Kiki Afonso: "Às vezes pensamos que chegamos lá acima e já está feito"
Acompanhe a estreia do AVS na Liga
O percurso de um jogador de futebol nem sempre é linear. Depois de deixar o Marinhas com apenas 14 anos, Kiki Afonso mudou-se para o FC Porto, mas ficou apenas uma temporada nos azuis e brancos. Com uma ética de trabalho de excelência, o esquerdino contrariou opiniões e inverteu a tendência da carreira para voltar à Liga Portugal, onde se tinha estreado pelas mãos de Nuno Espírito Santo, apenas com 19 anos, ainda no Rio Ave.
Para isso, este defesa nascido em França mas que se sente mais português, de tal forma que chegou a representar Portugal no escalão de sub-20, foi até ao Campeonato de Portugal para encontrar o espaço que vinha procurando até então.
Com o Vizela, subiu novamente os degraus até à Liga Portugal e foi depois de realizar 100 jogos pelo clube minhoto (102 no total) que rumou ao Ural, da Rússia, para um experiência enriquecedora antes de voltar a um futebol que bem conhece. 10 anos depois da estreia na Liga Portugal, Kiki Afonso, novo reforço do AVS, conta a sua história em entrevista ao Flashscore.
- Como está a correr este retorno aos relvados nacionais?
- É sempre agradável voltar ao nosso país, à nossa competição e está a correr tudo bem. De volta ao que eu já estava habituado, à nossa realidade, à nossa língua, que ajuda muito, e agora é trabalhar.
- Estavas no campeonato russo, no Ural. Como correu essa experiência além fronteiras?
- Foi um desafio e foi uma experiência muito boa a todos os níveis. Fez-me crescer, ver a realidade fora do nosso país, mas foi um desafio grande. Fui sem saber o que ia apanhar, o campeonato e a língua são muito diferentes, mas a nível geral foi uma experiência muito positiva, não só a nível futebolístico como pessoal. Fez-me crescer e com essa experiência posso ajudar o AVS.
- A língua foi a maior barreira nesta aventura na Rússia?
- Sim, foi a principal barreira. Ao início ia com algum receio, do país, da língua, mas depois acabou por correr tudo bem. A maior barreira foi mesmo a língua. Havia pouca gente a falar inglês e esse foi o maior desafio de todos.
- Ouvias falar do conflito na Ucrânia ou não se falava da guerra?
- Não se falava. Sou sincero, ouvia mais pelos canais portugueses do que lá. Lá evitam falar, não passa em lado nenhum e isso ajudou a esquecer um pouco. Sentia-me muito seguro, nem pensava nessa questão, parecia que o país nem estava na situação que está. Isso deixou-me mais aliviado. Depois de estar lá, senti-me muito seguro e as pessoas fizeram questão de mostrar que aquilo é seguro. Pelo tempo que estive lá, senti-me extremamente bem.
- Tiveste uma ligação forte ao Vizela. O que te fez emigrar?
- O meu contrato terminou, sempre tive o sonho de ter uma experiência fora e tive essa oportunidade de ter essa experiência como tanto desejava. Achei que era uma proposta interessante a todos os níveis, campeonato diferente, língua diferente e tudo encaixou. Acabei por aceitar esse desafio. O meu percurso no Vizela permitiu-me agarrar essa experiência de consciência tranquila. O Vizela ajudou-me muito para ter essa oportunidade e agarrei-a com tudo para ter uma boa experiência acima de tudo.
- O AVS subiu este ano. Em termos pessoais e coletivos, quais são os principais objetivos?
- A nível pessoal é tentar jogar o máximo possível, ajudar a equipa o máximo possível. Já tenho alguma experiência e espero ajudar. O objetivo número um é manter o clube na Liga Portugal e, se puder ajudar com a minha experiência, estou pronto. É um projeto muito aliciante, foi um projeto no qual as pessoas demonstraram que querem muito manter o clube e fornecem todas as condições para tal. Foi uma decisão acertada, agora é trabalhar e queremos dar uma resposta boa desde início.
- Nasceu em França, mas foi internacional português pelas camadas jovens. Como se vive a experiência de vestir a camisola de todos nós?
- É uma sensação única. Todos temos esse sonho de representar esse país. Além de ter nascido lá, a minha vida foi feita toda em Portugal, vim com um ano para Portugal, sinto-me mais do que português e sempre foi o meu país. Foi um sonho realizado. Representar Portugal nas camadas jovens é fruto de muito trabalho, trabalho que estava a ser bem feito e é continuar a trabalhar porque nunca se sabe o futuro.
- Há sempre ambição de voltar?
- As pessoas olham para a idade, mas há muitos exemplos que a idade é só um número. Há jogadores que aparecem aos 20 e outros que aparecem aos 30. Muitas vezes, a ambição das pessoas com 30 é maior do que a dos jovens de 20 e, enquanto tiver pernas para andar, não vai deixar de ser um sonho.
- Analisando a Liga Portugal, quem parte em vantagem para esta temporada?
- Não gosto de dar favoritismos a ninguém. Óbvio que uns têm umas qualidades, outros têm outras. Só depois de começar. As equipas mais regulares são as que vão ter mais sucesso. As equipas mudam de ano para ano e é um bocado relativo. Estou focado em ajudar o AVS e esse é o meu pensamento: manter o AVS na Liga Portugal. Isso é o mais importante.
- Voltando ao AVS, o que é que o tem surpreendido mais no clube?
- É um projeto novo, subiram no primeiro ano, mas nota-se que estão a fazer um esforço imenso para nos dar todas as condições. Pelo pouco tempo que estou aqui, vejo que as pessoas são muito unidas em prol do bem estar da equipa. Tentam que não falte nada e isso é muito importante para o jogador. É sempre um extra não pensar noutras coisas a não ser trabalhar.
- Já experimentou vários escalões do futebol nacional. Concorda que é uma carreira montanha russa?
- Sim, sem dúvida. Eu acredito que tinha de ser assim para me tornar no jogador que sou hoje. Às vezes pensamos que chegamos lá acima e já está feito, mas não está nada feito. Depois levamos um abanão e temos que nos sujeitar a outras realidades. Esses altos e baixos moldaram-me e fizeram de mim a pessoa e jogador que sou hoje. Estou no escalão principal, que sempre foi o meu sonho, agora é continuar a trabalhar porque não adianta dizer que estou no primeiro escalão e não ter resultados.
- Que conselhos pode deixar a um jovem que está a começar a carreira?
- Acreditar nos sonhos, não desistir, por muito que digam que não tem capacidade ou não vai jogar, como muitas vezes ouvi na minha carreira. Sempre me disseram para procurar outra solução que não ia jogar e depois provou-se o contrário. É preciso trabalhar muito diariamente. Só talento não chega. Temos muitos exemplos de muitos jogadores com muito talento que não chegam a metade do que os que trabalham muito todos os dias. Isso é fundamental. Temos de acreditar, por muito que digam que não, para um dia conseguir chegar lá. A palavra é acreditar e ser resiliente todos os dias.
- Como é que um futebolista vive a reta final para o arranque de uma nova temporada?
- A temporada é longa, é verdade, mas queremos todos começar o campeonato da melhor forma. Sabemos que há equipas que não estão com os plantéis fechados, há coisas a ajustar, mas quanto mais cedo tentarmos ajustar essas ideias todas para conseguirmos bons resultados no início do campeonato, isso dá confiança à equipa e ao clube. Se conseguirmos bons resultados no início, é sinal que as coisas têm sido bem feitas durante a pré-temporada. É um campeonato longo e de nada serve começar bem e acabar mal. As equipas mais regulares têm mais sucesso e acaba por ser bom para toda a gente.