Entrevista a Salvador Agra: "Fomos uns verdadeiros campeões durante uma época inteira"
“Devido a tudo o que aconteceu no último jogo, a sensação que passa é de alívio. Foi um misto de emoções, de tristeza e de felicidade, no qual relembrámos vários momentos que passámos. No fim de contas, merecíamos isto, porque fomos uns verdadeiros campeões durante uma época inteira e o único clube que não conseguiu contratar ninguém nos dois mercados de transferências. Pelo contrário, houve uma saída importante do Tiago Morais (em janeiro). Isto é só para os fortes”, ilustrou o avançado, em entrevista à agência Lusa.
Um penálti de Miguel Reisinho, aos 90+11 minutos, permitiu às panteras empatarem em casa com o já despromovido Vizela (2-2), na 34.ª e decisiva jornada, e acabarem a Liga no 15.º lugar, derradeiro de salvação direta, com os mesmos 32 pontos do Portimonense, 16.º e antepenúltimo, que seria relegado para o play-off por causa do pior saldo de golos.
“O Reisinho até pensava que era eu que iria bater esse penálti, mas o Bruno Lourenço é que os costuma marcar. Como ele já não estava em campo naquela altura, eu peguei na bola e entreguei-a ao Reisinho, até porque tinha plena confiança nele. É um jogador com muita qualidade, que sabe gerir bem os momentos e merecia ter uma alegria destas por tudo aquilo que já passou. É alguém de quem é difícil não gostar”, contou Salvador Agra.
O último pontapé da temporada livrou o Boavista de uma eliminatória a duas mãos com o AVS, terceiro colocado da Liga 2, retirando qualquer efeito ao triunfo do Portimonense na visita ao vizinho Farense (1-3), numa tarde em que o Estrela da Amadora também selou a permanência, ao vencer em casa o Gil Vicente (1-0) e finalizar em 14.º, com 33 pontos.
“Sabíamos que a luta seria a três. Tínhamos a vantagem de que só dependíamos de nós, mas, em campo, estávamos apenas focados em ganhar o nosso jogo e não a pensar no resultado dos outros. Com o decorrer das coisas e o ambiente que estava (nas bancadas do Estádio do Bessa, no Porto), é normal que nos tivéssemos apercebido de que alguma coisa não estava bem no outro lado (na partida em Faro), nem nos era favorável”, admitiu.
O Boavista cumpriu o principal objetivo pela 10.ª época seguida, mas teve a classificação e pontuação mais baixas desde a sua reintegração administrativa na Liga, em 2014/15, refletindo a constante turbulência sentida dentro e fora das quatro linhas, com sucessivas trocas de comando técnico, entre Petit, Ricardo Paiva e Jorge Simão, e a substituição de Vítor Murta pelo senegalês Fary Faye, ex-avançado dos axadrezados, à frente da SAD.
“Mesmo não tendo contratações, havia uma base forte da época anterior. Se calhar, isso permitiria não ter o desfecho (tão sofrido) que tivemos. Agora, sabíamos que ia ser difícil, duro e que só unidos e dando as mãos durante a época é que íamos atingir o objetivo da manutenção”, disse Salvador Agra, terceiro jogador mais utilizado pela equipa do Bessa, com 34 encontros, nos quais fez três golos e quatro assistências, registo igual a 2022/23.
Além dos atuais impedimentos de inscrição de novos jogadores ditados pela FIFA, os constantes problemas financeiros causaram salários em atraso no Boavista, cujo melhor arranque do século XXI - período iniciado com um inédito título de campeão nacional, em 2000/01 - até permitiu o comando partilhado da Liga à segunda, quarta e quinta rondas.
“Todos nós trabalhamos e temos obrigações ao fim do mês para cumprir, mas não houve confusão neste grupo acerca dos salários. É normal que comentássemos e não vou dizer que não é algo importante, mas, quando o apito inicial soava e a bola começava a rolar, abstraíamo-nos. Tentámos passar essa mensagem e a malta foi compreensiva”, reiterou.
Plantel tentou demover Petit
O plantel do Boavista tentou convencer Petit a retroceder na sua intenção de abandonar o comando técnico do clube da Liga em dezembro de 2023, recorda o futebolista Salvador Agra, destacando uma relação de proximidade no balneário.
“Sabíamos aquilo que ele era e continua a ser nesta casa: uma pessoa muito importante, à qual já estávamos habituados e que sente o clube de forma especial. Tínhamos ali um segundo pai. Foi um choque para nós quando o mister Petit tomou a decisão de querer sair. Tentámos que ele ficasse connosco, porque sabíamos que era uma força grande no nosso balneário, conhece esta casa melhor do que ninguém e é um excelente treinador. Aliás, os resultados estão à vista”, enquadrou o avançado, em entrevista à agência Lusa.
Quatro vitórias e um empate deram ao Boavista o comando partilhado do campeonato à segunda, quarta e quinta jornadas, mas um ciclo de oito partidas sem ganhar - incluindo cinco derrotas seguidas - diluiu o efeito do melhor arranque axadrezado no século XXI.
O desaire na visita ao Estrela da Amadora (3-1), na 13.ª ronda, precedeu a demissão de Petit, campeão nacional como jogador no Bessa, em 2000/01, que fechou uma segunda passagem de dois anos pelo clube no qual se estreara como técnico, entre 2012 e 2015.
“Seguiu o caminho dele e nós compreendemos a sua decisão. O futebol é isto mesmo e, por vezes, há que tomar decisões que, por muito que não se queira, são as melhores no momento. Seria hipócrita da minha parte estar a dizer que o Petit abandonou o barco. É totalmente mentira. Esse assunto ficou muito bem esclarecido entre todos. Ele disse-nos que estava a tomar aquela decisão por ser a melhor para a sua vida pessoal e para ver também se alguma coisa mudaria. Foi um verdadeiro campeão”, explicou Salvador Agra.
Ricardo Paiva foi promovido dos sub-19 do Boavista para substituir o atual treinador dos brasileiros do Cuiabá, mas a queda progressiva na classificação seria inevitável para um plantel curto de opções, impedido de registar novos jogadores e com salários em atraso.
“Depois de uma temporada com esta história toda, este grupo tem de ficar marcado para estes adeptos. Pode ser não da maneira como aconteceu em 18 de maio de 2001 (dia da conquista do inédito título de campeão nacional), mas, num cenário totalmente diferente, deve-se dar valor a este grupo por tudo aquilo que passou. Se fosse com outro grupo ou clube, acho que muito dificilmente conseguiriam fazer o que nós conseguimos”, apontou.
A saída do extremo Tiago Morais para o Lille, de Paulo Fonseca, em janeiro, numa altura em que era o segundo mais influente, com seis golos, a dois de Róbert Bozeník, agravou a contestação dos adeptos, motivo dado por Vítor Murta para renunciar à presidência da SAD em fevereiro, após a goleada do SC Braga no Bessa (0-4), na 23.ª jornada.
Essa vaga foi preenchida pouco mais de dois meses depois pelo ex-avançado senegalês Fary Faye, que tinha representado o Boavista como avançado em duas fases (de 2003 a 2008 e entre 2012 e 2015) e juntava nove anos de experiência diretiva naquela estrutura.
“É uma pessoa importante, até porque conhece a casa, já passou por esta profissão (de futebolista) e sabe os momentos em que se tem de tocar no coração de um jogador. Está agora numa faceta diferente e temos a crença de que vai fazer um trabalho espetacular. Acima de tudo, e além de ser presidente, o Fary é nosso amigo”, pontuou Salvador Agra.
Durante a mudança de ciclo na SAD, o Boavista voltou a trocar de treinador, com Ricardo Paiva a sair após a derrota em Arouca (2-1), na 29.ª jornada, dando lugar a Jorge Simão, que retornou ao Bessa cinco anos depois da passagem inicial (de 2017 a 2019) e obteve três empates nas cinco partidas finais, suficientes para uma manutenção sofrida na elite.
“O currículo fala por si. Tem experiência e já conhecia a casa. Parecendo que não, ajuda. Ele sabia que vínhamos de uma época larga e muito desgastante e teve o intuito de nos ajudar e dar força. Ele próprio diz para fora que veio com uma mala cheia de entusiasmo. Não é que não tivéssemos isso, mas queria que desfrutássemos da profissão”, concluiu.
"Razões para ficar? O amor por este clube"
Agra estendeu recentemente contrato com o Boavista por mais uma temporada, até junho de 2025, tendo em vista a subida da competitividade do clube, que sofreu para garantir a permanência na Liga em 2023/24.
“Falta-me ganhar (uma taça). Depois de tantos anos, ganhar algo com este clube seria o maior troféu da minha carreira. É notório que todos queremos dar uma alegria grande a estes adeptos, tal como demos na última partida, mas com um sentimento diferente. É o objetivo que tenho enquanto cá estiver”, fixou o avançado, em entrevista à agência Lusa.
Salvador Agra, de 32 anos, deixou o Tondela, então recém-despromovido à Liga 2, para rumar ao Boavista no verão de 2022, juntando seis golos e oito assistências nos 69 jogos realizados nas últimas duas épocas, com o estatuto de habitual titular no corredor direito.
“Razões para ficar? O amor por este clube e a identificação com esta gente. Vejo por cá aquilo que me fez apaixonar por este trabalho. Quando assim é, estou feliz”, salientou o extremo, cujo vínculo terminava em junho, mas foi prolongado por mais uma temporada.
Depois de terem finalizado a edição 2022/23 da Liga na nona posição, os axadrezados averbaram a classificação (15.º posto) e produção (32 pontos) mais baixas desde a sua reintegração administrativa na elite, em 2014/15, sofrendo até ao fim na fuga ao play-off.
“Este ano foi atípico e não queremos voltar a passar por isso, porque este clube tem de lutar por outros patamares e olhar para novos horizontes. Mudar (em 2024/25) passa por arrepiar caminho desde o início e manter esse nível. Como jogador, consigo controlar as minhas exibições, saber se estive melhor ou pior e efetuar uma análise quando as coisas nem correm bem. As outras situações deixo-as para quem as sabe tratar e bem”, disse o terceiro jogador mais utilizado esta temporada pela equipa do Bessa, com 34 encontros.
Com passagens prévias no campeonato ao serviço de Olhanense (2011/12), SC Braga (2013 e 2014/15), Académica (2014), Nacional (2015-2017), Desportivo das Aves (2017/18) e Tondela (2020-2022), Salvador Agra soma quase uma década e meia como futebolista profissional e admite ser um exemplo para a juventude do plantel do Boavista.
“Eles já me vão conhecendo e sabem que eu sou sempre mais um para ajudar. Também sei ver quais são aqueles momentos em que eles precisam de um carinho ou um grito. A malta que subiu da nossa formação sabe entender que tem de ter respeito para com um capitão. Há que manter essa mística, porque foi o que levou o Boavista a ter sucesso no passado e a ser o clube que é hoje”, notou o extremo, inserido no atual lote de capitães.
Em função da escassez de opções do emblema do Bessa, Salvador Agra jogou algumas vezes adaptado a lateral direito, recuperando um papel desempenhado anteriormente na carreira, durante a qual chegou a constar dos quadros do Benfica (2017-2019) - sem ter somado minutos ao serviço do conjunto principal -, arrebatou uma Taça de Portugal pelo Desportivo das Aves (2017/18) e foi campeão da Polónia pelo Legia Varsóvia (2019/20).