Uma nova (velha) era na Luz: os cinco principais desafios de Bruno Lage
1- Desenho tático
Um dos primeiros (grandes) desafios da gestão de Bruno Lage é trabalhar as peças de um plantel que ele próprio não escolheu. Não é que seja propriamente uma novidade para o técnico, uma vez que aconteceu o mesmo aquando da sua primeira passagem pela equipa principal das águias, mas será exigente a vários níveis.
Em primeiro será preciso perceber porque é que determinados jogadores estão em défice de rendimento (Arthur Cabral, Renato Sanches e Kokçu são apenas alguns dos exemplos mais evidentes). Estará relacionado com o posicionamento ou será apenas falta de confiança? Será importante perceber esta questão.
Na mesma medida surge a avaliação tática em função dos jogadores à disposição.
Bruno Lage sempre privilegiou o 4x3x3, que em determinados momentos do jogo se transformava num 4x4x2, algo semelhante ao sistema apresentado por Roger Schmidt, e por isso não são esperadas mudanças significativas a esse nível, até porque o novo treinador das águias tem uma ideia bem clara sobre o plantel encarnado.
"Sempre disse que a minha ideia de plantel era que fosse curto, competitivo e equilibrado. Vejo o plantel (do Benfica) construído dessa maneira. Olhando para isso, acho que se fez um excelente trabalho na construção do plantel", disse.
2- Lidar com os estatutos
No seio de um plantel relativamente jovem, Bruno Lage tem dois jogadores com 36 anos: Nicolás Otamendi e Di María.
Muitas vezes apelidados de "vacas sagradas", um termo utilizado no mundo do futebol para falar sobre jogadores aparentemente intocáveis, há aqui um especial cuidado que Bruno Lage terá de ter para ser bem sucedido.
Ficou sempre a ideia de que Roger Schmidt teve algumas dificuldades nesse capítulo, sobretudo com a gestão de Di María, após o internacional argentino manifestar o seu desagrado sempre que fora substituído. Não está em causa a qualidade da dupla argentina, muito pelo contrário, mas os tempos são outros e não há a necessidade de olhar para os dois como indiscutíveis no onze nesta fase.
Bruno Lage, recorde-se, lidou com um caso semelhante em 2018/19, com o goleador Jonas, e deu-se muito bem. Veremos se não se esqueceu da fórmula.
3 - Reconquistar os adeptos
O nome de Bruno Lage não é consensual entre os adeptos do Benfica, com muitos deles à espera de outra figura para assumir a sucessão de Roger Schmidt no banco. Mas esta é a aposta de Rui Costa e, nesta fase, o presidente do emblema da Luz acredita que o novo técnico "terá apoio e respeito de todos os benfiquistas".
Numa fase em que o clube parece estar um pouco partido, em choque com a estrutura diretiva, Bruno Lage tem a missão de unir a massa associativa e sabe por onde começar.
"Quero o futebol que os adeptos gostam de ver e que já viram durante muitos anos: um futebol ofensivo, dinâmico e divertido. Um futebol que envolva a bancada. O meu primeiro jogo foi muito isso: paixão e envolvência. Temos de começar por aí e voltar a reconquistar os nossos adeptos", assumiu.
"Tenho uma enorme vontade de trazer de volta o sentimento de ser benfiquista. É essa chama que temos de trazer imediatamente para cá. Independentemente do momento, é precisamente pelo momento que temos de nos unir. Só assim será possível alcançar o sucesso", completou.
As exibições serão importantes, mas as vitórias assumem sempre especial destaque num clube da dimensão do Benfica, que muito investiu e prometeu nos últimos anos. Depois da tempestade Schmidt, os adeptos esperam a bonança. E títulos!
4- Encontrar um novo João Félix
Bruno Lage está muito associado à formação do Benfica. Há 20 anos entrou para a equipa de iniciados e passou praticamente por todos os escalões de formação até à oportunidade na equipa principal.
Num clube habituado a lançar vários jovens para a alta roda do futebol nacional e mundial, com vários casos de sucesso nos últimos anos (João Cancelo, Bernardo Silva, Rúben Dias, Gonçalo Ramos, João Neves, entre outros), é esperado que Bruno Lage, muito também por esse seu passado, seja capaz de identificar talento nas categorias inferiores do clube e o projete no plantel principal.
"O trabalho que tem sido feito na formação é importante", assinalou o novo treinador das águias na sua apresentação.
Bem fresca na memória está a aposta vincada em João Félix, que explodiu nas mãos de Lage em 2018/19, antes da mudança milionária para o Atlético de Madrid.
5- Metamorfose do próprio Bruno Lage
Depois da equipa, adeptos e estrutura diretiva, há ainda um aspeto muito importante para que esta nova era de Bruno Lage seja marcada pelo sucesso: a sua própria versão.
O treinador aceitou pela primeira vez o projeto do Benfica numa altura complicada - sete pontos de distância para a liderança - e conseguiu dar a volta e ser uma lufada de ar fresco, tanto para dentro como para fora, sobretudo para forma diferenciada como comunicava. Quem não se recorda da menção ao canal Panda e aos Super-Wings?
No entanto, os bons resultados e os títulos (Campeonato e Supertaça) começaram a desaparecer e houve também uma mudança significativa na comunicação do técnico, que entrou, várias vezes, em choque com a imprensa.
A despedida deu-se depois de uma derrota no terreno do Marítimo (2-0), a 29 de junho de 2020, na 29.ª jornada da Liga, marcada por alguns episódios de conflito com os adeptos, e seguiram-se passagens pelos ingleses do Wolverhampton e pelos brasileiros do Botafogo.
A aventura por Inglaterra até começou bem, mas também não terminou da melhor forma, e no Brasil o seu reinado durou pouco mais de três meses. O empresário John Textor ainda mostrou arrependimento pelo seu despedimento.
O ser humano está em constante evolução e, neste regresso à Luz, Bruno Lage surgiu com vontade de deixar algumas mensagens fortes, novamente para dentro e para fora, com uma saudação especial aos jornalistas presentes no Seixal (fez questão de cumprimentar cada um dos presentes de forma individual), mas importa perceber se está realmente diferente.
"Não penso muito no passado. Hoje, o Bruno Lage é diferente. Chego com cabelos brancos, o que me ajuda a ver as coisas com outra clareza. As ações ficam; é importante olhar para elas e construir um caminho de sucesso", disse.
"O nosso caminho é de aprendizagem. Todas as últimas experiências foram de aprendizagem. Energia positiva e uma enorme vontade de fazer um bom trabalho. Essa é a minha energia: tirar o maior partido de toda a gente", completou.
Cenário apresentado, este será um dos momentos mais importantes na carreira de Bruno Lage. "O" momento, talvez. Após uma saída pela porta pequena do Benfica, o desfecho negativo conhecido no Wolves e a forma como não conseguiu aguentar o Botafogo na rota do título brasileiro, o treinador tem agora sobre si a responsabilidade de ser bem sucedido nesta segunda vida na Luz.
Em suma, a oportunidade para se afirmar num contexto de enorme exigência ou para cair no esquecimento dos grandes palcos.