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Reportagem: Com Messi e Mundial em casa, a MLS enfrenta gigantesco desafio desportivo

Eduardo Geraque
Messi tem a oportunidade de ser dono de uma equipa da MLS
Messi tem a oportunidade de ser dono de uma equipa da MLSProfimedia
Antes de Messi, foi David Beckham. E se a chegada do argentino ao Inter Miami tornou-se realidade em 2023 é porque tudo começou em 2007, quando o médio inglês trocou o galático Real Madrid pelo limitado Los Angeles Galaxy.

A ideia era fazer com que o desporto da bola redonda ganhasse espaço próprio no país da bola oval. Naquele ano, a MLS (Major League Soccer) tinha 13 equipas e 7 nem jogavam em estádios exclusivos.

O também astro da seleção inglesa, além de fazer a liga norte-americana de soccer mudar de patamar – e ganhar uma quantia incontável de dinheiro em salários e patrocínios – ainda recebeu mais uma garantia para usar no futuro.

Por 25 milhões de dólares - uma pechincha tendo em conta os 500 milhões de dólares atuais -, Beckham poderia comprar uma nova franquia em qualquer lugar dos Estados Unidos, exceto Nova Iorque, quando parasse de jogar. Em 2014, usou o benefício inédito que só tinha sido daapdo a ele até então e o Inter de Miami, do qual é um dos donos, entrou em campo em 2020.

O segundo jogador da história da MLS a ter esse benefício é Lionel Messi, que Beckham ajudou a levar para a América. Será que o atual camisola 10 campeão do mundo vai ser dono de alguma equipa a partir de 2026, quando acabar o atual contrato? Atualmente são 29 clubes, e o 30.° chegará em 2025 em San Diego.

Messi tem o mesmo benefício que foi concedido a Beckham há vários anos
Messi tem o mesmo benefício que foi concedido a Beckham há vários anosProfimedia

Sede escolhida com missão a cumprir

Em 1988, a FIFA escolheu os Estados Unidos como sede do Campeonato do Mundo de 1994 – Portugal falhou a qualificação, o Brasil foi tetracampeão ao bater a Itália nos penáltis – com a condição de o país criar uma nova liga, uma vez que a antiga tinha ruído em 1985. Tudo tornar-se-ia realidade apenas em 1996.

“Nos primeiros anos, a MLS lutou muito. Estiveram perto de desistir no início dos anos 2000 e, apenas com a chegada do Beckham, é que as coisas começaram a mudar”, afirma Stefan Szymanski, professor de gestão desportiva na Universidade de Michigan.

Desde então, segundo o inglês que trocou a Europa pela aprazível Ann Arbor, no interior de Michigan, cidade em que Tom Brady surgiu para o desporto, a liga de futebol dos Estados Unidos obteve mais sucessos do que fracassos.

Houve um crescimento notável do futebol nos Estados Unidos em 20 anos e o Messi, agora, é um passo quase lógico. E a continuidade desse processo vai depender muito de quanto ele, de facto, conseguirá participar”, afirma Szymanski, autor de livros e artigos sobre negócios do desporto, entre eles a obra Soccernomics, escrita com Simon Kuper.

Inter Miami faz também um bom trabalho nas camadas jovens e tem lançado promessas na MLS
Inter Miami faz também um bom trabalho nas camadas jovens e tem lançado promessas na MLSProfimedia

Andorinha só vai fazer verão?

A chegada da anteiga estrela do Barcelona e do PSG, segundo o especialista, gerou muito impacto, com os muitos holofotes a viraram-se para o soccer norte-americano. “Agora, não tenho muita clareza se o Messi vai atrair mais gente para ver, por exemplo, New England Revolution contra os Houston Dynamo, numa partida em que ele, obviamente, não vai atuar.”

Para o professor radicado em Michigan, vai ser interessante acompanhar qual dos argumentos vai prevalecer. “O facto de Messi ser uma estrela mediática está a criar um burburinho para o futebol nos Estados Unidos. Mas não está claro até que ponto um jogador sozinho poderá mudar o estatuto da Liga".

MLS sofreu grande impacto com a chegada de Messi
MLS sofreu grande impacto com a chegada de MessiProfimedia

“Apesar de ter acontecido o fator Beckham no passado, e até o de Pelé, sem dúvida uma figura muito maior, não existe a clareza de quanto eles, de facto, ajudaram na consolidação desportiva de uma forma mais perene.”

No que toca a Messi, o facto de o Inter Miami não se ter qualificado para os playoffs vai ajudar a medir o peso do craque argentino para a competição.

“A MLS nunca vai competir com as três grandes ligas norte-americanas. O soccer não tem a mínima hioótese em relação ao futebol americano, ao basquetebol e mesmo com o beisebol, apesar do declínio histórico desse desporto por causa do envelhecimento médio dos adeptos. Mas nós devemos ver, em breve, nos próximos anos, ultrapassar por exemplo o hóquei no gelo", afirma o consultor brasileiro Ricardo Fort, especializado em administração e marketing desportivo.

Beckham atento a Messi
Beckham atento a MessiProfimedia

Negócio bem estruturado, próximo foco é na parte desportiva

Para o especialista, apesar de a maioria das equipas da MLS operarem no vermelho, não existe dúvidas de que a liga norte-americana de futebol está absolutamente consolidada do ponto de vista do negócio. “Agora, em termos desportivos, isso é outra coisa”, referiu Fort.

Entre outros motivos, porque a cultura nos Estados Unidos é absolutamente diferente de outros lugares, principalmente em comparação com Portugal e Brasil. “Não é apenas no soccer, mas nos desportos em geral. Todos eles são estruturados primeiro como negócio para depois virar uma atividade desportiva".

“O objetivo de quem investe, antes de mais nada, é maximizar o retorno do capital. Apesar dos défices da maioria das equipas, a questão na MLS é a valorização do ativo. É isso que justifica o processo. As franquias que foram compradas por 50 a 100 milhões de dólares hoje valem 500 milhões”, afirma Fort.

Jogos do Inter Miami têm recebido grandes públicos para ver Messi de perto
Jogos do Inter Miami têm recebido grandes públicos para ver Messi de pertoProfimedia

Limite para controlo

Ao contrário de outros países, a MLS tem regras rígidas para evitar, ou pelo menos diminuir, a velocidade com que se pode perder dinheiro nos clubes. Uma delas é a regra de teto salarial. Atualmente, o chamado plantel principal de cada equipa, formado por 20 atletas, não pode ter uma folha salarial anual superior a 5,2 milhões de dólares.

Até para facilitar a vida de quem procura contratar grandes estrelas, cada equipa pode contratar até três jogadores acima desse teto salarial. Uma regra criada exatamente em 2007 para acomodar a chegada de Beckham.

Ainda existem regras específicas para jogadores das camadas jovens, o draft de atletas saídos das faculdades e outros detalhes para manter um certo fair play financeiro em funcionamento. “Tudo isso é feito para nivelar meio que por baixo as equipas. Para baixar os custos. Em teoria, a qualidade desportiva pode ser baixa, mas a competitividade é alta”, explica Fort.

Presença de estrelas tem ajudado no crescimento da MLS
Presença de estrelas tem ajudado no crescimento da MLSProfimedia

Crescimento exponencial

De acordo com o consultor, é claro que muita coisa melhorou em 15 anos. “Quando o Beckham chegou, parecia que estava a atuar contra jogadores da quinta divisão. Hoje, quando converso com jogadores da MLS que vieram da Europa, e pergunto sobre a experiência de jogar aqui, muitos relatam que se sentem como se estivessem na segunda divisão italiana. Esse é o nível.”

Apesar da consolidação do negócio, e da evolução desportiva em ondas, Szymanski afirmou que apenas com uma profunda mudança de ambiente, com as audiências a crescer de forma sustentável nas plataformas de streaming e na própria TV - e nesse meio ainda são baixas -, é que a MLS poderá finalmente consolidar-se, num patamar elevado, em termos de qualidade.

“Estamos num momento em que as coisas parecem estar a correr bem, mas também teremos momentos em que talvez pareça que o futuro será menos promissor. Ainda vai demorar algum tempo para que a MLS se estabeleça, apesar da Apple TV, por exemplo, estar a apostar que vai conseguir ter sucesso e grandes audiências, ao contrário do que aconteceu com outros que tentaram no passadoe e fracassaram”, analisou o investigador da Universidade de Michigan.