Entrevista Flashscore a Danilo Caixeiro e Fernando Capelo: “Existe muito interesse em Portugal”
A entrada de investidores privados em clubes de futebol continua a ser um assunto tabu em Portugal. Fruto de algumas experiências menos positivas, alguns adeptos continuam a ver com desconfiança a chegada de capital externo. Contudo, o interesse existe. Em conversa com o Flashscore, Danilo Caixeiro e Fernando Capelo, membros da Matix Capital, empresa com vasta experiência na mediação da entrada de investidores em clubes, explicaram as potencialidades do mercado português e, também, a importância de um projeto na altura de injetar dinheiro.
- Boa tarde. Antes de mais, uma breve explicação do que é a Matix Capitals.
- Danilo Caixeiro (DC): A Matix Capital começou há quatro anos, quando eu o Thairo Arruda (um dos cofundadores) estávamos a acabar o nosso mestrado em Yale e tivemos a ideia de fazer um negócio juntos, algo no mundo do futebol. Na Universidade fizemos uma conferência sobre futebol, foi um grande sucesso e através desses contactos fomos vendo oportunidades. Encontrámos uma, a de trazer a profissionalização para clubes como investimento. Vimos clubes ativos, relevantes, com marca forte, história, adeptos que são consumidores ativos e nem sempre isso é bem aproveitado, pela forma como são geridos. A nossa visão era identificar esses ativos e fazer projetos que conversem com o mundo que conhecíamos, dos investidores, de profissionais que podiam ver isto como um investimento. Logo no início fomos identificar o mercado. Somos brasileiros, mas no Brasil esse mercado não existia. E por diversos motivos, Portugal e Espanha eram os mercados que faziam sentido. Culturalmente são mais similares ao brasileiro e logo no começo focámo-nos em Portugal, pela ligação ao Fernando.
- E quais são os atrativos do mercado português?
- DC: O histórico de formação de atletas e o de ter profissionais de futebol de alta qualidade é muito relevante. O facto de não ter limite de jogadores estrangeiros é importante para qualquer projeto, grande parte da explicação do investimento em Portugal e Bélgica é por causa dessas regras de inscrição de jogadores. E dentro da questão de poder transferir atletas existe também a adaptabilidade ao país, pelo clima, a qualidade dos profissionais e o ser um mercado produtor. É um país muito estratégico para qualquer grupo, para qualquer investidor.
- E quais são os parâmetros que têm em conta na procura de um clube?
- DC: Varia muito em termos da estratégia do investidor. Portugal adapta-se muito à estratégia de transação de atletas e menos para uma estratégia de transformação de um clube com uma base comercial muito forte. É muito desproporcional o quanto os clubes conseguem gerar com patrocínios, comparado com a venda de atletas. Então o tipo de projeto para monetizar melhor a base de adeptos é mais raro para poder acontecer.
- Fernando Capelo (FC): O potencial comercial também é importantíssimo. Portugal é um país de crenças, acreditamos demasiado nalgumas coisas, levamos até ao limite e na forma como o futebol funciona atualmente é muito prejudicial. Acredita-se que as coisas são como são e que não há nada a fazer em relação a isso. Havendo potencial comercial no ativo que estamos a explorar, é preciso replicar o que fizemos no Botafogo: planear, implementar, manter o foco. No espaço de um ano a receita comercial, que é importantíssima e pode ajudar a o clube ou a SAD a ficar menos dependente das receitas extraordinárias, multiplicou por oito. É um aspeto a que olhamos também.
- DC: Acredito que se consegue explorar bem o aspeto comercial, é isso que leva o clube a ser forte no longo prazo. Uma coisa é a nossa visão como Matix do que é o mercado, outra coisa é o que os investidores fazem. A maioria dos projetos são para transação de atletas, mas os que conseguiram melhorar a receita comercial têm mais potencial para serem sustentáveis a longo prazo.
- A entrada de investidores em Portugal nem sempre é bem vista, muitas vezes é só alguém que vem colocar dinheiro. Nos projetos do Grupo Eagle com quem trabalha não se tem notado isso.
- DC: No fim das contas, a estratégia da Eagle é baseada no John Textor e nos outros dirigentes, com a qual nós concordamos. É com gestão que se faz alguma coisa a longo prazo. Injetar dinheiro no clube é parte disso, para uma visão. Não se pode injetar capital num clube sem uma visão. Os clubes quando vão ao mercado, quando pensam numa SAD, a visão dos diretores e dos adeptos é o precisar do dinheiro. O investidor traz o capital. E é exatamente o contrário, é preciso escolher o projeto, é muito mais importante que a quantidade aportada. Quando há um projeto bom, não há dificuldade em fazer o dinheiro fluir. O problema é tentar meter capital num barco que é furado. Um projeto atrai capital. O dinheiro não resolve, o que resolve é o projeto.
- FC: Esse tem sido um desafio, explicar aos adeptos o que eles querem para o clube e o que o clube precisa.
- Essa ligação para os adeptos acaba por ser um desafio.
- DC: O desafio para qualquer investidor num clube com uma massa adepta é que ela é sempre exigente, mesmo quando não é muito grande. Um lado da moeda é que uma massa adepta grande é o que traz sustentabilidade, o que dá vida. O outro lado da moeda é quando procuram um clube com massa adepta menor, porque querem fazer um projeto que não é comercial. Em Portugal preferem um clube com uma massa adepta mais calma, para poderem fazer negociações com mais calma. A Eagle é um projeto com clubes do mais alto nível mundial, é outro tipo de desafio.
- A centralização dos direitos desportivos também pode aumentar o interesse no mercado português?
- DC: Acho que qualquer investidor que olhe para Portugal está a tentar entender o que vai acontecer após a centralização. Os clubes já estão avaliados por cima, dada a expectativa de aumento das receitas. É um dos aspetos bastante relevantes. Portugal é um dos poucos países em que a negociação não é centralizada e espera-se que desfaça um pouco do desequilíbrio que há em Portugal, que é bom.
- E na prospeção que têm feito, têm encontrado resistência?
- FC: O futebol é uma indústria altamente competitiva e está industrializado. Com todo o respeito que há pelo associativismo, se um adepto quer o melhor para o clube que representa e que o futuro seja próspero e risonho, tem de olhar para a entrada de investimento privado de uma forma completamente diferente. Não é apenas o dinheiro que faz com que as coisas aconteçam, é a capacidade de investimento com uma gestão profissional. Os clubes têm vindo a perceber que nós diferenciamo-nos um pouco do que tem vindo a acontecer em Portugal. O Danilo e o Thairo têm um papel incrível na gestão do Botafogo. O Danilo teve um papel fundamental na captação de investimento para a compra do Lyon. Há uma coisa que os clubes têm vindo a conhecer e a resistência tem sido cada vez menor. Estamos a falar com alguns clubes em Portugal que nos acolhem de braços abertos, e que querem de facto que sejamos nós a procurar uma saída ou uma solução para a situação deles.
- Mas continua a existir muita discussão entre os sócios sobre a entrada de investidores.
- DC: Existe a preocupação e é natural, por parte dos dirigentes e dos adeptos. Às vezes ela faz é com que o processo fique pior. A indecisão sobre se vai entregar o controlo maioritário da SAD ou não. Tem de ser discutida muito bem internamente e em algum momento têm de tomar a decisão com coragem, para um lado ou para o outro. Depois disso, o processo pode ser um pouco mais transparente. O Brasil inspirou-se em Portugal para a lei da SAF (equivalente da SAD), mas a diferença é que existiram processos de privatização de clubes grandes que foram feitos de forma ordenada e clara. Tudo é pior sem transparência. Foi o que vi nos processos do Botafogo e do Vasco da Gama: processos bem estruturados, estava tudo claro quem era o investidor, contratos mais ou menos abertos, clubes que fizeram assembleias. Depois da decisão bem tomada pode-se fazer tudo isto, caso contrário é uma pessoa a empurrar e é mau.
- FC: E se olharmos para as SAD que correram mal em Portugal consegue-se perceber o porquê. Eram situações claras em que os clubes davam preferência ao dinheiro fácil, em detrimento do projeto. Olharam para o dinheiro e não para a robustez do projeto.
- Acreditam então que o futuro do futebol profissional em Portugal passará por aqui?
- DC: Faz parte da nossa missão trazer investidores para clubes, para que eles possam prosperar no futuro. Em Espanha e Inglaterra existe gestão privada dos clubes. Da mesma maneira que tivemos projetos que deram errado com investidores, tivemos clubes com associativismo, com relevância histórica, e que acabam por ter de jogar em divisões baixas, com enormes dívidas. Acontece em todos os sítios. O importante é ter um bom sistema de gestão.
- FC: E convém clarificar uma coisa. O facto de existir uma gestão privada não significa que o clube vai perder a identidade. É uma das principais preocupações dos investidores que trabalham connosco: tranquilizar a outra parte de que a história e a cor vai ser defendida, mesmo sendo ele o maioritário na SAD. Às vezes não percebem isso.
- E podem revelar alguma abordagem concreta em Portugal que já fizeram?
- DC: A Matix trabalha com investidores e sabemos que existe interesse no mercado português. É uma questão de alvos bons, mais do que investidores bons. Os grupos mais relevantes do mundo olham para Portugal e querem fazer negócio, a questão de alguns grupos estarem já a investir no Brasil, depois é um passo lógico investir em Portugal. Existe interesse, mas depois faltam projetos bem estruturados.
- FC: O que podemos dizer é que há muita atenção sobre Portugal.