mas também com muitos problemas. Felizmente nunca encontrei muitos a nível de salários, se aconteceu nunca foi por muito tempo, cumpriam sempre, mas as coisas não aconteceram, não conseguimos a subida. Era um projeto que o presidente tinha, mas não estava estruturado.
- Sair de Portugal estava nos planos?
- Já estava no meu pensamento há alguns anos. Já tinha tido oportunidade para isso. Por uma coisa ou outra nunca aceitei. Até que no Académico Viseu correu muito bem a época, sabia que ia ter propostas de fora e era o momento, tinha 28 anos, aproveitar os meus filhos eram pequenos, não cheguei a acordo para a renovação, queria receber mais, tentar a minha sorte noutro país, porque aqui senti que ia ser sempre um jogador de Liga 2 e preferia jogar na primeira divisão de outro país.
- Teve uma hipótese de ir para um país árabe que não correu bem…
- Assinei por uma equipa no Kuwait. Tudo certo, cheguei a viajar e a treinar, mas não gostei, não me adaptei às condições do amadorismo que encontrei. Falei com eles, disse que não era o que estava habituado e vim-me embora. Não criaram problemas, foram compreensivos. Sabiam que ainda estava a tentar crescer, mas não é fácil adaptar-se um jogador profissional. Regressei a casa e depois surge a Geórgia.
- E como foi chegar à Geórgia, o que o atraiu?
Encontrei um clube mais organizado, profissional, uma realidade mais idêntica ao que estava habituado. Era um projeto muito forte de um grupo que comprou o Torpedo e o quer colocar no topo da Geórgia e fazer algo de diferente na Europa. No início foi um bocado um choque, pelas obras para o Europeu, mas está tudo encaminhado para o Torpedo ser um clube de referência.
- Esse Europeu sub-21 teve influência no futebol georgiano?
- Temos um estádio completamente novo, que é só nosso e com boas condições para nós jogarmos. Para o futebol, o Europeu serviu para muita gente olhar para o campeonato e para o jogador georgiano de forma diferente. O Kvaratskhelia do Nápoles também ajudou e muita gente vai lá à procura. Ainda agora um jogador que estava comigo, de 20 anos, o Saba Goglichidze e que vai para a Itália agora em janeiro, não sei se para a Juventus ou para o AC Milan.
- Como é que um país pequeno e sem essa formação desenvolvida consegue lançar algumas desses pérolas que se ouve falar agora, além do Kvaratskhelia e Mikautadze?
Como esses há vários lá. Uma coisa que já questionei, porque é os clubes e a federação não criam condições para surgirem mais. Têm qualidade, a mentalidade é um pouco diferente, são um bocado de deixa a andar, fora do campo esquecem um bocado o futebol em termos de alimentação e descanso. É falta de formação e informação e acaba por se perder bons jogadores. Mas têm lá vários e é uma questão de aproveitar e há cada vez mais gente interessada em ver jovens valores na Geórgia.
- Essa visibilidade é boa para quem joga lá…
- Quando sai daqui fui para um projeto de primeira liga de outro país, sabendo que podai ser uma realidade diferente, mas nós habituamo-nos às coisas. Eu estou adaptado e a verdade é que me surgiram outras oportunidades diferentes do que quando jogava na segunda liga aqui, de ir para países com condições melhores.
- O regresso a Portugal para a Liga 2 está fora de questão?
- Nunca está totalmente fora de hipótese, é o nosso país, zona de conforto, a família. Mas para a minha carreira está afastado dos meus planos regressar para a segunda liga em Portugal.
- O futuro passa pela Geórgia, por continuar a jogar fora?
- Muito mais tempo na Geórgia não está nos meus planos. Tenho contrato de mais um ano, em princípio vou cumprir. Depois não sei se vou continuar por lá. Mas tenho o plano de estar fora durante mais 2,3 anos era o que gostava de fazer. Mas as vezes coisas mudam rápido e pelo bem-estar da família não terei problema em regressar e ganhar o meu espaço aqui outra vez.
- E se tivesses de fazer um top de treinadores com quem trabalhaste?
- Há outros treinadores que me marcaram muito. O Carlos Pinto que apostou em mim, o Filó também com quem aprendi em muito. Claro que Abel Ferreira, Sérgio Conceição e Paulo Fonseca têm de estar no top porque são os mais mediáticos e aprendi muito com eles. Mas o que mais me marcou até hoje foi o Abel Ferreira.
- O que distingue um bom treinador? A questão tática ou a parte humana também?
Acho que um treinador pode perceber muito de futebol, taticamente ser exímio, mas há outro lado, o humano, da liderança, de gerir o grupo que para mim é tanto quanto mais importante que o tático. As vezes há jogo em que a tática corre mal, mas quando todos correm pelo mesmo é isso que faz a diferença. Claro que a tática e a técnica está sempre incluída, mas quando o treinador consegue conjugar as duas coisas é disso que se fazem os campeões.
- E decerto que continuas a acompanhar o campeonato português, surpreende ver o SC Braga onde está?
- É um clube grande, claramente. Quando estava lá encontrei condições incríveis e não eram estas que eles têm agora, mas já se senti que podia fazer frente a qualquer um. Clube muito organizado, não falta nada aos jogadores, só têm de estar preocupados em treinar, jogar, porque o resto está tudo feito. E isso para um jogador é incrível.