Entrevista Flashscore a Filipe Relvas: "Se houver a possibilidade de algo melhor, estou preparado"
Aos 24 anos, Filipe Relvas é já uma das principais figuras da equipa algarvia treinada por Paulo Sérgio, que o lançou em 2021/22 na Liga Portugal. Na terceira época, o defesa estreou-se a marcar no primeiro escalão e tem sido essencial para a fase tranquila que o Portimonense atravessa.
Em entrevista ao Flashscore, o defesa-central, que também já jogou à esquerda, conta como foi a sua chegada até à temporada 2023/24, onde é dos jogadores mais importantes da formação algarvia.
- Uma carreira que começa por baixo: Espinho, Gondomar, Pedras Rubras, até aos sub-23 do Portimonense. Aos 24 anos, é pedra essencial no esquema de Paulo Sérgio. Fale-nos um bocadinho da sua carreira. Como começou o bichinho pelo futebol?
- Comecei por baixo, fiz uma formação mais humilde do que se calhar muitos jogadores que estão na Primeira Liga. Comecei no Espinho, é o clube da minha terra, passei pelo Feirense uns bons seis anos. Voltei ao Espinho para fazer os dois últimos anos de formação. Penso que foi onde evoluí mais. O Feirense tem uma ótima formação, mas no Espinho senti que estava a dar passos importantes para depois entrar no futebol sénior. Vinha da 2.ª nacional de juniores, por isso o primeiro ano foi difícil. Competia com jogadores que já tinham jogado na Liga Portugal, Liga 2 e que estavam a jogar comigo no CNS (Campeonato Nacional de Séniores, atual Liga 3) e tive mais dificuldades em jogar nesse ano. Tive sempre o apoio dos meus colegas e do meu treinador, que acreditava muito em mim, mas dava a entender que não era fácil. Soube esperar pela minha oportunidade e a seguir, no Pedras Rubras, fiz os jogos todos.
- Foi o ano de impulso para mim porque foi o primeiro ano como sénior a fazer muitos jogos. Na altura, a 3.ª divisão já tinha muita visibilidade e ajudou-me muito a crescer como homem e como jogador. Entretanto, chego ao Portimonense para os sub-23. Fiz logo a pré-época com o mister Paulo Sérgio em 2020/21, correu-me bastante bem, vinha entusiamado por estar a jogar com jogadores de Primeira Liga, era uma honra. Vinha de dois campeonatos abaixo e dava sempre o máximo nos treinos para mostrar que podia competir com eles e assim foi até hoje. Consegui mostrar as minhas qualidades, afirmar-me e ganhar o meu espaço, fruto do meu mérito e das condições que o clube tem, do mister que acreditou em mim e dos meus colegas que sempre me ajudaram e apoiaram, como eu começo a fazer com os colegas mais novos do que eu que começam a aparecer na equipa principal.
- É a prova viva de que vale a pena perseguir os sonhos, não é?
- Exatamente. Acho que devemos sempre lutar pelos nossos sonhos. Há cinco anos, queria ser jogador, mas não tinha certeza do que poderia dar. Dava o meu máximo, sabia que tinha qualidades para jogar em patamares superiores, mas uma pessoa nunca sabe o dia de amanhã e muitos jogadores, porque não conseguem ou não têm oportunidade, não conseguem chegar a um patamar tão superior. Eu, felizmente, consegui. Acreditava todos os dias que conseguia, mas nunca pensei que fosse tão rápido e que, aos 24 anos, já teria tantos jogos como profissional e agora é ter ambição para fazer mais e melhor.
- Há uma máxima que diz que a sorte dá muito trabalho. Para se atingir o sonho, é necessário trabalhar o dobro ou o triplo do que aqueles que têm o talento nato para jogar futebol, não é?
- Quando saio da formação, é óbvio que tinha talento, só que, como sempre competi mais abaixo do que outros, tinha de mostrar mais do que eles, por isso era fundamental que o trabalho estivesse lá. As coisas nunca me foram muito facilitadas. Felizmente, fui ganhando o meu espaço. Não se pode dizer que seja sorte ou azar, a sorte dá muito trabalho e eu que o diga. Sair da minha zona de conforto, de casa, para uma nova realidade e um novo desafio ajudou-me. O impulso daquela época de sub-23 e da pré-época com a equipa principal fez-me acreditar que seria possível aquilo que está a acontecer hoje.
- No meio de tudo isso há um nome: Paulo Sérgio. Um treinador com muita experiência de Primeira Liga e que tem olho para detetar o talento e não tem problemas em dar oportunidades aos mais desconhecidos. Suponho que seja uma peça importante na sua carreira.
- Sim. O Portimonense tem essa política de tentar formar os jovens nos sub-23 e de lançar quem acha que está preparado para a equipa principal. Da Liga Portugal, é uma das equipas que faz mais transição de jogadores dos sub-23 para a equipa principal. Eu fui um deles, pelo meu trabalho, mas também pelo que me ajudaram a crescer como homem e como jogador. Cheguei ao Portimonense, que tinha uma bela equipa, e tive de trabalhar imenso para ganhar o meu espaço. O treinador foi essencial nesse aspeto, para me ajudar a evoluir como homem, em primeiro lugar. Como ele diz, nós temos de trabalhar todos os dias porque se estamos cá é porque temos o nosso talento e se trabalharmos todos os dias bem as coisas acabam por acontecer naturalmente. Foi um bocado isso que aconteceu comigo. Tenho coisas a melhorar, quando cheguei tinha ainda mais, mas deu para ter uma evolução rápida porque o clube facilita esse acesso dos sub-23 à equipa principal e ajuda os jogadores a tirarem o seu rendimento máximo.
- É praticamente totalista no Portimonense, para a Liga Portugal. O campeonato começou um bocadinho aos solavancos, mas com o passar do tempo a equipa estabilizou e está pelo meio da tabela. Suponho que a ambição do grupo continua a ser subir patamares.
- Nós tivemos um arranque muito mau, sofremos duas derrotas pesadas, íamos para a 5.ª jornada com dois pontos, mas entretanto fomos conseguindo amealhar pontos e encontramo-nos a meio da tabela. Assumimos que, para já, a classificação não é o que mais conta, é darmos o nosso melhor e tentarmos, jogo a jogo, somar pontos. Sabemos que ainda há muita coisa para fazer, mas sim foi uma boa recuperação desse mau começo. Tudo no futebol pode ser levado para a parte boa. É um desafio. Começamos mal, mas sabemos que os jogadores vão tendo fases boas e más. Nesse aspeto, espero que a fase má já tenha sido ultrapassada totalmente e agora é lutar para que a equipa continue a fazer ainda melhores resultados para fazer uma época tranquila e consolidar a presença na Liga Portugal e, quem sabe, terminar na primeira metade da tabela e aproximarmo-nos dos lugares da Europa.
- Muita gente não tem noção do que o profissional de futebol, ainda mais numa posição como a sua, que joga no setor defensivo, sente quando perde por muitos. Como é que isso funciona em termos de grupo? Onde vão buscar as forças?
- É muito difícil irmo-nos deitar e saber que perdemos por quatro ou por cinco, mas não adianta se nos lamentarmos ou procurarmos uma desculpa para o que aconteceu. Sabemos que, se o resultado foi esse, houve várias coisas más. Tentamos pegar nessas coisas, corrigí-las e depois esquecer e não levar para a parte negativa para não entrarmos numa maré que nos possa prejudicar nos próximos jogos. Ser profissional de futebol tem muitas vantagens, mas temos de gerir emoções rapidamente. Numa semana podemos estar muito bem e na outra semana, se levamos uma goleada ou perdemos um jogo muito importante, já parece que está tudo mal e não é assim. Temos que nos agarrar às coisas más da maneira positiva para as melhorar e não para piorar ainda mais.
- Nesse capítulo, enquanto líder da equipa, suponho que Paulo Sérgio tem um papel fundamental para elevar os índices de todo o grupo.
- Sim, o mister Paulo Sérgio, como já tem uma vasta experiência no futebol, consegue dar-nos um controlo emocional importante, principalmente quando as coisas estão más. Dá-nos duras, mas tenta dizer-nos que nem tudo está mal. Às vezes são fases. O papel do treinador, pela sua experiência, é muito importante.
- Pelo que sabemos do Portimonense, não é um dos chamados grandes, mas tem boas condições para trabalhar. A sensação que passa é que é um clube respeitador, quase como uma pequena família. Lá dentro é mesmo assim? O grupo rema todo para o mesmo lado?
- A nível de condições, não estive em tantos clubes diferentes para comparar, mas dentro das equipas não-grandes tem condições muito favoráveis, das melhores, se não a melhor. A equipa é muito unida. Apesar de termos jogadores de vários países, como Brasil, Inglaterra, Portugal, claro, nós conseguimos criar um grupo coeso, forte e nunca senti que nenhum grupo não fosse unido. Este ano sinto que está muito unido. É um grupo jovem, com um misto de jogadores experientes que ajudam os jovens que estão a começar e acho que isso é fundamental para que as coisas corram bem numa equipa.
- A vinda de jogadores orientais para Portugal: sabemos que têm uma filosofia muito própria, são muito empenhados no trabalho, mas como é que comunicam com eles?
- Alguns esforçam-se bastante por falar português, outros falam inglês e outros nem português, nem inglês. Acho que nos conseguimos adaptar. Eles conseguem entender o que queremos dizer, eu também consigo, mesmo que não seja a 100% entendemo-nos e o mais importante é entender as movimentações dentro de campo para que as coisas corram da melhor maneira. É normal que, nos primeiros meses, quem vem de fora precise dessa ajuda para essa integração, mas não há grande dificuldade de integração. Falo com todos os jogadores, qualquer cultura ou nacionalidade que seja, consigo ter uma boa relação com todos. É assim em todo o plantel.
- O Filipe tem contrato com o Portimonense até 2026. Em termos de objetivos pessoais, é tentar continuar a escalar a sua montanha para chegar mais acima ou não o preocupa de momento?
- É claro que qualquer jogador de futebol, e eu não sou exceção, quer continuar a escalar a montanha para estar, se possível, no futuro, num contexto ainda melhor. Estou contente aqui, dou o meu melhor no clube, tenho contrato até 2026 e vou dar sempre o meu melhor enquanto estiver no clube. Se houver a possibilidade de haver algo melhor, penso que estou preparado. Sou um jogador com ambição, mas tenho contrato com o clube, tenho de dar o meu melhor no Portimonense até ao último dia que estiver cá.
- Não há essa atração de jogar fora de portas?
- Estou feliz onde estou, quero dar o meu melhor, estou ambientado com o grupo, com a direção do clube, as pessoas tratam-me bem, mas é claro que tenho ambição. Saí da minha zona de conforto e senti que isso me ajudou muito a crescer como homem, não só como jogador. Se saísse do país, seria um desafio interessante para crescer ainda mais. É com desafios difíceis que as pessoas se tornam melhores. Estarei preparado para isso, mas para já estou focado em ajudar o clube a alcançar os objetivos desta época.
- O Portimonense é uma bandeira da região. O que gostaria de dizer aos adeptos que estão sempre convosco?
- A palavra que lhes tenho a dar é que todas as equipas passam por momentos difíceis e é nesses momentos que temos de nos unir e tornarmo-nos num só, sermos uma família. Continuem a apoiar fim de semana após fim de semana, principalmente nas fases mais difíceis. Quando ganhamos, os jogadores estão sempre motivados, nas fases mais difíceis têm de se auto-motivar, mas haver essa união é muito importante e apelo para nos apoiarem nos próximos jogos em casa. A equipa tem qualidade, está a crescer e eles são muito importantes para nós.